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quarta-feira, 15 de julho de 2020

Como seria viver numa sociedade matriarcal pacífica?


... Podemos imaginar?...
Por Carol P. Christ

Existem muitas razões para as mulheres, os escravos e os pobres se revoltarem contra autoridades injustas em sociedades de tipo patriarcal. Mas entretanto não devemos assumir que haja razões para a revolta contra a dominação quando ela não existe, nem para nos revoltarmos contra autoridades injustas em sociedades onde elas não existem.

Em resposta à minha série recente de textos sobre o patriarcado enquanto sistema de dominação criado pela intersecção do controlo da sexualidade feminina, com o sistema da propriedade privada e a guerra (Parte 1, Parte 2, Parte 3), várias pessoas me perguntaram se existe alguma forma de injustiça inerente a uma sociedade de tipo matriarcal que possa ter dado origem à criação do patriarcado pelos homens como expressão da sua revolta.

A ideia por detrás desta questão é que se as mulheres são dominadas pelos homens nas sociedades patriarcais, então os homens também foram dominados pelas mulheres nas sociedades pré-patriarcais. Implícita nesta questão está a ideia de que deve ter havido uma “boa razão” para o desenvolvimento do patriarcado. A ideia de que na origem não houve qualquer “boa razão” para a existência do patriarcado – caso “boa” signifique justa – é simplesmente demasiado dolorosa para poder ser considerada por muit@s de nós.

O elo perdido nesta questão é a nossa incapacidade de imaginarmos sociedades sem dominação.

Segundo Heidi Goettner-Abendroth, “sociedades matriarcais” são “sociedades pacíficas” nas quais nenhum dos géneros domina o outro.

As sociedades matriarcais têm 4 características em comum:

1  1. Praticam agricultura em pequena escala e conseguem a igualdade através da dádiva transformada em hábito social.

2  2. São igualitárias, matrilocais e matrilineares. Mulheres e homens são definid@s pela sua conexão com o clã materno que possui a terra em comum.

3  3. Têm sistemas bem desenvolvidos de obtenção de consenso nas tomadas de decisão, que garantem que todas as opiniões sejam tidas em consideração.

     4. Respeitam princípios como o amor, o cuidado com as outras pessoas, a generosidade, os quais associam à ideia de maternidade e que ambos os géneros são ensinados a manifestar. Veem frequentemente a Terra como a Grande Mãe.

Como seria viver numa sociedade pacífica “matriarcal”?

Enquanto crianças, não teríamos de lutar com as nossas irmãs e os nossos irmãos pela atenção da nossa mãe ou do nosso pai. Tanto as raparigas como os rapazes receberiam o mesmo amor e atenção da parte das mães, avós e ti@s. tanto as raparigas como os rapazes teriam a certeza de sempre terem lugar no clã materno. Tanto enquanto rapaz como enquanto rapariga nunca teríamos de nos “separar de” nem de rejeitar a nossa mãe para “fazermos a experiência de nós enquanto indivíduos” nem para “crescermos”. Poderíamos crescer sem necessidade de romper os laços com as pessoas que primeiro nos amaram e cuidaram de nós. 

Seríamos criad@s numa família alargada com irmãs, irmãos e prim@s, tod@s considerad@s noss@s irmãs e irmãos. Nunca nos sentiríamos sós. Nunca nos ensinariam a competir com as nossas irmãs e irmãos. Nunca nos atacaríamos entre nós porque comportamentos violentos não seriam apropriados dentro da família.
Quando chegássemos à idade de ter sexo, poderíamos ter todo o sexo que nos apetecesse. Ser-nos-ia ensinado que sexo é algo alegre e prazenteiro. Quando os casais já não sentissem atracção mútua, facilmente se separariam e encontrariam outras pessoas.

Não haveria razão para as famílias se preocuparem com o interesse das crianças pelo sexo. Como todas as crianças têm uma mãe e todas as mães têm casa no clã materno, não haveria crianças “ilegítimas”, “bastardas”, “mulheres perdidas”, “vadias” ou prostitutas. Como o sexo seria livre, a prostituição não faria qualquer sentido.
As crianças nascidas dessas relações teriam sempre um lar no clã da sua família materna. As mães seriam ajudadas na educação das crianças pelas suas irmãs e irmãos, pelas mães e avós, tias e tios. Uma jovem grávida ou com uma criança pequena nunca seria rejeitada nem “entregue à sua sorte”.

Com tanta ajuda, as mulheres poderiam trabalhar “fora de casa” nos campos comunitários juntamente com as suas e os seus parentes. Uma mãe nunca ficaria “confinada” ou “fechada” com as crianças. “O problema d@s sem nome” descrito por Betty Friedan não se poria. Mães que não se sentiriam sozinhas, nem oprimidas, não sentiriam qualquer necessidade de “fazerem as suas filhas e filhos pagarem” pela sua infelicidade.

Um jovem não teria a obrigação de “prover” ao sustento das crianças, uma vez que isso seria da responsabilidade do clã materno. Um jovem contribuiria para o seu próprio clã e ajudaria as suas irmãs e primas a cuidar das suas crianças. Estas crianças vê-lo-iam como o seu “modelo de masculinidade”. Os homens trabalhariam com as mães e as irmãs nos campos, em projetos de construção ou comércio com outros clãs.

Quer fossemos rapazes ou raparigas, homens ou mulheres, teríamos sempre a certeza de sermos amad@s, pois seríamos ensinad@s a amar e a cuidar das outras pessoas. Não seriamos ensinad@s a competir, enganar ou cumular para nós propri@s. Caso tivéssemos uma habilidade especial, seríamos encorajad@s a desenvolvê-la, mas nunca a pensarmos que isso nos tornaria superiores a qualquer outra pessoa.
Tanto enquanto rapazes como enquanto raparigas, seríamos ensinad@s a respeitar as pessoas de idade, em particular as avós e os avôs. Isto não significa que estas pessoas tomariam o poder sobre nós, porque os clãs teriam sistemas democráticos bem desenvolvidos de forma a obter consensos que permitiriam a qualquer voz ser ouvida antes da tomada de decisões importantes.

Seguramente que haveria conflitos, ciúmes e desentendimentos em sociedades pacíficas, mas quando os conflitos ocorressem, não seriam resolvidos pela força porque a todas as pessoas teria sido ensinado que a partilha e a generosidade de espírito são as melhores formas de resolver conflitos.

Sociedades pacíficas estão tão longe daquela em que vivemos e são estranhamente tão atraentes, que muitas pessoas julgam que elas nunca existiram. No entanto, sociedades pacíficas existiram em todos os continentes do planeta e existem ainda hoje em dia em vários níveis entre os povos Iroquois, os Zapotecas, os Kuna, os Shipibo, os Samoans, os Asante, os Khoisan, os Tuaregs, os Berberes, os Kasai, os Minangkabau, os Mosuo e outros.

Não sei o que acham, mas quanto a mim, eu adoraria viver numa sociedade assim. Se procuramos “razões para” a existência do patriarcado, não creio que a infelicidade dos homens em tais sistemas fosse uma delas. Tanto os rapazes como os homens são amados, honrados e altamente considerados. Eles não têm de lutar, de ir à guerra, para se afirmarem e têm todo o sexo que querem, portanto assumo que são extremamente felizes.

Adoro imaginar todas as pessoas da terra a viverem em sociedades pacíficas onde os valores do amor, da partilha e da generosidade são considerados os mais importantes. A “idade de ouro” não tem de ser uma ideia do passado. Sonho com a possibilidade dela ser o nosso futuro.

Carol Christ
Traduzido por Luiza Frazão

http://feminismandreligion.com/2013/03/25/what-might-it-be-like-to-live-in-a-society-of-peace-can-you-imagine-by-carol-p-christ/#comment-15510

 Imagem: Ian Macharia, Kargi, Quénia

domingo, 12 de julho de 2020

O Patriarcado é um sistema de dominação masculina criado pela intercessão da necessidade de controlo das mulheres, da propriedade privada e da guerra – primeira parte, Carol P. Christ


O patriarcado é frequentemente definido como um sistema de dominação masculina. Esta definição não esclarece, apenas obscurece, o complexo conjunto de factores que contribuem para o funcionamento do sistema patriarcal. Precisamos duma definição mais complexa se queremos compreender e desafiar o sistema patriarcal em todos os seus aspectos.

