Muitas pessoas em Portugal me perguntam sobre Santa Bárbara, festejada a 4 de Dezembro. Será que nas minhas pesquisas já me deparei com esta entidade divina? Toda a vida ouviram falar dela, sobretudo pelas trovoadas, e dá para perceber que ela também se inclui no grupo das antigas Deusas pagãs destronadas e reduzidas à condição de santas... É óbvio que sempre tive curiosidade sobre ela, sempre soube que dominar o tempo atmosférico é uma prerrogativa divina, que a Torre tem tudo a ver com a Deusa, que ela é atributo de algumas, como Brígida/Brigântia, Cibele e até Artemis, enquanto Deusas da Cultura, da Civilização, protectoras da Cidade, mas não tinha informação suficiente para avançar com nenhuma teoria em concreto. Até que, neste blogue que muito aprecio, a autora, pesquisadora e especialista em alimentos da Deusa, apresentou o resultado da sua fascinante pesquisa sobre Santa Bárbara e aqui está:
"Feliz dia de Santa Bárbara! Nunca deixa de surpreender que, se arranharmos a superfície de qualquer prato festivo, encontramos a história duma deusa com milhares de anos. Vejamos o caso deste pão de limão alemão que a minha avó fazia desde que me lembro. A sua cobertura intensamente cítrica penetra no bolo e deixa uma crocância deliciosa no topo. Alguns anos atrás, herdei a sua longa forma de pão de limão e decidi pesquisar sobre as origens da receita. Fiquei encantada ao descobrir que era tradicionalmente servido no dia da festa de Santa Bárbara para marcar o início da temporada de Natal. Quem sabia?
Nunca tinha ouvido falar de Santa Bárbara e fiquei
surpreendida ao descobrir que o seu dia é comemorado a 4 de dezembro (ou 17 de
dezembro) em países distantes como a Alemanha, Áustria, França, Itália,
Bulgária, Grécia, Turquia, Líbano, Síria, Palestina, Brasil, Chile, Venezuela e
México – e com bastante variedade de pratos. (Em Portugal, o dia de Santa
Bárbara também é 4 de Dezembro, de acordo com o Borda d’Água)*
Então, quem era essa Santa Bárbara associada às festas do Inverno? Bem, isso acaba por ser uma história e tanto. Pesquisar o seu nome no
Google revela centenas de pinturas, ícones, obras de arte e esculturas realizadas
ao longo dos séculos. A maioria descreve-a como uma jovem vestida de vermelho
com longas tranças esvoaçantes, segurando ou parada perto de uma torre alta.
Era um costume comum da Igreja absorver os símbolos das
deusas pagãs na iconografia de santos e santas, por isso acho fascinante que
Santa Bárbara seja frequentemente mostrada usando uma coroa imponente
semelhante a Atargatis, a Baalat ("Senhora") da Síria . Ela era uma
deusa da criação e fertilidade, responsável pela proteção e bem-estar das
pessoas. Acredita-se que a sua coroa em forma de torre simbolize o seu governo
e proteção sobre as muralhas da cidade sagrada de Heliópolis - onde Atargatis
tinha o seu templo principal.
Heliópolis também era o local dum templo romano dedicado à deusa
da fertilidade Vénus, chamada Vénus Heliopolitana, que se acredita ser uma
versão de Atargatis. Pouco depois da morte de Bárbara, o imperador Constantino,
o Grande, demoliu o Templo de Vénus convertendo-o numa igreja cristã –
posteriormente dedicada a Santa Bárbara.
A pesquisadora e autora Margaret Starbird oferece outra
teoria sobre a identidade de Santa Bárbara. Ela escreve: “Há outra “Senhora da
Torre” há muito negligenciada, cujos ícones incluem belas tranças longas,
vestes vermelhas e um cálice ou “vaso sagrado”. Essa Senhora é Maria Madalena,
cujo título é derivado de “Magdal”, uma palavra de raiz aramaica/hebraica que
significa “torre” ou “fortaleza” e uma variedade de imagens medievais retratam-na
ao “estilo Bárbara” com uma torre. Starbird acredita que durante esse tempo
Maria Madalena foi um símbolo importante para os cristãos heréticos (que
acreditavam que ela trouxe o Santo Graal para a França após a crucificação).
