As mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a
tecelagem e criaram a religião neolítica
CAROL P. CHRIST em 11 de maio de 2020
Quando olho para os dois capítulos da história da deusa no
meu livro Rebirth of the Goddess (1996), há muito pouco que eu mudaria, mas há
novas evidências que acrescentaria. Antes de abordar a questão, gostaria de destacar
dois pontos importantes que introduzi ao discutir a história da deusa, que
muitas vezes são ignorados por outras pessoas na sua investigação. O primeiro é
que as mulheres foram as prováveis inventoras de três novas tecnologias no
início da era neolítica: a agricultura (porque eram colectoras de plantas e
preparadoras de alimentos vegetais), a cerâmica (principalmente usada para
armazenamento e preparação de alimentos) e a tecelagem (papel das mulheres em
quase todas as sociedades tradicionais). A segunda é que a chamada "era da
Deusa" não é um estágio da cultura mais "primitivo" ou
"inconsciente" que precisava de ser substituído ou derrubado por
culturas guerreiras patriarcais mais "evoluídas" ou mais
"racionais".
Teóricos da cultura, como o psicólogo arquetípico Carl Jung,
afirmam que "o feminino" representa os modos inconscientes e
não-racionais de conhecer, como a intuição. Disto se segue para ele que a época
da Deusa era a época do inconsciente. Isso soa bem a algumas mulheres e até a
algumas feministas que experimentaram aspectos das tradições filosóficas,
teológicas e científicas racionais como dogmáticas, autoritárias e erradas!
Erradas sobre as mulheres e erradas quando excluem outras formas de
conhecimento "racionais" que não sejam as estritamente definidas. No
entanto, existem razões importantes para rejeitar a teoria de Jung.
A teoria de que culturas mais “femininas” ou pré-patriarcais
anteriores são inconscientes ou pré-racionais foi usada por Jung e seus
seguidores para justificar a destruição de culturas anteriores por grupos
guerreiros patriarcais, a fim de permitir que a humanidade desenvolvesse os
chamados modos racionais de pensar identificados como "masculinos". O
fato dos homens considerados racionais dessas culturas serem guerreiros, subordinarem
as mulheres, tomarem terras alheias e escravizarem outros seres humanos
raramente é considerado como sendo algo contrário à sua suposta superioridade.
Além disso, a teoria de que as culturas da Deusa pré-patriarcais do Neolítico podem
ser categorizadas como inconscientes de forma alguma explica as invenções
tecnológicas que definem a era neolítica. As mulheres não acordaram uma manhã
com a intuição de que, se plantassem sementes e as regassem, as colheitas
cresceriam. A invenção da agricultura envolveu um longo processo de observação
e teste. As mulheres também não inventaram recipientes quando inconscientemente
observaram serpentes enroladas ou inventaram cozer a cerâmica no fogo quando
acidentalmente uma panela caiu numa fogueira. Essas coisas podem ter
acontecido, mas elas só teriam levado à invenção da cerâmica se alguém
"pensasse" no que havia ocorrido e tivesse tomado uma decisão
consciente de testar as ideias e depois repetir o processo até ao seu
aperfeiçoamento. O mesmo se aplica à ideia ainda mais contra-intuitiva de que a
lã ou o linho podem ser fiados, isto é, transformados em fios e que destes se pode
produzir tecidos. A invenção da agricultura, cerâmica e tecelagem surgiu
através de longos processos de observação da natureza (observação científica) e
tentativa e erro (experimentação científica). Provavelmente, a intuição estava
envolvida (como os cientistas modernos estão cada vez mais admitindo nas suas
próprias descobertas), mas foi complementada pelo que devemos chamar de
pensamento racional e métodos científicos. As mulheres nunca estiveram "atoladas" no inconsciente ou "limitadas" a maneiras
não-racionais de conhecer. Sempre usámos maneiras racionais e não racionais de
conhecer, a fim de melhorar as condições de vida para nós e para as nossas
famílias.
O fato das mulheres serem as possíveis inventoras da
agricultura, cerâmica e tecelagem tem implicações importantes para o
entendimento da religião neolítica. As mulheres teriam codificado as técnicas
que descobriram na música, na história e na dança, a fim de transmitir os seus
conhecimentos às gerações seguintes. (“É
assim que plantamos as sementes, plantamos as sementes…”). Em outras palavras,
as mulheres não foram apenas as inventoras da agricultura, da cerâmica e da
tecelagem, mas também as criadoras dos ritos religiosos relacionados com as
suas invenções - como rituais de plantio e de colheita - isso teria sido
central nas culturas neolíticas. Se as mulheres inventaram a agricultura, a
cerâmica e a tecelagem, é difícil acreditar (como geralmente se supõe) que
padres ou xamãs do sexo masculino foram os principais criadores da religião
neolítica. Embora eu acreditasse que as mulheres foram as criadoras da religião
neolítica quando escrevi Rebirth, estou ainda mais certa disso agora. Nos anos
30, Marija Gimbutas gravou mais de 5000 canções folclóricas no interior da
Lituânia, muitas delas cantadas apenas por mulheres, e a maioria delas
relacionadas com plantio e colheita, nascimento e casamento. Pesquisas em
sociedades matriarcais vivas, como Minangkabau e Mosuo, mostram que as mulheres
orquestram e transmitem rituais importantes relacionados com o plantio,
nascimento e maioridade. Muitos desses rituais envolvem alimentos e roupas
especiais, um reflexo e uma celebração do trabalho e da inteligência das
mulheres.
Excerto do novo prefácio para leitoras/es coreanas/os da próxima
tradução coreana de Rebirth of the Goddess.
Carol P. Christ é uma escritora, activista e educadora
feminista e ecofeminista internacionalmente conhecida em vias de se mudar para mudar para Heraklion, em Creta. Os livros recentes de Carol são: Goddess and God in the World: Conversations in Embodied Theology e A Serpentine Path: Mysteries of the Goddess.
Imagens: Creta
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