O patriarcado é o sistema de dominação masculina ancorado num etos de Guerra que legitima a violência, santificada pelos símbolos religiosos, no qual os homens dominam as mulheres através do controlo da sexualidade feminina, com a intenção de legarem a propriedade aos herdeiros masculinos, e no qual os homens, heróis de guerra, são instruídos para matar homens, autorizados a violar mulheres, a apoderarem-se da terra e das suas riquezas, a explorarem recursos e a apropriarem-se ou dominarem por qualquer meio os povos conquistados.

Marx e Engels disseram que a família patriarcal, a propriedade privada e o estado surgiram ao mesmo tempo. Embora a sua compreensão das sociedades que precederam o patriarcado tenha falhas, a intuição que tiveram de que o patriarcado está ligado à propriedade privada e à dominação em nome do Estado está correta. Desde há muito que é óbvio para mim que o patriarcado não pode ser separado da Guerra e dos reis que tomam o poder na sequência da guerra. Fiquei surpreendida há anos com a alegação de Merlin Stone de que na sociedade matrilinear não existem crianças ilegítimas porque todas as crianças têm mãe. Mais tarde, tentei perceber por que razão a Igreja de Roma e outras igrejas e o Partido Republicano na América se opõem tão fortemente ao direito das mulheres controlarem o seu próprio corpo e tentam a todo o custo impedir o seu direito ao aborto.

Na definição do patriarcado que dou acima, junto todas estas questões numa síntese que descreve além das suas origens a forma como está relacionado com o controlo da sexualidade feminina, com a questão da propriedade privada, da guerra, da conquista, da violação usada como arma de guerra e do recurso à escravidão.

O sistema que defino como patriarcal é um sistema de dominação reforçado pela violência ou pela ameaça da violência. É um sistema desenvolvido e controlado por homens poderosos, no qual as mulheres, crianças, outros homens e a própria natureza são dominadas. Devo entretanto acrescentar que não acredito que esteja na “natureza” do homem dominar pela violência. O sistema patriarcal tem uma origem histórica, o que significa que não é eterno nem inevitável. Houve mulheres e homens que ofereceram resistência ao patriarcado ao longo da sua história. Podemos juntar-nos também hoje em dia para lhe oferecermos resistência.

A minha definição de patriarcado foi influenciada por novos dados da pesquisa feita por Heidi  Goettner-Abendroth em Sociedades de Paz, que faz avançar o nosso entendimento das sociedades pré-patriarcais que ela designa por “matriarcais” “sociedades de paz”.

Goettner-Abendroth identifica a estrutura profunda dos matriarcados usando quarto marcadores: 

1) económico: estas sociedades usualmente praticam agricultura em pequena escala e conseguem relativa igualdade económica através da dádiva enquanto hábito social; 

2) social: estas sociedades são igualitárias, matrilineares, matrilocais, sendo a terra propriedade do clã materno e com ambos os géneros, mulheres e homens, permanecendo no respetivo clã materno; 

3) político: estas sociedades são igualitárias e possuem sistemas democráticos de consenso bem desenvolvidos; 

4) cultura, espiritualidade: estas sociedades tendem a considerar a Terra como a Grande Mãe Doadora. Mais importante e permeando tudo o resto, estas sociedades honram princípios de cuidado, amor e generosidade que associam à ideia de  maternidade, acreditando que tais princípios devem ser praticados tanto pelas mulheres como pelos homens.

A cultura Mosuo dos Himalaias, objeto de estudo recente, mesmo encontrando-se em vias de desaparecimento, é um exemplo clássico. Fiquei a saber da sua existência ao ouvir a discussão de Michael Palin sobre os hábitos sexuais das mulheres de Mosuo no seu documentário sobre os Himalaias. Estas mulheres explicaram a Palin que na sua cultura as mulheres e os homens se definem a si próprias e a si próprios através da sua conexão com a clã materno. Quando uma rapariga atinge a idade da maturidade sexual, a mãe prepara-lhe um quarto onde ela poderá convidar um rapaz para jantar. Caso este lhe agrade, ele é convidado a passar a noite com ela. As crianças nascidas destas relações tornam-se parte do clã materno. O papel do pai é assumido pelos tios e irmãos da mãe, sendo o papel desta partilhado com as irmãs. Quando algum membro dum casal se cansa da relação, esta acaba e cada pessoa encontra um novo parceiro ou uma nova parceira. Obviamente que o Michael Palin teve alguma dificuldade para acreditar no que as mulheres lhe contavam.

 Esta história ilustra uma importante diferença entre os costumes matrilineares e matrifocais dos Mosuo e os das culturas patriarcais com os quais estamos familiarizadas. Entre as mulheres desta etnia é de norma a livre escolha dos parceiros sexuais. Não existem crianças ilegítimas nesta cultura porque todas têm uma mãe. Não existem mulheres “perdidas” (bom reflectir sobre o sentido deste termo) nem prostitutas porque as mulheres são livres para terem relações com quem decidirem. A dicotomia entre a santa e a pecadora tão bem conhecida nas culturas patriarcais pura e simplesmente não existe aqui.

Com o contraste fornecido por Mosuo, é possível entender a um nível mais profundo que o patriarcado é um sistema de dominação masculina no qual o homem domina a mulher através do controlo da sexualidade feminina. O controlo da sexualidade feminina através da instituição do casamento não é acidental no patriarcado, sendo pelo contrário algo central. Os costumes que rodeiam o casamento patriarcal, incluindo a exigência de que a noiva esteja intocada ou “virgem”, a protecção da virgindade das raparigas pelo pai e pelos irmãos, o isolamento das raparigas e das mulheres, a exigência de estrita fidelidade da parte das esposas em relação aos maridos, e a imposição destes hábitos com o recurso à vergonha pública, à violência, ou ameaça de violência, tem um propósito: assegurar que os descendentes do homem sejam legítimos, sejam dele. Enquanto saber quem é a mãe biológica é fácil, ter a certeza de quem é  o verdadeiro pai é bem mais difícil. Se uma mulher tem mais do que um amante, então, sem teste de DNA que apenas foi descoberto recentemente, é quase impossível ter a certeza sobre quem é o pai. Uma primeira solução para esse dilema consiste em definir a paternidade de outra forma e uma segunda solução é o absoluto controlo sobre a sexualidade das mulheres.

Entretanto podemos perguntar-nos por que razão é tão crucial para um homem saber quem são os seus filhos biológicos que um complicado sistema de isolamento, vergonha e controlo da sexualidade feminina teve de ser posto em prática? A resposta encontra-se na próximo segmento da minha definição: o patriarcado é um sistema de dominação masculina no qual o homem domina a mulher através do controlo da sua sexualidade com a intenção de transmitir a propriedade aos herdeiros masculinos. Marx e Engels tinham razão ao afirmarem haver uma relação entre patriarcado e propriedade privada.  Não haveria necessidade do homem ter tanta certeza sobre a paternidade das suas crianças se a instituição da propriedade privada não existisse e se o valor dos indivíduos não fosse definido em função da propriedade que detêm e transmitem aos seus herdeiros, habitualmente do género masculino.

Apercebi-me recentemente de que a palavra “herança” ou “propriedade herdada” em grego moderno, “periousia”, derivada do grego antigo, ilustra a conexão entre propriedade e identidade de forma mais óbvia do que a palavra “herança”. “Ousia” no grego antigo refere-se ao ser ou à essência do indivíduo. “Peri-ousia” é aquilo que rodeia o ser essencial e portanto define “quem” se “é”. O seu sentido óbvio é que “quem se é” é definido pela “propriedade” que se herda e se transmite. Sem a clara identificação da “essência” dum homem com a sua propriedade, não seria necessária uma preocupação tão grande com a certeza de que o herdeiro da propriedade do pai é de facto o seu filho biológico.  

Fevereiro 18, 2013

Imagens:
1. Yves Yves, Unsplash 
2. Estandartes das Deusas do mundo, de Lydia Ruyle, cenário da Conferência da Deusa Portugal 2019, Sintra
3.Cariátides, museu de arqueologia da Acrópole, Atenas

terça-feira, 2 de junho de 2020

A imagem de Deus enquanto Pai, Filho e Espírito: A raiz do problema


"Vários anos de pós-graduação em teologia convenceram-me de que havia algo de errado com a imagem tradicional de Deus. O meu questionamento começou com as palavras dos teólogos sobre as mulheres. A mulher era corpo, o homem era alma, a mulher era carne, o homem espírito. Por causa da sua fraca capacidade racional, a mulher foi persuadida pela serpente, porque não podia controlar as suas paixões, ela foi seduzida. Eu era uma mulher e, por mais que tentasse, não conseguia ver-me na fotografia. Eu sabia que a minha mente era tão boa como a de qualquer outra pessoa e não via o meu corpo como uma fonte de tentação. Gradualmente, comecei a perceber que a imagem de Deus enquanto Pai, Filho e Espírito estava na raiz do problema. Fosse o que fosse que eu fizesse, jamais seria “à sua imagem”. Embora esperasse encontrar em Deus um pai que amaria e aceitaria o meu eu feminino, parecia que "ele", tal como o meu pai e a maioria dos meus professores, gostava mais dos rapazes. Decidi que, a menos que pudéssemos chamar Deus de Mãe, assim como de Pai, de Filha tal como de Filho, as mulheres e as raparigas nunca poderiam ser valorizadas.