Assim, as muitas imagens da dama da torre vestida de vermelho começaram a ser
atribuídas a Santa Bárbara.
Apesar da teoria de Starbird, várias pinturas medievais
realmente mostram Santa Bárbara e Maria Madalena juntas ou em tríptico com
outros santos, levando algumas e alguns estudiosos a especular que Santa
Bárbara (Maria Madalena?) Era um membro da trindade da Deusa, da Deusa Tripla. Um velho ditado diz:
Barbara mit dem Turm (Bárbara com a torre) Margarethe mit
dem Wurm (Margarida com o dragão) * Katherina mit dem Radl (Catarina com a roda)
Das sind die heiligen drei Madl. (Essas são as três “donzelas” sagradas.
*O “Wurm” é uma antiga expressão para o dragão ou serpente,
também sagrada para antigas deusas.
Se Santa Bárbara era Maria Madalena, nunca saberemos, mas
acho provável que ela (Maria Madalena) tenha substituído as divindades pagãs
adoradas na época. Uma razão óbvia é que Santa Bárbara foi removida do
Calendário Litúrgico Católico Romano em 1969 – devido à falta de evidências
históricas da sua existência. Outra pista importante é encontrada na história
de muitos alimentos oferecidos no dia da sua festa.
Hoje, no Líbano, Síria, Jordânia e Palestina, o Dia de Santa
Bárbara (em árabe Eid il-Burbara) é comemorado com um prato de cevada cozida ou
trigo moído, tâmaras, sementes de romã, nozes e amêndoas. No norte da Grécia, 4
de dezembro é o dia da festa de Agia Barbara, onde um doce chamado Varvara, um
pudim de trigo cozido, frutas vermelhas, nozes e creme, é servido para
comemorar o dia. No sul da Áustria, os católicos fazem Kletzenbrot ou Sweet
Barbara Bread, uma espécie de bolo de frutas feito com avelãs e rum ou
conhaque.
Na Geórgia, o seu dia de festa, Barbaroba, é a 17 de
dezembro e diz-se que teve origem na festa pagã do sol e da deusa da
fertilidade, Barbale ou Barbol. Panquecas rituais redondas com uma camada âmbar
de recheio amanteigado dourado foram oferecidas à deusa que devolveu luz e vida
à terra. Quando o país se converteu ao cristianismo, os cultos de Santa Bárbara
e Barbale misturaram-se e foram feitos bolos dourados redondos (agora recheados
com feijão) chamados Lobiani. Hoje eles ainda são decorados com o símbolo do
sol.
No Brasil, Chile, Colômbia, Honduras, México e Venezuela ela
é conhecida como Sante Barbe ou Santa Bárbara Africana. Nascida do sincretismo
entre várias religiões tradicionais da África Ocidental e Central e o
catolicismo romano, ela é frequentemente retratada como Nossa Senhora de
Czestochowa, uma Madona Negra. Curiosamente, as suas representações incluem uma
cicatriz na bochecha semelhante à de Maria Madalena, que geralmente aparece com
uma cicatriz semelhante. Rosas vermelhas e flores, vinho e maçãs vermelhas são-lhe
oferecidas.
É uma coincidência que cevada, trigo, romãs, tâmaras, maçãs,
amêndoas e avelãs, juntamente com pão de frutas, papas e panquecas já foram
tradicionalmente alimentos do “dia santo” oferecidos às deusas no mundo antigo?
Não de acordo com Susan Starr Sered, cujo livro Priestess, Mother, Sacred
Sister, Religions Dominated by Women (Sacerdotisa, Mãe, Irmã Sagrada, Religiões Dominadas por Mulheres) explora os muitos
pratos festivos e alimentos sacramentais que servem como marcas das religiões
femininas espalhadas pelo mundo e através dos séculos.
