É um prazer estar aqui convosco esta tarde a apresentarmos “A Deusa Celta de Portugal - A Anciã do Inverno e a Rainha do Verão”.
Vou começar por enquadrar um pouco como conheci a Luiza, minha Orientadora, minha Formadora e Amiga, e o seu trabalho.
Eu fui aluna de um dos cursos da Luiza, o “Magna Mater”, que posso dizer que, pessoalmente, foi um marco muito importante na minha vida. E só após o curso concluído é que nos conhecemos pessoalmente, após muitas trocas de impressões por e-mail, webinars, etc.
Houve circunstâncias que só possibilitaram conhecermo-nos quando eu decidi ser novamente sua aluna, desta vez na frequência da Formação de Sacerdotisas da Deusa do Jardim das Hespérides, juntamente com outras Irmãs que estão hoje aqui presentes também.
Eu tenho uma relação com este livro muito especial, não só porque se centra em duas faces da Deusa que pessoalmente gosto de conhecer e de honrar, que são Cailaca-Beira e a Deusa Iria-Brígida, mas também porque durante o ano em que frequentei o curso “Magna Mater” houve a coincidência de a Luiza estar a preparar este livro. Eu não o sabia, e tive a surpresa e o privilégio de a Luiza me enviar a versão do seu livro ainda não publicada, para eu o ler e escrever o prefácio. E aqui estamos nós esta tarde para apresentar a “Deusa Celta de Portugal”.
Antes de mais nada, creio que é importante realçar o valor e a importância da obra da Luiza, e a Luiza como autora na atualidade. Porque ela escreve-nos sobre a complexa temática da Deusa e do Seu culto, espiritualidade e a cultura associadas a Ela, em particular em Portugal.
Há uma frase da Patricia Monaghan que diz: “Nós nunca perdemos a Deusa.
O que aconteceu foi que algumas e alguns de nós nos esquecemos da forma de encontrá-La”.
E o trabalho da Luiza tem sido precioso e percursor ao permitir-nos esse reencontrar e recuperar da Deusa, tanto numa dimensão espiritual e devocional, como com através de um estudo e investigação rigorosa, aprofundada e centrada no nosso território, que é algo que faz muita falta nesta área no nosso país. Porque se trata de um “filão” riquíssimo onde está ainda muito por explorar em Portugal, e a que autoras e autores como a Luiza, se têm dedicado, mas onde há ainda muito que descobrir, até porque todo o Movimento da Deusa é relativamente recente no nosso país.
Então é esse o enorme contributo que devemos à Luiza. Esta recuperação do conhecimento da Deusa. Nós temos a sorte de ela ter vindo quase literalmente a “desbravar caminho”, nos últimos anos, numa leitura da realidade à luz da Divindade Feminina. E este novo livro é prova disso, a Luiza mostra-nos e explica-nos factos e propostas teóricas sem os “filtros” das interpretações a que nos habituaram, durante séculos de perspetivas patriarcais e no contexto de uma cultura judaico-cristã, e de séculos de reinterpretações e distorções da Igreja dominante acerca dos cultos pagãos e da Deusa.
Então “A Deusa Celta de Portugal” é também um reflexo disso, das indagações e pesquisas sobre:
- “quem é a Deusa?” (nas várias culturas do mundo, e na nossa em especial), os Seus ritos, cultos, práticas e a Sua cultura matrifocal, muito centrada na Mulher, mas também muito igualitária entre os dois géneros;
- ajudar-nos a perceber onde é que estão as nossas Deusas em Portugal, e a sobrevivência da Deusa até aos nossos dias, onde estão os Seus vestígios materiais e imateriais (nas nossas lendas, nos nossos costumes, na toponímia – a Luiza faz uma investigação muito rigorosa dos nomes dos lugares e dos monumentos, por ex., a presença da Deusa na paisagem e nos elementos da Natureza, em antigos lugares de culto e templos sagrados, etc.);
- porque Ela, de facto, está imensamente presente no nosso dia a dia, em muito do que nos rodeia, em muitas ocasiões festivas, celebrações cíclicas, em datas, em lugares, que depois foram cristianizados e que muitas pessoas não imaginam que tiveram a sua origem num culto pagão.
Aliás, a Luiza diz-nos que quem quer saber mais sobre a Deusa pode começar pelo que até hoje ainda tem uma conotação algo “negativa”, resultante daquelas distorções de que se falou há pouco. Existe, por exemplo, o caso do Lobo, um animal totémico, sagrado no culto da Deusa, muito associado ao Imbolc e à Deusa Brígida (que é exatamente esta altura do ano), e como ele foi sendo representado sucessivamente como o “lobo mau” nos contos infantis. Ou a própria Serpente, demonizada desde tempos bíblicos, que foi um grande símbolo da Deusa, um símbolo de transformação e de renovação.
- e o trabalho Luiza conduz-nos também a algo que nos interessa muito, a nós Mulheres (e Homens, também) do século XXI: ao importantíssimo impacto da Deusa no estatuto das Mulheres de hoje, e até hoje. Porque nas antigas sociedades que cultuavam a Deusa, matrifocais, centradas na Mulher e na Grande Mãe, que eram bem organizadas, prósperas e pacíficas, há cerca de 10 000, 20 000 anos atrás e mais ainda, as mulheres gozavam de direitos, privilégios e prestígio, muito mais do que muitas de nós hoje em dia, aqui e em vários pontos do globo. Porque nessas comunidades vigoravam valores de igualdade, de princípios de dádiva, entreajuda, nutrição, etc.