À medida que me afastava cada vez mais de Deus como Pai, sentia-me incapaz de ir à igreja, de cantar hinos ou de orar. Sem novas imagens para substituir as que eu não podia mais aceitar, sentia-me vazia. Uma noite, já bem tarde, a raiva foi crescendo dentro de mim. Gritei a Deus: "Quero que saibas o quanto eu sofri porque permitiste que te nomeassem à imagem do homem como o Deus dos pais, como homem de guerra, como rei do universo". Chorei de dor e rejeição, até esgotar as lágrimas. No silêncio que se seguiu, ouvi uma voz: “Em Deus existe uma mulher como tu. Ela partilha do teu sofrimento.”

Um ano depois quando ouviu o nome da Deusa numa oficina dinamizada por uma mulher chamada Starhawk, senti que a experiência de toda a minha vida se confirmava. Starhawk descreve a Deusa como

A Mãe Terra, que sustenta todas as coisas que crescem, que é o corpo, os nossos ossos e células. Ela é o ar - os ventos que se movem nas árvores e sobre as ondas, a respiração. Ela é o fogo da lareira, a fogueira ardente e o vulcão fumegante, o poder de transformação e mudança. E ela é a água - o mar, fonte original de vida, os rios, córregos, lagos e poços, o sangue que flui nos rios das nossas veias. Ela é égua, vaca, gato, coruja, grou, flor, árvore, maçã, semente, leão, porca, pedra, mulher. Ela pode ser encontrada no mundo à nossa volta, nos ciclos e estações da natureza, na mente, corpo, espírito e emoções de cada um e uma de nós.

Imagens da Deusa retratam o poder feminino como criativo e vital. Imagens da Deusa dizem-nos que nós participamos dos mistérios da natureza, nos ciclos de nascimento, morte e renovação. Foi ela quem eu intuí quando respondi às imagens da natureza nas palavras dos profetas e na relação Eu-Tu de Burber com uma árvore (1). Era Ela que eu procurava quando expressei a minha raiva a Deus. Ela era aquela que eu não conhecia. Ela era aquela que eu sempre conheci.

O anseio por uma imagem feminina de Deus foi despertado em mim pelo ressurgimento do movimento das mulheres. O despertar da nossa consciência trouxe-nos um modelo de espaço feminino onde podíamos partilhar as nossas histórias, "ouvirmo-nos umas às outras", permitir que a Deusa ressurgisse no meio de nós. Descobrimos livros escritos décadas antes que raramente tinham sido retirados das bibliotecas: M. Esther Harding, Jane Ellen Harrison, G. Rachel Levy e Helen Diner. Lemos sobre a Deusa em jornais e boletins, em livros recém-publicados: Jean Mountaingrove, Ruth Mountaingrove, Z. Budapeste, Hallie Mountain-Wing, Merlin Stone, Elizabeth Gould Davis, Marija Gimbutas, Charlene Spretnak, Starhawk e Elizabeth Gould Davis. Criámos grupos de estudo e círculos rituais. "A Deusa está viva. A magia está no ar", cantámos alegremente.”


(1)    Quando comecei a estudar a Bíblia Hebraica na faculdade, fui atraída pelas imagens que os profetas apresentavam das árvores do campo batendo palmas no dia da redenção, das montanhas e colinas que ressoavam em cânticos. Não entendi pois quando os meus professores disseram tratar-se dum exemplo da falácia patética, definida por eles como a atribuição de sentimentos a objectos inanimados. Eu pensava que as palavras dos profetas se expressavam a nossa profunda comunhão com a natureza.

Carol P. Christ, in Rebirth of the Goddess: Finding Meaning in Feminist Spirituality, 1997

quarta-feira, 20 de maio de 2020

FEMININO RACIONAL E INTUITIVO - INVENÇÕES DAS MULHERES CRUCIAIS PARA A EVOLUÇÃO HUMANA


As mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a tecelagem e criaram a religião neolítica 
CAROL P. CHRIST em 11 de maio de 2020

Quando olho para os dois capítulos da história da deusa no meu livro Rebirth of the Goddess (1996), há muito pouco que eu mudaria, mas há novas evidências que acrescentaria.  Antes de abordar a questão, gostaria de destacar dois pontos importantes que introduzi ao discutir a história da deusa, que muitas vezes são ignorados por outras pessoas na sua investigação. O primeiro é que as mulheres foram as prováveis ​​inventoras de três novas tecnologias no início da era neolítica: a agricultura (porque eram colectoras de plantas e preparadoras de alimentos vegetais), a cerâmica (principalmente usada para armazenamento e preparação de alimentos) e a tecelagem (papel das mulheres em quase todas as sociedades tradicionais). A segunda é que a chamada "era da Deusa" não é um estágio da cultura mais "primitivo" ou "inconsciente" que precisava de ser substituído ou derrubado por culturas guerreiras patriarcais mais "evoluídas" ou mais "racionais".

Teóricos da cultura, como o psicólogo arquetípico Carl Jung, afirmam que "o feminino" representa os modos inconscientes e não-racionais de conhecer, como a intuição. Disto se segue para ele que a época da Deusa era a época do inconsciente. Isso soa bem a algumas mulheres e até a algumas feministas que experimentaram aspectos das tradições filosóficas, teológicas e científicas racionais como dogmáticas, autoritárias e erradas! Erradas sobre as mulheres e erradas quando excluem outras formas de conhecimento "racionais" que não sejam as estritamente definidas. No entanto, existem razões importantes para rejeitar a teoria de Jung.

A teoria de que culturas mais “femininas” ou pré-patriarcais anteriores são inconscientes ou pré-racionais foi usada por Jung e seus seguidores para justificar a destruição de culturas anteriores por grupos guerreiros patriarcais, a fim de permitir que a humanidade desenvolvesse os chamados modos racionais de pensar identificados como "masculinos". O fato dos homens considerados racionais dessas culturas serem guerreiros, subordinarem as mulheres, tomarem terras alheias e escravizarem outros seres humanos raramente é considerado como sendo algo contrário à sua suposta superioridade. Além disso, a teoria de que as culturas da Deusa pré-patriarcais do Neolítico podem ser categorizadas como inconscientes de forma alguma explica as invenções tecnológicas que definem a era neolítica. As mulheres não acordaram uma manhã com a intuição de que, se plantassem sementes e as regassem, as colheitas cresceriam. A invenção da agricultura envolveu um longo processo de observação e teste. As mulheres também não inventaram recipientes quando inconscientemente observaram serpentes enroladas ou inventaram cozer a cerâmica no fogo quando acidentalmente uma panela caiu numa fogueira. Essas coisas podem ter acontecido, mas elas só teriam levado à invenção da cerâmica se alguém "pensasse" no que havia ocorrido e tivesse tomado uma decisão consciente de testar as ideias e depois repetir o processo até ao seu aperfeiçoamento. O mesmo se aplica à ideia ainda mais contra-intuitiva de que a lã ou o linho podem ser fiados, isto é, transformados em fios e que destes se pode produzir tecidos. A invenção da agricultura, cerâmica e tecelagem surgiu através de longos processos de observação da natureza (observação científica) e tentativa e erro (experimentação científica). Provavelmente, a intuição estava envolvida (como os cientistas modernos estão cada vez mais admitindo nas suas próprias descobertas), mas foi complementada pelo que devemos chamar de pensamento racional e métodos científicos. As mulheres nunca estiveram "atoladas" no inconsciente ou "limitadas" a maneiras não-racionais de conhecer. Sempre usámos maneiras racionais e não racionais de conhecer, a fim de melhorar as condições de vida para nós e para as nossas famílias.