O que parece evidente, no entanto, é que provavelmente ele é o descendente dos muitos pratos sagrados, preparados e servidos pelas mulheres
durante esta época do ano. Acho fascinante que Sered argumente que em sistemas
rituais sagrados, onde as mulheres são líderes e participantes, “a ênfase na
comida e na preparação da comida é um dos temas mais claros e comuns” juntamente
com “grandes quantidades de comida elaboradamente preparada” consumida em
banquetes comunitários, onde se bebe e se dança.
Com esse espírito, convido-vos a inaugurarem a próxima
temporada de festas com o Bolo de Santa Bárbara. Quer a invoque como St.
Berbara, Agia Barbara, Santa África Barbara ou Barbale, que o seu banquete de
inverno comece! Adaptei a versão tradicional do bolo de Santa Bárbara
juntando-lhe um pouco da magia da comida do velho mundo. Um punhado de pétalas
de calêndula com as suas cores amarelas brilhantes do sol para Barbal, e em
homenagem a Vénus e Santa Bárbara Africana, um toque de água de rosas e rosas
fundentes para o amor e a fertilidade.
Que a sua época festiva seja alegre e brilhante!
Bolo de Santa Bárbara
Esta receita é do Gather Victoria's Winter Magic Holiday
ECookbook no Gather Victoria Patreon e foi adaptada de Cooking With the Saints por
Ernst Scheugraf.
Ingredientes
• 1 limão
• ¾ chávena de manteiga amolecida
• 1 chávena de açúcar
• 4 ovos
• 2-3 colheres de sopa de pétalas de calêndula frescas ou
secas
• 1 chávena de farinha
• 1 ¼ chávena de amido de milho
• ¾ colher de chá de fermento em pó
Raspa de Limão e Água de Rosas
• Sumo de limão do seu limão espremido
• 1 chávena de açúcar em pó
• 1-2 colheres de sopa de água de rosas
instruções
• Rale a casca do limão e reserve. Esprema o sumo para um
copo pequeno e reserve.
• Numa tigela, bata a manteiga com o açúcar. Bata os ovos.
Misture a casca de limão ralada e as pétalas de calêndula. (lembre-se de
reidratar as pétalas secas em água).
• Em outra tigela, misture a farinha, o amido de milho e o
fermento. Aos poucos, adicione à mistura de manteiga para fazer uma massa dura.
Espalhe numa forma de pão untada. Coza em forno pré-aquecido a 350 graus F por
45-55 minutos, fazendo o teste do palito para ver se já está cozido o
suficiente. Tente não cozer demais, o bolo ficará seco. Retire do forno e deixe
arrefecer.
Raspa de Limão e Água de Rosas
• Misture o açúcar de confeiteiro com o sumo de limão.
Adicione a água de rosas e misture em um glacê liso.
• Coloque o bolo sobre uma grelha sobre uma forma para
recolher as gotas de glacê. Faça alguns furos no topo do bolo.
• Despeje a cobertura sobre o bolo e deixe escorrer pelas
laterais. Quando a cobertura endurecer, o bolo está pronto para cortar e
servir.
• Embora seja tradicional servir com apenas uma camada de
glacê – eu gosto de uma cobertura mais grossa, como glacê, sobre a primeira. Se
você quiser uma cobertura mais espessa, precisará fazer um segundo lote de
cobertura usando metade do suco de limão e água de rosas, ou seja, suco de meio
limão e 1 colher de sopa de água de rosas, mas a mesma quantidade de açúcar de
confeiteiro. Espalhe sobre o bolo assim que o glacê original secar.
Nota final: há muito mais lendas, muito mais iconografia
religiosa, erudição e receitas por trás das muitas faces de Santa Bárbara do
que tive tempo de incluir aqui. Pode-se escrever um livro de receitas inteiro…"
Traduzido e adaptado por Luiza Frazão.
*Nota da tradutora
Imagens do blogue GatherVictoria