Em franco contraste com as sociedades atuais, altamente tecnológicas, mas onde ainda se morre de fome. E onde sabemos que atualmente ainda persistem regimes autocráticos e ditatoriais, sociedades militarizadas, e sem falar nesses casos extremos, persistem ainda inúmeras desigualdades, nomeadamente, entre homens e mulheres: desigualdades económicas, salariais, de representação política, de status e prestígio social, que as mulheres foram perdendo cada vez mais, à medida que outras religiões, outros deuses, masculinos, e outros valores se impunham (e se consolidaram), há cerca de 5 ou 7 mil anos atrás.
Mas, numa perspetiva otimista, o paradigma está novamente a mudar.
“Anciã do Inverno e Rainha do Verão” Passo a citar uma frase do livro muito bonita e muito elucidativa: “Sabemos que a Deusa é una e múltipla, pessoal e impessoal, constante e mutável, local e universal. Sabemos que outro nome para Deusa é Natureza, que Ela é a Terra e o Céu e tudo o que é (…).” Na própria capa do livro isto já está revelado: sim, a Deusa é una, mas Ela também tem uma dupla face. Aliás, Ela tem múltiplas faces, mas estas duas são, efetivamente, as mais evidentes, mais dicotómicas. E também o que elas simbolizam: a luz e a sombra, o novo e o velho, o nascimento e a morte/transformação/renascimento, etc. Tanto no mundo lá fora, nos ciclos da Terra e da natureza, como nos próprios ciclos femininos, e tal como em cada uma e em cada um de nós ao longo da vida, quando atravessamos essas dualidades. Vamos ter inúmeras descobertas com esta leitura: - a ideia de que não será possível dissociarmos um grande local português de peregrinação atual, na Cova da Iria, de uma Deusa que se chama precisamente Iria ou Iria-Brígida, como a Luiza nos propõe; - a proposta de que a cultura celta tem o seu berço na Península Ibérica, e de que os povos ibéricos influenciaram mais os povos do Norte da Europa do que imaginamos; - que o próprio nome de Portugal tem origem no nome de uma das duas Deusas; - a cristianização de Deusas, convertidas em santas; - e, em particular, um estudo exaustivo e pormenorizado da ligação da nossa popular Santa Iria de Portugal com a Deusa que deu o nome à Irlanda, e as suas ligações a várias cidades e localidades portuguesas; - e, obviamente, os atributos, os dons e os símbolos, tanto de Brígida, a Donzela do Verão, como de Calaica, a Velha senhora dos meses de Inverno. Nós vamos deparar-nos com aquilo que nos parecem muitas “coincidências”, mas que não o são. São demasiadas para o serem. Aliás, uma das frases que mais repeti para mim mesma ao longo da leitura deste livro foi: “Como é que eu nunca me lembrei disto?” Creio que também vai acontecer o mesmo às/aos leitores/as. E deve-se precisamente ao olhar treinado, acurado, da Luiza, de quem vê a realidade à sua volta sem os tais “filtros” patriarcais, mas que a vê a sob a perspetiva da tradição da Deusa. E, falando em tradição, “A Deusa Celta de Portugal” tem outro aspeto muito interessante que é a sua dimensão prática: ou seja, temos a leitura da teoria, mas também temos a oportunidade de aprender ou recuperar, e pôr em prática, rituais antigos de cura, por exemplo, que antigamente se praticavam aqui mesmo, em Portugal. Pessoalmente, recordo-me de um deles, a que a minha bisavó materna recorria, e que nós temos oportunidade de resgatar, hoje, em pleno 2022. É a recuperação da sabedoria ancestral. Que é algo que sabemos que a sociedade atual tem valorizado muito pouco, e isso é algo que tem que mudar. Concluindo: eu acredito, e numa perspetiva pessoal e mais abrangente, que trabalhos como o da Luiza, e este em particular, estão definitivamente a contribuir para o reerguer dos valores da Deusa, e que predominavam nas antigas culturas da Deusa. E que estão em consonância com preocupações muito atuais e até urgentes como: uma maior conexão e respeito pela Terra, modos de vida mais ecológicos, a sustentabilidade do planeta, e a meu ver, uma nova mudança de paradigma. Ou seja, uma mudança para novos valores, ditos “mais femininos”, digamos assim, com menos competição desenfreada, menos conflitos armados, por ex. Mas com um cada vez maior empoderamento feminino, um mundo de “Feminino Ativo”. Isto é, não uma sociedade “cinzenta” e utilitarista, mas sim mais equilibrada, porque cada vez mais criativa, artística, mais ligada ao nosso Chakra Raiz, a tudo o que é gestativo, gerador de vida (tanto em termos literais como simbólicos), com maior ligação à intuição e às emoções em vez da super-utilização do nosso lado mental. Porque esse é o recuperar da Essência Feminina: as artes manuais, tudo o que é lúdico, a expressão do corpo através da dança, etc. Pessoalmente, só me dei conta de que era uma pessoa muito racional, e que o meu lado criativo estava subdesenvolvido, quando entrei em contacto com a espiritualidade da Deusa, que me deu a oportunidade de criar, de imaginar, de cultivar o belo, a minha individualidade, aquilo que é único em nós, em vez de alinhar numa cultura massiva, padronizada, etc. Está, portanto, a Luiza de parabéns por mais um trabalho ímpar, e por nos permitir ter acesso a ele, e principalmente a transmiti-lo também às próximas gerações. Porque é assim que vamos construindo uma sociedade com mais valores de paz, de igualdade e de cooperação a todos os níveis – que são os valores da Deusa.
Andreia Mendes
Sintra, 23 de Janeiro de 2022