O fato das mulheres serem as possíveis inventoras da agricultura, cerâmica e tecelagem tem implicações importantes para o entendimento da religião neolítica. As mulheres teriam codificado as técnicas que descobriram na música, na história e na dança, a fim de transmitir os seus conhecimentos às  gerações seguintes. (“É assim que plantamos as sementes, plantamos as sementes…”). Em outras palavras, as mulheres não foram apenas as inventoras da agricultura, da cerâmica e da tecelagem, mas também as criadoras dos ritos religiosos relacionados com as suas invenções - como rituais de plantio e  de colheita - isso teria sido central nas culturas neolíticas. Se as mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a tecelagem, é difícil acreditar (como geralmente se supõe) que padres ou xamãs do sexo masculino foram os principais criadores da religião neolítica. Embora eu acreditasse que as mulheres  foram as criadoras da religião neolítica quando escrevi Rebirth, estou ainda mais certa disso agora. Nos anos 30, Marija Gimbutas gravou mais de 5000 canções folclóricas no interior da Lituânia, muitas delas cantadas apenas por mulheres, e a maioria delas relacionadas com plantio e colheita, nascimento e casamento. Pesquisas em sociedades matriarcais vivas, como Minangkabau e Mosuo, mostram que as mulheres orquestram e transmitem rituais importantes relacionados com o plantio, nascimento e maioridade. Muitos desses rituais envolvem alimentos e roupas especiais, um reflexo e uma celebração do trabalho e da inteligência das mulheres.

Excerto do novo prefácio para leitoras/es coreanas/os da próxima tradução coreana de Rebirth of the Goddess.


Carol P. Christ é uma escritora, activista e educadora feminista e ecofeminista internacionalmente conhecida em vias de se mudar para mudar para Heraklion, em Creta. Os livros recentes de Carol são: Goddess and God in the World: Conversations in Embodied Theology e A Serpentine Path: Mysteries of the Goddess.


 Imagens: Creta

sábado, 9 de maio de 2020

A VISÃO MÃEMUNDO 2020

MãeMundo é uma sociedade na qual a mãe e os valores maternais de amor, atenção e apoio mútuos e para com a Mãe Terra e todas as Suas criaturas e a natureza são colocados no centro das nossas vidas e comunidades.


MãeMundo é a sociedade na qual os valores criativos e de afirmação da vida, acções, ideias e conhecimento são honrados e incentivados em mulheres, homens, crianças e em todos os géneros. É uma sociedade que se baseia no facto de que todas e todos vivemos na nossa Mãe Terra. Ela é nossa Grande Mãe, a Fonte e o Fundamento de tudo o que somos e de tudo o que temos. Somos as Suas criaturas. Precisamos cuidar da nossa mãe, de todas as pessoas e de toda a vida.

As Mães humanas dão vida e amor aos seus bebés. As mães carregam uma nova vida no seu ventre, geralmente por nove meses, e dão à luz filhos e filhas, que dependem delas por muitos anos. As mães são as principais cuidadoras do mundo, nutrem e criam a sua progenitura. Elas não fazem isso sozinhas, mas com o apoio amoroso dos pais, da família e da sociedade em geral. Essas crianças são o futuro da nossa espécie humana, do nosso mundo. Se não cuidarmos e apoiarmos as mães, essa falta de apoio prejudicará a sua capacidade de oferecerem incondicionalmente amor e carinho às suas filhas e filhos. Por sua vez, as crianças tornam-se pessoas adultas debilitadas, e assim os ciclos de danos continuam. As nossas famílias e sociedades precisam honrar e cuidar de todas as mães.

Esta visão MãeMundo exige uma “sea-change” (termo usado por Shakespeare em “A Tempestade”), uma mudança radical, uma alteração na forma como vivemos sobre a Mãe Terra e na maneira como criamos e projectamos as nossas sociedades para o futuro. Ela incentiva todos os indivíduos e comunidades a reconhecerem e a honrarem as Mães e todas as Mulheres, os nossos pensamentos e sentimentos, os nossos corpos, as nossas experiências, nossas vozes e os nossos valores de mulheres. Esta visão pede que todos e todas nós nos abramos ao Feminino Profundo nas nossas vidas pessoais e colectivas.

Valores fundamentais na nova MãeMundo:

Honrar a Mãe Terra como o ser vivo que é. Proteger e cuidar da Terra, da Água, do Fogo, do Ar e do Espaço, e de todos os seres que vivem no Seu mundo. Honrar todas as formas de ser mãe, bem como os pais, honrar todas e todos os cuidadores, celebrar, apoiar e nutrir crianças e jovens. Amor pelos e pelas nossas semelhantes, bondade, apoio, respeito, cuidado e compaixão.

Valores sugeridos para a nova MãeMundo incluem:

Honestidade, integridade pessoal, autenticidade, capacidade de se relacionar com as outras pessoas à sua volta, diversidade, direito à escolha, discernimento, inclusão, confiança, beleza, expressão emocional, escuta, limites claros, reflexão, desenvolvimento da alma, empoderamento, cura da Sombra, compaixão, felicidade, busca da sabedoria, incentivo ao auto-respeito, auto-responsabilidade, auto-estima, autoconfiança, autodisciplina, auto-reflexão; oração, cerimónia, serviço, conexão, parceria, generosidade, partilha da riqueza, capacidade de dar e receber, humor, criatividade, educação para todas as pessoas, resolução não violenta de conflitos, cuidado e protecção da Mãe Natureza e de todos os seres vivos, produção ética de bens e de serviços, protecção das pessoas mais vulneráveis e valorização da Sabedoria das Anciãs e Anciãos e da nossa ancestralidade.
MãeMundo é a sociedade onde as estruturas patriarcais e os valores de dominação, abuso de poder, controlo e coerção, ganância, lucro excessivo, competição destrutiva, violência, estupro, guerra, escravidão, sofrimento, fome, pobreza e poluição da Mãe Terra e de sua atmosfera, são reconhecidos como expressões sombrias da humanidade, que precisam ser desafiadas, desconstruídas, transformadas e curadas. No MãeMundo, práticas de cura para indivíduos, comunidades e para a própria Terra são incentivadas e prontamente disponibilizadas para todas as pessoas.

Na MãeMundo, reconhecemos que todos nós, seres humanos, carregamos feridas do nosso condicionamento patriarcal - padrões emocionais e mentais que podem ser activados quando tentamos mudar o nosso mundo. Dentro da nossa comunidade, estamos particularmente conscientes do nosso material psíquico mais sombrio, que inclui inveja, ciúme, julgamento, competição, sabotagem, punição, culpa, intriga, ressentimento, acusação e humilhação, projecção de emoções negativas, raiva, ira, medo, solidão, sensação de abandono, falta de amor próprio, de auto-estima e de autoconfiança, como resultado das nossas experiências culturais e cármicas individuais.

Na MãeMundo, um dos nossos primeiros cuidados é o amor e apoio mútuos, assumindo a responsabilidade pelas nossas emoções sombrias reprimidas e muitas vezes hostis. Essas sombras podem minar todos os nossos melhores esforços para mudarmos a nossa forma de agir nos nossos relacionamentos pessoais e sociais, nas nossas vidas como pessoas que amam a Deusa e vivem num mundo patriarcal, o que tantas vezes nos impede de experimentar o nosso verdadeiro poder. Aqui temos vindo a desenvolver habilidades e técnicas de expressão emocional, que nos ajudam a realmente ouvir cada pessoa e a oferecer reflexão e apoio quando necessário, para que possamos curar essas feridas. Esse trabalho pessoal de cura precisa e pode ser acelerado neste momento com a ajuda da comunidade MãeMundo, que nos mantém em segurança compassiva, enquanto trabalhamos para curar as nossas feridas.

O nome MãeMundo teve origem no romance de Barbara Walker “Amazon”, onde a autora descreve uma antiga sociedade matriarcal fictícia que vive em comunhão com a Terra. A nossa visão, entretanto, não é um retorno a uma sociedade assim, mas um movimento de avanço para um novo tipo de comunidade centrada na vida das mães, onde todas as pessoas são valorizadas, apoiadas e apreciadas, e onde podemos experimentar juntas novas ideias e formas de viver. A visão MãeMundo evoca um mundo amoroso, onde reconhecemos que somos mantidas e mantidos em segurança no abraço da Grande Mãe.


