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quarta-feira, 20 de maio de 2020

FEMININO RACIONAL E INTUITIVO - INVENÇÕES DAS MULHERES CRUCIAIS PARA A EVOLUÇÃO HUMANA


As mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a tecelagem e criaram a religião neolítica 
CAROL P. CHRIST em 11 de maio de 2020

Quando olho para os dois capítulos da história da deusa no meu livro Rebirth of the Goddess (1996), há muito pouco que eu mudaria, mas há novas evidências que acrescentaria.  Antes de abordar a questão, gostaria de destacar dois pontos importantes que introduzi ao discutir a história da deusa, que muitas vezes são ignorados por outras pessoas na sua investigação. O primeiro é que as mulheres foram as prováveis ​​inventoras de três novas tecnologias no início da era neolítica: a agricultura (porque eram colectoras de plantas e preparadoras de alimentos vegetais), a cerâmica (principalmente usada para armazenamento e preparação de alimentos) e a tecelagem (papel das mulheres em quase todas as sociedades tradicionais). A segunda é que a chamada "era da Deusa" não é um estágio da cultura mais "primitivo" ou "inconsciente" que precisava de ser substituído ou derrubado por culturas guerreiras patriarcais mais "evoluídas" ou mais "racionais".

Teóricos da cultura, como o psicólogo arquetípico Carl Jung, afirmam que "o feminino" representa os modos inconscientes e não-racionais de conhecer, como a intuição. Disto se segue para ele que a época da Deusa era a época do inconsciente. Isso soa bem a algumas mulheres e até a algumas feministas que experimentaram aspectos das tradições filosóficas, teológicas e científicas racionais como dogmáticas, autoritárias e erradas! Erradas sobre as mulheres e erradas quando excluem outras formas de conhecimento "racionais" que não sejam as estritamente definidas. No entanto, existem razões importantes para rejeitar a teoria de Jung.

A teoria de que culturas mais “femininas” ou pré-patriarcais anteriores são inconscientes ou pré-racionais foi usada por Jung e seus seguidores para justificar a destruição de culturas anteriores por grupos guerreiros patriarcais, a fim de permitir que a humanidade desenvolvesse os chamados modos racionais de pensar identificados como "masculinos". O fato dos homens considerados racionais dessas culturas serem guerreiros, subordinarem as mulheres, tomarem terras alheias e escravizarem outros seres humanos raramente é considerado como sendo algo contrário à sua suposta superioridade. Além disso, a teoria de que as culturas da Deusa pré-patriarcais do Neolítico podem ser categorizadas como inconscientes de forma alguma explica as invenções tecnológicas que definem a era neolítica. As mulheres não acordaram uma manhã com a intuição de que, se plantassem sementes e as regassem, as colheitas cresceriam. A invenção da agricultura envolveu um longo processo de observação e teste. As mulheres também não inventaram recipientes quando inconscientemente observaram serpentes enroladas ou inventaram cozer a cerâmica no fogo quando acidentalmente uma panela caiu numa fogueira. Essas coisas podem ter acontecido, mas elas só teriam levado à invenção da cerâmica se alguém "pensasse" no que havia ocorrido e tivesse tomado uma decisão consciente de testar as ideias e depois repetir o processo até ao seu aperfeiçoamento. O mesmo se aplica à ideia ainda mais contra-intuitiva de que a lã ou o linho podem ser fiados, isto é, transformados em fios e que destes se pode produzir tecidos. A invenção da agricultura, cerâmica e tecelagem surgiu através de longos processos de observação da natureza (observação científica) e tentativa e erro (experimentação científica). Provavelmente, a intuição estava envolvida (como os cientistas modernos estão cada vez mais admitindo nas suas próprias descobertas), mas foi complementada pelo que devemos chamar de pensamento racional e métodos científicos. As mulheres nunca estiveram "atoladas" no inconsciente ou "limitadas" a maneiras não-racionais de conhecer. Sempre usámos maneiras racionais e não racionais de conhecer, a fim de melhorar as condições de vida para nós e para as nossas famílias.

O fato das mulheres serem as possíveis inventoras da agricultura, cerâmica e tecelagem tem implicações importantes para o entendimento da religião neolítica. As mulheres teriam codificado as técnicas que descobriram na música, na história e na dança, a fim de transmitir os seus conhecimentos às  gerações seguintes. (“É assim que plantamos as sementes, plantamos as sementes…”). Em outras palavras, as mulheres não foram apenas as inventoras da agricultura, da cerâmica e da tecelagem, mas também as criadoras dos ritos religiosos relacionados com as suas invenções - como rituais de plantio e  de colheita - isso teria sido central nas culturas neolíticas. Se as mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a tecelagem, é difícil acreditar (como geralmente se supõe) que padres ou xamãs do sexo masculino foram os principais criadores da religião neolítica. Embora eu acreditasse que as mulheres  foram as criadoras da religião neolítica quando escrevi Rebirth, estou ainda mais certa disso agora. Nos anos 30, Marija Gimbutas gravou mais de 5000 canções folclóricas no interior da Lituânia, muitas delas cantadas apenas por mulheres, e a maioria delas relacionadas com plantio e colheita, nascimento e casamento. Pesquisas em sociedades matriarcais vivas, como Minangkabau e Mosuo, mostram que as mulheres orquestram e transmitem rituais importantes relacionados com o plantio, nascimento e maioridade. Muitos desses rituais envolvem alimentos e roupas especiais, um reflexo e uma celebração do trabalho e da inteligência das mulheres.

Excerto do novo prefácio para leitoras/es coreanas/os da próxima tradução coreana de Rebirth of the Goddess.


Carol P. Christ é uma escritora, activista e educadora feminista e ecofeminista internacionalmente conhecida em vias de se mudar para mudar para Heraklion, em Creta. Os livros recentes de Carol são: Goddess and God in the World: Conversations in Embodied Theology e A Serpentine Path: Mysteries of the Goddess.


 Imagens: Creta

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