O Apelo MãeMundo

• Apelamos ao empoderamento de mulheres e de homens de todas as idades.
• Apelamos ao pagamento pelos governos e sociedades de um bom salário a todas as mães e cuidadoras e cuidadores de crianças, dependentes, jovens ou adultos, idosas e idosos, e outras pessoas enfermas ou incapacitadas.
• Apelamos à paz no nosso mundo.
• Apelamos ao fim da ameaça e da agressão pelo poder-sobre em todas as suas formas.
• Apelamos ao fim de toda a violência - violência contra mulheres e meninas, meninos e homens, incluindo agressão, estupro, mutilação genital, circuncisão, escravidão, tráfico de pessoas, tortura, assassinato e guerra.
• Apelamos ao fim do comércio de armas e da propriedade pessoal e social de armas perigosas.
• Apelamos ao fim da fome, da pobreza, da falta de habitação e da apropriação dos recursos da terra por poucas pessoas à custa do esforço de muitas.
• Apelamos ao fim de todo o sacrifício humano e animal para fins religiosos, políticos ou sociais.
• Apelamos ao fim de todas as formas de crueldade humana e animal.
• Apelamos ao fim de todas as desigualdades baseadas em género, raça, orientação sexual, deficiência e idade.
Chegou a hora destas mudanças ocorrerem.

A Visão MãeMundo foi recebida pela primeira vez em 2012 pela Sacerdotisa de Avalon, Kathy Jones, e foi desenvolvida, ampliada e refinada pela comunidade da Deusa do Templo da Deusa de Glastonbury. Esta Visão é continuamente inspirada pela Senhora de Avalon, Grande Deusa do Amor, Compaixão, Cura e Transformação da Ilha Sagrada de Avalon, Lugar de Maçãs. Esta visão também está sendo recebida por outras pessoas em diferentes comunidades e lugares do mundo e de diferentes formas.

A Visão MãeMundo é inclusiva e sem fronteiras. Ela suporta todas as pessoas - mulheres, crianças, homens e todos os géneros, em todos os lugares, que estão se esforçando para trazer de volta os valores da Deusa e do Feminino para as nossas vidas e sociedades, mudando o nosso mundo para melhor. A MãeMundo favorece a diversidade de expressões, pois a Mãe ama todas Suas filhas e filhos com os seus diferentes caracteres e modos de expressão.

Em agosto de 2019, foi criado o Partido Político MotherWorld, no Reino Unido, e Sue Quatermass foi a primeira candidata do MotherWorld a participar das Eleições Gerais no nosso país. Esperamos que haja mais candidaturas pelo partido MotherWorld nas eleições do Reino Unido e mais partidos MotherWorld/MãeMundo em outros países.

Desde 2012, esta Visão é apoiada por centenas de pessoas que assinaram o seu compromisso com a MotherWorld/MãeMundo on-line e por correio. Todas as pessoas que concordam com esta visão são convidadas a assumir o seu compromisso pessoal na página do Facebook MotherWorld e a começar a criar a Motherworld/MãeMundo nas suas próprias comunidades.

As comunidades e redes da MotherWorld/MãeMundo podem ser formadas por qualquer grupo de pessoas que concorda com os seus valores e princípios. Pedimos que todas as pessoas que assumem o compromisso com a MotherWorld/MãeMundo se conectem e permaneçam conectadas, criando uma rede mundial de amor e apoio aos nossos valores e acções criativas.

Compromisso com a visão MotherWorld/MãeMundo

A seguir, são sugeridos compromissos a serem assumidos por todas as pessoas que desejam co-criar a MãeMundo:
Comprometo-me a amar e apoiar a visão, as pessoas e os valores da MotherWorld, conforme descrito. A minha intenção é ajudar a trazer a MãeMundo à existência nos meus pensamentos, palavras e acções no mundo. Apoio a visão MãeMundo. Comprometo-me a assumir a responsabilidade pelos meus próprios ferimentos emocionais e mentais e pela sua cura.

Poderá registar o seu próprio compromisso com a MotherWorld/MãeMundo enviando esta declaração para o Templo da Deusa de Glastonbury, 2-4 High Street, Glastonbury BA6 9DU, Reino Unido, ou assinando on-line em www.goddesstemple.co.uk ou na página do Facebook da MotherWorld.

sexta-feira, 1 de maio de 2020

UM REGRESSO À DEUSA: POR QUE AS MULHERES PRECISAM DUMA ESPIRITUALIDADE CENTRADA NUMA DIVINDADE À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA


Encontrei este texto entre o material que não foi seleccionado para o meu primeiro livro... Entretanto acho que, apesar de já tão repetidas, estas são ideias que considero muito válidas...  

Para algumas pessoas parece muito difícil compreenderem por que é tão importante que esta espiritualidade esteja centrada apenas no feminino e na Deusa e não inclua também Deuses masculinos. Acreditam estarmos assim a fomentar o mesmo desequilíbrio criado pelo patriarcado quando excluiu a Deusa e proibiu às mulheres o acesso directo ao sagrado. Para estas pessoas, deveríamos estar a praticar uma espiritualidade integrada, digamos, com igual enfoque nos dois géneros da divindade e não a enfatizar apenas um aspecto. Pessoalmente, compreendo perfeitamente este ponto de vista e esta preocupação, que vejo muito em algumas mulheres, que parecem pouco à vontade por vezes, como se sentissem que estão a abandonar os homens quando os deviam estar a apoiar. Normalmente conhecem inúmeros homens que também se sentem vítimas do sistema patriarcal e parece-lhes injusto exclui-los ou deixá-los em segundo lugar. Para onde deverão ir estes homens tão bem intencionados e que se sentem muito melhor com as mulheres do que no mundo dos homens, e que ao mesmo tempo precisam de cultuar, de se identificar e receber força dos Deuses à semelhança dos quais foram feitos, tal como nós mulheres fomos feitas à semelhança da Deusa?
Admito que a questão seja complexa, e antes de mais é bom não esquecer que existem grupos pagãos que incluem e cultuam Deusas e o Deuses na sua Roda do Ano e portanto parece-me que quem não se identifica com uma espiritualidade apenas focada no Feminino, quem não sente a sua necessidade e vê aí apenas mais desequilíbrio a acrescentar ao desequilíbrio, tem outras opções. Digo isto logo em primeiro lugar porque a espiritualidade da Deusa, e a pagã em geral, e outras como o Budismo, ao que sei, não é, não são, proselitistas, ninguém tenta converter ninguém.

Para mim, entretanto, faz todo o sentido uma espiritualidade centrada apenas na Deusa. Certa vez alguém terá perguntado a Kathy Jones, fundadora do Templo da Deusa de Glastonbury, por que nunca falava em Deus, ao que ela terá respondido que não o faria enquanto houvesse no mundo um tal desequilíbrio entre a Deusa e o Deus. Completamente de acordo. Já tínhamos visto por que é que as mulheres precisam da Deusa e agora vou justificar do meu ponto de vista por que considero tão importante para elas ficarem a sós com a sua Deusa. Quando digo “a sós” não significa que não haja homens neste movimento, conheço vários sacerdotes da Deusa neste movimento, nenhuma porta lhes está vedada, que fique bem claro. Nem sequer são silenciados e apenas remetidos para funções subalternas, embora a sua postura seja discreta por compreenderem o que está em causa e a intenção e as necessidades das mulheres. Admiro e amo esses homens que estão connosco a apoiar-nos e rendo-lhes aqui a minha sincera homenagem. Essa intenção e necessidades das mulheres, em primeiro lugar, como eu compreendo a questão, consistem antes de mais em criar um espaço de confiança e de cura para as feridas, para o corpo de dor do Feminino, criado pela violência patriarcal sobre a mulher a todos os níveis. Níveis que vão do mais óbvio ao mais subtil. Ao nível cultural, ser mulher ou ser homem são programações, digamos, muito diferentes, que implicam papéis diferentes, com níveis de liberdade muito diferentes. Às mulheres foram consignados papéis que se limitavam à esfera da intimidade, da família, enquanto os papéis mais sociais foram reservados aos homens. A mulher, tradicionalmente, lida com o interior e o homem com o exterior, para simplificar, tendo-se as coisas extremado ao ponto de quem está apenas voltada para o interior nada saber nem ter a dizer sobre o que se passa no exterior, acabando por perder poder nas grandes decisões que depois determinam como se vive também na esfera íntima. Isto terá demorado a acontecer mas aconteceu, embora agora haja a sensação para muitas pessoas de que as coisas já não são assim, porque as mulheres têm acesso a praticamente todos os cargos de poder. Menos a religião e a alta finança. O que acontece, entretanto, é que as mulheres têm acesso a uma estrutura de poder criada desde um ponto de vista masculino, tendo perdido toda a noção do que seria um poder centrado na sua forma específica de ser enquanto mulheres, seres que geram vida dentro do seu corpo e que por isso mesmo foram desenhados para cuidar dela em primeiro lugar, o que não acontece com o homem. Há toda uma diferença a nível biológico, hormonal, psíquico entre os dois seres que determina diferentes posturas perante a vida. As mulheres, por exemplo, em caso de ameaça, juntam-se, juntam as crianças, criam união para se fortalecerem, enquanto os homens atacam. Nas mulheres foi identificado um instinto muito especial designado por “instinto de cuidar” que é não apenas usado com as suas crianças mas que se estende a quem precise, a quem se encontre em situação de necessidade.


Ora, compreendemos que os poderes que regem este mundo estão exactamente em contradição com estes princípios, esses poderes não têm a marca feminina, a Mãe foi silenciada e colocada numa posição subalterna. Basta vermos o que se passa na esfera do religioso, que é, como costuma dizer por exemplo a Zsuzsanna Budapeste, a política no mais alto nível. Basta atentarmos na posição da Virgem Maria na Igreja Católica, para percebermos como Ela reflecte exactamente a posição das mulheres neste mundo de homens. Maria, que foi perdendo atributos femininos na iconografia religiosa ao ponto de mais parecer uma adolescente anoréctica, amputada dos seios e do ventre fecundo da Grande Mãe criadora, não tem estatuto divino, e o seu papel é o de interceder pelas suas filhas e filhos junto dum Deus implacável, demasiado importante e ocupado para ter tempo para ninharias. É incrível perceber, se atentarmos na Virgem Maria dos católicos, na Senhora de Fátima, que é onde é mais forte actualmente o seu culto, como Ela espelha exactamente a posição das mulheres, das mães, neste mundo, cuidando de filhas e filhos que são do pai, aguentando a estrutura da Igreja, que sem Ela há muito já teria desaparecido, tal como sobre as mulheres recai todo o trabalho de manter coesa e em funcionamento a estrutura familiar, mas sempre subjugadas a uma autoridade que fala mais alto.

Ora esta é a programação que conhecemos, por muito que estejamos conscientes, é de acordo com ela que funcionamos. Temos inscrita em nós toda uma forma de ser, de nos vermos e de vermos o outro (e a outra), e de com ele interagirmos, que seria bom mudarmos, porque colocámos muito poder fora de nós, em mãos alheias. O pai precede a mãe na nossa alma quando para o bem maior de todas e de todos, para maior segurança da humanidade, deveria ser o contrário, porque e Mãe é que é a criadora e portanto é quem está em melhor posição para agir de forma a proteger a vida. O pai protege os seus interesses, preocupado em manter e aumentar o seu poder e o seu domínio. O uso da palavra foi incentivado nos homens e interditado às mulheres. Os primeiros apóstolos como S. Paulo ou Santo Agostinho tiveram o cuidado de determinar que às mulheres fosse proibido o acesso ao púlpito. E mais tarde a Inquisição destruiu tudo quanto restava do antigo poder das mulheres, daquele que tiveram antes da instalação do domínio patriarcal.
Por muito que achemos que isto é história antiga, vendo bem essa é a programação que subsiste na esfera mais elevada do poder político, que é a igreja dominante na nossa cultura, onde as mulheres continuam sem acesso ao púlpito, sem acesso directo ao sagrado embora sejam elas quem enche as igrejas.

Essa interdição do uso público da palavra e o aniquilamento cirúrgico do seu antigo poder remeteu as mulheres para o silêncio e a invisibilidade. O medo de falar em público, de ser vista, de exprimir a sua opinião, a sensação de nada ter a dizer de importante, de inadequação a todos os níveis enfraqueceu a mulher de um modo que nenhum homem pode sentir na sua própria pele. O que acontece com frequência quando homens e mulheres interagem em grupos mistos é que temos dois tipos de participantes, com posturas completamente diferentes em relação ao uso da palavra, à auto-expressão e à capacidade de liderança. Por um lado temos aqueles que foram estimulados a usar da palavra em público, os que estão habituados a ser ouvidos e a comandar, não temendo a eventual ignorância sobre qualquer assunto, porque é suposto que um homem saiba tudo de tudo. Do outro lado temos aquelas que carregam toda uma história de silenciamento, de proibição do uso da palavra, de desempoderamento, de sensação de irrelevância, de medo de não saber o suficiente, de sensação de que a sua validação como ser humano vem através do homem, do salvador masculino. 

 Sei que muitas pessoas mais jovens se insurgem perante esta forma de ver as coisas, achando que já não é assim. Esta análise seria justa nos anos sessenta, digamos, mas não em dois mil e tais. A minha experiência como professora até 2011, entretanto, lamento, não me permite concluir que tenha havido grande evolução. Pelo contrário, tive suspeitas de um forte e preocupante retrocesso quando certa vez fui assistir com uma turma de adolescentes a um debate entre as duas listas concorrentes à associação de estudantes na escola onde dava aulas. Sobre o palco do pavilhão polivalente, onde ia ter lugar o debate, constatei que na representação duma das listas não havia qualquer rapariga. Ao indagar sobre a razão foi-me dito que sim que também havia raparigas naquela lista mas que elas estavam com vergonha de subir ao palco…

Essa vergonha, essa falta de à vontade para subir ao palco, essa sensação de irrelevância, de falta de poder, de nada saber nem ter a dizer, essa herança feminina, continua portanto viva e actuante. Como se cura? Do meu ponto de vista ela cura-se primeiro com a consciência de que é algo de bem real, sem tentar negar o que é óbvio, como acontece tão frequentemente, como se fosse algo de já resolvido e ultrapassado. E depois cura-se criando circunstâncias seguras para as mulheres se exprimirem, para exprimirem a sua criatividade, o seu talento, a sua forma particular de ser e de ver o mundo, ligadas a um propósito maior que as faça sair da esfera da intimidade, da família, onde estão limitadas, como que aprisionadas, ao serviço de valores de cuja criação no fundo não participaram. Aliás, também é lugar-comum dizer-se que nos países latinos por exemplo as mulheres têm muito poder na família, são as super-mães, o que a meu ver é mais outra falácia. As mulheres usam e aplicam o poder dos homens, agindo como regentes em nome do rei, não como as rainhas que deveriam ser, exercendo um poder centrado no seu útero de grandes criadoras e no seu coração.

UMA ZONA LIVRE DE PATRIARCADO
Basicamente todo e qualquer homem para uma mulher é um representante do sistema patriarcal, quer ele queira quer não, quer ele se regozije ou se entristeça com isso. Esta parece-me ser uma boa base de trabalho a partir da qual poderemos agir no sentido de nos  libertarmos, ambos os géneros, desta programação, negar isto não nos fará avançar um milímetro.


Quando em 2011 assisti à primeira Conferência da Deusa de Glastonbury, compreendi a importância das mulheres criarem coisas por si mesmas, de se apresentarem ao mundo em seu próprio nome. Ver ali grandes mulheres com a sua visão própria do mundo, existindo por sua própria conta e risco, mulheres já meias lendárias, as nossas grandes heras do presente, mulheres que nos servem de modelo, de inspiração para uma maneira de ser verdadeiramente feminina, mestras, foi o melhor bálsamo que a minha alma já experimentou neste mundo. Mulheres que eram, que são, criativas e exuberantes e não mulherzinhas normalizadas, uniformizadas da cabeça aos pés, tanto na forma como pensam e agem como na forma como se vestem e penteiam, sem liberdade para irem mais além, para questionarem nada, prisioneiras, preocupadas apenas em manter coeso um mundo fragmentado em pedaços, ferido de morte.

A experiência deste evento criado por mulheres e para mulheres, com a ajuda e o apoio de alguns homens, diga-se, um espaço seguro porque criado a partir da consciência das nossas debilidades e daquilo que nos faz falta, uma zona livre de patriarcado, do pesado olhar do homem que nos mantém numa determinada frequência, marcou para sempre a minha maneira de estar no mundo. Era o nível seguinte, não mais o nível apenas da revolta, da denúncia dum estado de coisas que nos diminui e torna infelizes, mas um espaço de criação de algo de novo usando essa energia da indignação e da revolta. Que fique bem claro o que eu penso sobre esta questão, a força para mudarmos o mundo vem-nos da fúria, da raiva, da recusa em aceitarmos não poder viver plenamente por nós mesmas, como direito à experiência e ao erro, a vida que nos foi dada e de vermos o estado em que o mundo se encontra porque governado desde um ponto em que o poder da Mãe e do Feminino foi abolido e mantido inoperante. Nesta indignação e revolta está a força para criar outra realidade, ela não está em mais lugar nenhum.

Estamos portanto no passo seguinte da criação daquilo que queremos para nós. E queremos aquilo que nos foi tirado e negado: uma Deusa à nossa imagem e semelhança, a Grande Deusa do passado que por mais de 30 000 anos inspirou sociedades pacíficas e sustentáveis. Queremos o poder da Mãe no mundo. O poder da Mãe dá-nos, por essa experiência de milhares de anos, confiança absoluta.
É óbvio que há muitos homens que não se revêm no patriarcado, que compreendem o nosso ponto de vista, que têm a sua parte feminina muito activa, etc. Conheço alguns, convivi com grupos de Permacultura e sei que existem homens com as melhores intenções, e não apenas aí, claro. Acontece que por muito bem-intencionados que sejam esses homens, eles não viveram a nossa história, eles não partilham o nosso corpo de dor, o deles, que também existe, óbvio, é diferente. A experiência deles é outra. Eles não carregam o fardo da culpa, da grande culpa da mulher.
Por outro lado, para nós, eles transporta toda essa carga patriarcal, é impossível não olhar para eles e, mesmo que seja apenas de forma inconsciente, não os ver como estando do lado de quem pode tudo, de quem legitimamente pode usar da palavra, de quem espera de nós lealdade, apoio, de quem tem condições de nos validar, de ser o nosso salvador… Um homem é muito mais do que apenas uma pessoa, ele é todo um programa, assim como a mulher para eles representa igualmente todo um programa.

Será que não existe outra solução senão separarmo-nos, será que não podemos trabalhar lado a lado para tentar ultrapassar estas questões, quebrar as imagens estereotipadas que temos de cada um dos géneros? A minha opinião, o que eu sinto, é que precisamos de solidão para nos conhecermos, as mulheres, solicitadas de todos os lados, ao serviço de todos, precisam de solidão, de fazer outras coisas, de saber o que valem, do que são capazes, de se apaixonar por uma causa, um projecto, em vez de quase exclusivamente por pessoas. Elas precisam de saturar cada pontinho da sua alma faminta de imagens, de símbolos e de mitos que lhes falem do feminino, precisam da Deusa, da sua força e do seu poder.

Queridos homens, não sei de vocês, mas as mulheres estão esvaídas, desnutridas, exauridas, intoxicadas por uma cultura de pura violência de todas as formas possíveis contra a sua essência e a sua alma. Isto é o que eu sinto e o que eu sei. E também sei que vos amamos muito e não queremos desistir de vocês. Então por que não experimentam também essa solidão para se conhecerem fora da programação patriarcal, por que não se juntam entre vós, procurando saber quem são, o que querem, quais são as vossas feridas, trazendo assim cura uns aos outros, àqueles que tal como cada um de vós viveram as mesmas experiências, em vez de continuarem a querer que essa cura venha duma mulher sem poder nem autoridade, esvaída, desnutrida, insegura e assustada que ainda por cima vos aconchega o ego confiando na vossa autoridade e vendo-vos como o salvador? A insalubridade desta situação, convenhamos, exige no mínimo um bom arejamento.

©Luiza Frazão

Imagens: Conferências da Deusa Glastonbury e Sintra (2019)
                                                                                                                                        

sexta-feira, 24 de abril de 2020

ENCONTRAR CALAICA



Podes ir pela rua e de repente encontrar a Cale. Mas para isso acontecer é melhor ires à província, descer ao país profundo. A Cale veste-se de negro, porque toda a gente da sua geração, pelo menos, já desencarnou. Resta ela, a resiliente. Lembro-me de umas quantas epifanias de Cale na minha vida. Numa peregrinação à Cova da Iria, por exemplo, na véspera dum dia 13 de Maio, vimo-la passar, magrinha, sequinha, ultrapassando tudo e toda a gente na rapidez desembaraçada e ritmada do seu passo que já vinha assim desde o Norte. Ainda mal refeitas do nosso espanto, ao vermos como, naquela que era a derradeira etapa do nosso percurso, a famosa e dolorosa “recta de Fátima”, ela, a Cale, magrinha e sequinha, vestida de negro, de lenço atado na cabeça, se movia, antes de podermos articular palavra, já a tínhamos perdido de vista. Devia ter perto de 80 anos, e foi um espanto e um profundo respeito e quase embaraço da nossa parte, por sermos muito mais novas e tão mais lentas, pesadas e cansadiças.

Mas a Cale é de outra dimensão. Por onde passa, ela deixa um rasto, ou um borrifo, de profundo reconhecimento, anagnórise, será o melhor termo para o que acaba de nos acontecer. Sabíamos que ela devia existir porque lemos a respeito nas histórias antigas, mas não tínhamos bem ideia de onde procurar, e de repente acontece qualquer coisa, como uma brisa fresca de liberdade, que faz um upgrade na nossa coragem e alarga a nossa visão da vida, da extensão da duração da vida e da excitação de se estar viva, porque lá no fundo pode estar a Cale.

Uma vez encontrei-a do lado de dentro do balcão de um café para os lados dos Amiais de Cima. Vestia de negro, mas não era uma saia e blusa e um avental qualquer. Era um vestido bem feito, marcado na cintura, com um xaile pelas costas. Tinha um olhar frontal e usava cordão e brincos de ouro e todo o conjunto denunciava uma atitude de quem é muito senhora de si e não precisa de impressionar ninguém. Mas impressionava, sobretudo ali naquele lugar, numa aldeia onde ninguém se veste nunca assim. Apetecia copiar-lhe o estilo, mas ainda era preciso cultivar muito a Cale em si para aquilo cair como caía nela. Há poucos anos lembrei-me e fui de propósito lá só para a ver de novo, mas já tinha partido para o Jardim das Hespérides.

A Nazaré também é um lugar onde ainda se pode encontrar a Cale. Num dia de sorte, podes encontrá-la ocupada com alguma coisa ou simplesmente com nada, sentada no areal à beira da marginal, já me aconteceu. De xaile cobrindo a cabeça. Ou de lenço. Se o teu olhar se encontrar com o dela, é possível que te aconteça viajares em pânico para algum lugar recôndito e mal cheiroso da tua alma que com tanto cuidado pensavas estar preservado, desinfectado e selado.

No Norte também é provável que a encontres. Mas entre os ambientes onde não se dá, o pior deve ser aquele onde um fluxo televisivo ininterrupto mantém a cabeça numa frequência de idiotice, vazia de qualquer ideia ou pensamento original, observando acontecerem coisas mirabolantes em que não se é tida nem achada.

De resto, a Calaica é muito desconfiada, não vais encontrá-la em nenhuma fila de farmácia, sala de médico de família, lar de terceira idade, onde te tratam de “menina” para baixo e te imbecilizam e te provam que não és capaz e te fazem duvidar de que alguma vez sequer o tenhas sido. A Calaica fenece nesses lugares de pura irrelevância. Ela precisa de vida a acontecer na guelra, de movimento, de desafio, de giro, do ar da madrugada, do pó da estrada nas plantas dos pés, da água dos córregos, do vento e da geada, de gravetos para a fogueira, de ir e de vir, de ser tida e achada. Abençoada.

©Luiza Frazão



terça-feira, 17 de março de 2020

MEDITAÇÃO PELA CURA E PELO RESGATE DA DIMENSÃO DO JARDIM DAS HESPÉRIDES


Horário: 21h00

Neste horário, sugiro que te unas a nós acendendo uma vela junto do teu altar - caso tenhas, com a própria Chama do Jardim das Hespérides –, sugiro que encontres o teu centro através da respiração consciente e visualizes a trilogia formada pelas Deusas tutelares do nosso território, Senhoras dos três mundos, do Mundo do Meio, a Anciã Cale; Hespéria/Ibéria, Deusa solar do supramundo; Ophiusa, a Deusa Serpente do inframundo. Visualiza-As emitindo raios da poderosa Luz Dourada do Jardim das Hespérides, a dimensão da Deusa do nosso território,  irradiando puro Amor, Força, Sabedoria, Compaixão, Poder de Transformação, de Transmutação e de Cura. Visualiza essa luz dourada e quente inundando todo o teu corpo, todas as tuas células limpando-as e regenerando-as, e depois sente e visualiza essa energia irradiando para além de ti, indo muito para além de ti e do lugar onde te encontras, limpando, desinfectando, transmutando, curando, regenerando, abrangendo cada vez maiores distâncias até cobrir todo o planeta... Sente o poder do Amor e Compaixão da Deusa e visualiza as pessoas felizes por poderem de novo abraçar-se, festejar em grandes grupos. Sente o alívio e a alegria, vê o sorriso, ouve o riso das pessoas juntas celebrando a vida com prazer, apoiando-se e ajudando-se mutuamente...
Junt@s podemos resgatar ou cocriar, neste momento de profunda mudança, a energia do nosso Jardim Dourado das Hespérides, a nossa dimensão da Deusa. Abençoada seja a Deusa e nós tod@s <3 o:p="">



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

SOBRE O CURSO MAGNA MATER

Lendo o último dos trabalhos, o Módulo 8, enviado por uma aluna do Brasil. Delícia. Quanto trabalho, entrega, discernimento, profundidade… Amo este curso, sim.
Ela diz ”Precisei desse tempo a mais para retirar proveito dos últimos insigths que esse grande estudo pode me proporcionar.
Foi realmente mágico. Digo no termo literal da palavra. Pude experimentar em terceira dimensão cada energia da Deusa, da estação, e a poderosa transformação, ou iniciação, que ia causando em mim e em minha vida. 
Sim somos sacerdotisas... e jamais poderíamos servir se não fôssemos iniciadas nada mais nada menos que pela energia da grande Deusa. 
Senti fortemente grandes trasnformações.
E gostaria de continuar aprofundando os estudos...” 


quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O REGRESSO DAS SACERDOTISAS DA DEUSA DO JARDIM DAS HESPÉRIDES

É muito auspicioso ver que as Sacerdotisas da Grande Deusa ancestral por todo o lado estão a despertar, a regressar, reclamando uma função que foi delas/nossa, por milénios e depois lhes/nos foi usurpada pelo recurso a grande violência e no meio de grande sofrimento. Porém, o tempo é chegado de curarmos essas feridas, as dores e os traumas deixados na nossa alma por esses eventos do passado, cuja memória na verdade está contida nas nossas células, e de, em sororidade e fraternidade, reconstruirmos uma vez mais o Templo da Grande Deusa, sendo o Seu veículo para que sobre o mundo se derramem de novo as Suas bênçãos de Amor, de Abundância, de Paz, de Alegria, de Inclusividade e de Cura. 

O MEU DESPERTAR PARA A DEUSA

Comecei o meu caminho espiritual no final dos anos 90, quando fui estudar Astrologia para o Quíron, com a Astróloga Maria Flávia de Monsaraz. Essa foi a primeira etapa duma longa caminhada, antes de mais de autodescoberta, que acabou por me conduzir até à Deusa. Depois de várias formações no âmbito do Desenvolvimento Pessoas, foi o encontro com a obra de Jean Shinoda Bolen, nomeadamente, Travessia para Avalon, aí por volta de 1997, que me trouxe a conexão com a Deusa e com Glastonbury/Avalon, onde fui pela primeira vez em 2009. De Jean Shinoda Bolen li também As Deusas em cada Mulher, enquanto fazia um curso sobre Arquétipos do Feminino. Criei depois eu mesma outros, inspirada na mesma obra, mas agora olhando já em outras direcções como foi o caso do trabalho da brasileira Mirella Faur, entre outras. E aí, a magia e o poder da Deusa começaram a revelar-se…

Posso dizer que no Templo da Deusa de Glastonbury, em 2009, a Deusa mudou o meu destino para sempre e quatro anos depois fazia a minha dedicação como Sacerdotisa de Avalon nesse mesmo lugar ,onde vivi por dois anos e onde regresso regularmente, conduzindo até grupos de peregrinas e de peregrinos, como foi recentemente o caso.

ABRINDO O PORTAL DO JARDIM DAS HESPÉRIDES

Logo no início da minha formação senti grande entusiasmo pela pesquisa das tradições da Deusa no território nacional, e o resultado desse trabalho deu um livro: A Deusa do Jardim das Hespérides, edição da Zéfiro. Nas minhas buscas e demandas descobri que, tal como Avalon, também nós temos uma dimensão sagrada, ocultada pelas brumas, designada no mundo antigo por Jardim das Hespérides. Hespéride, da Hespéria, termo com origem na palavra grega que significa Ocidente. Aí se contava maravilhas de um Jardim situado no extremo ocidente da Europa onde havia as famosas maçãs de ouro da imortalidade. E a verdade é que havia mesmo muito ouro e outras riquezas, sendo a paz e a harmonia possivelmente a maior de todas elas. A Idade de Ouro matrifocal, aqui nesta zona periférica da Europa, perdurou até mais tarde, dando origem ao mito que chegou até nós pela pena de alguns autores clássicos.

Esse Jardim pertencia à Deusa Hera, proprietária das maçãs de ouro, que as Nove Irmãs do Poente, homólogas das Nove Musas gregas e de outros grupos de nove mulheres míticas presentes na memória de várias culturas do mundo, guardavam. Eram, entre outras coisas, sacerdotisas da Deusa, da Senhora da Terra, ainda o sacerdócio  no feminino não havia sido interditado. Um dos dez mil milhões de nomes dessa mesma Deusa era o de Hera, ou Héspera, a estrela da tarde, que também tem o nome de Vénus, ou Hespéria/Ibéria. Outro desses nomes e faces é Cale, Calaica, Cailícia, Beira, ou Iria, ou Brígida, Brigântia, Trebaruna, Atégina ou Nábia… e muitos mais. A Deusa, conforme podemos descobrir ao investigar os vestígios deixados no território, foi aqui reconhecida por várias denominações que exprimiam as características do Seu território, do Seu povo, da Sua face, mais jovem ou mais anciã, mais invernosa ou estival.

RESGATAR UMA HERANÇA INSPIRADORA PARA O NOSSO FUTURO

O Jardim das Hespérides é pois a nossa Avalon, a nossa dimensão da Deusa, que nos fala duma Idade de Ouro, duma era de paz, inclusividade, sustentabilidade, harmonia e equilíbrio entre o Feminino e o Masculino, próprio das sociedades onde as mulheres detiveram e detêm real poder, da chamada gilania de que nos fala Riane Eisler na sua obra-prima de leitura indispensável O Cálice e a Espada. Termos esta herança cultural é algo de tão precioso e inspirador que não hesitei em dedicar-lhe a Roda do Ano que entretanto criei, inspirada pela minha pesquisa na tradição do território e pelo meu treino de Sacerdotisa de Avalon feito no Templo da Deusa de Glastonbury, com Kathy Jones e Erin McCaulif.

Baseado nessa mesma Roda, com as suas Deusas, Hespérides, Mouras, Árvores sagradas, animais totémicos, símbolos, mitos, lugares sagrados, tradições, vivências e cerimónias, criei um treino de Sacerdotisa e de Sacerdote da Deusa do Jardim das Hespérides que já vai na terceira edição. Já temos até uma Irmã das Hespérides (título que se consegue após a dedicação que acontece como conclusão da Primeira Espiral/ano de estudos) no Brasil, mais propriamente em Florianópolis, onde no próximo Festival da Deusa, que aí terá lugar a 6 e 7 de Dezembro, ela irá apresentar esta nossa Roda do Ano da Deusa do Jardim das Hespérides, reclamando também esta herança céltica como parte do legado português levado pela colonização para esse vasto território do Hemisfério Sul.

SER UMA SACERDOTISA DA DEUSA

Na verdade, este treino permitir-te-á dinamizares oficinas e vivências, dar palestras e criar cerimónias inspiradas na tradição da Deusa, ancoradas na energia do nosso território. Após os dois anos de formação, a tua função de Sacerdotisa e de Cerimonialista da Deusa possibilita-te dinamizar workshops e cerimónias para as mais diversas finalidades e ocasiões, criar ou participar em inúmeros eventos inspirados na Deusa, permitindo-te expandir a tua criatividade e talentos até… ao infinito!

RECONSTRUINDO O SEU TEMPLO

É maravilhoso ver como as Sacerdotisas da Grande Deusa ancestral por todo o lado estão a despertar, a regressar, reclamando uma função que foi nossa, por milénios e depois nos foi usurpada pelo recurso a grande violência e no meio de grande sofrimento. Porém, o tempo é chegado de curarmos essas feridas, dores e traumas deixados na nossa alma por esses eventos do passado, cuja memória na verdade está contida nas nossas células, e de, em sororidade e fraternidade, reconstruirmos uma vez mais o Templo da Grande Deusa, sendo o Seu veículo para que sobre o mundo se derramem de novo as Suas bênçãos de Amor, de Abundância, de Paz, de Alegria, de Inclusividade e de Cura. 

Lembrando que a Primeira Espiral recomeça no próximo dia 2 e 3 de Novembro.
Se sentes o apelo contacta-nos através do email: jardimdashespéridestemplo@gmail.com.



Abençoada seja!