Conteúdos

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O REGRESSO DAS SACERDOTISAS DA DEUSA DO JARDIM DAS HESPÉRIDES

É muito auspicioso ver que as Sacerdotisas da Grande Deusa ancestral por todo o lado estão a despertar, a regressar, reclamando uma função que foi delas/nossa, por milénios e depois lhes/nos foi usurpada pelo recurso a grande violência e no meio de grande sofrimento. Porém, o tempo é chegado de curarmos essas feridas, as dores e os traumas deixados na nossa alma por esses eventos do passado, cuja memória na verdade está contida nas nossas células, e de, em sororidade e fraternidade, reconstruirmos uma vez mais o Templo da Grande Deusa, sendo o Seu veículo para que sobre o mundo se derramem de novo as Suas bênçãos de Amor, de Abundância, de Paz, de Alegria, de Inclusividade e de Cura. 

O MEU DESPERTAR PARA A DEUSA

Comecei o meu caminho espiritual no final dos anos 90, quando fui estudar Astrologia para o Quíron, com a Astróloga Maria Flávia de Monsaraz. Essa foi a primeira etapa duma longa caminhada, antes de mais de autodescoberta, que acabou por me conduzir até à Deusa. Depois de várias formações no âmbito do Desenvolvimento Pessoas, foi o encontro com a obra de Jean Shinoda Bolen, nomeadamente, Travessia para Avalon, aí por volta de 1997, que me trouxe a conexão com a Deusa e com Glastonbury/Avalon, onde fui pela primeira vez em 2009. De Jean Shinoda Bolen li também As Deusas em cada Mulher, enquanto fazia um curso sobre Arquétipos do Feminino. Criei depois eu mesma outros, inspirada na mesma obra, mas agora olhando já em outras direcções como foi o caso do trabalho da brasileira Mirella Faur, entre outras. E aí, a magia e o poder da Deusa começaram a revelar-se…

Posso dizer que no Templo da Deusa de Glastonbury, em 2009, a Deusa mudou o meu destino para sempre e quatro anos depois fazia a minha dedicação como Sacerdotisa de Avalon nesse mesmo lugar ,onde vivi por dois anos e onde regresso regularmente, conduzindo até grupos de peregrinas e de peregrinos, como foi recentemente o caso.

ABRINDO O PORTAL DO JARDIM DAS HESPÉRIDES

Logo no início da minha formação senti grande entusiasmo pela pesquisa das tradições da Deusa no território nacional, e o resultado desse trabalho deu um livro: A Deusa do Jardim das Hespérides, edição da Zéfiro. Nas minhas buscas e demandas descobri que, tal como Avalon, também nós temos uma dimensão sagrada, ocultada pelas brumas, designada no mundo antigo por Jardim das Hespérides. Hespéride, da Hespéria, termo com origem na palavra grega que significa Ocidente. Aí se contava maravilhas de um Jardim situado no extremo ocidente da Europa onde havia as famosas maçãs de ouro da imortalidade. E a verdade é que havia mesmo muito ouro e outras riquezas, sendo a paz e a harmonia possivelmente a maior de todas elas. A Idade de Ouro matrifocal, aqui nesta zona periférica da Europa, perdurou até mais tarde, dando origem ao mito que chegou até nós pela pena de alguns autores clássicos.

Esse Jardim pertencia à Deusa Hera, proprietária das maçãs de ouro, que as Nove Irmãs do Poente, homólogas das Nove Musas gregas e de outros grupos de nove mulheres míticas presentes na memória de várias culturas do mundo, guardavam. Eram, entre outras coisas, sacerdotisas da Deusa, da Senhora da Terra, ainda o sacerdócio  no feminino não havia sido interditado. Um dos dez mil milhões de nomes dessa mesma Deusa era o de Hera, ou Héspera, a estrela da tarde, que também tem o nome de Vénus, ou Hespéria/Ibéria. Outro desses nomes e faces é Cale, Calaica, Cailícia, Beira, ou Iria, ou Brígida, Brigântia, Trebaruna, Atégina ou Nábia… e muitos mais. A Deusa, conforme podemos descobrir ao investigar os vestígios deixados no território, foi aqui reconhecida por várias denominações que exprimiam as características do Seu território, do Seu povo, da Sua face, mais jovem ou mais anciã, mais invernosa ou estival.

RESGATAR UMA HERANÇA INSPIRADORA PARA O NOSSO FUTURO

O Jardim das Hespérides é pois a nossa Avalon, a nossa dimensão da Deusa, que nos fala duma Idade de Ouro, duma era de paz, inclusividade, sustentabilidade, harmonia e equilíbrio entre o Feminino e o Masculino, próprio das sociedades onde as mulheres detiveram e detêm real poder, da chamada gilania de que nos fala Riane Eisler na sua obra-prima de leitura indispensável O Cálice e a Espada. Termos esta herança cultural é algo de tão precioso e inspirador que não hesitei em dedicar-lhe a Roda do Ano que entretanto criei, inspirada pela minha pesquisa na tradição do território e pelo meu treino de Sacerdotisa de Avalon feito no Templo da Deusa de Glastonbury, com Kathy Jones e Erin McCaulif.

Baseado nessa mesma Roda, com as suas Deusas, Hespérides, Mouras, Árvores sagradas, animais totémicos, símbolos, mitos, lugares sagrados, tradições, vivências e cerimónias, criei um treino de Sacerdotisa e de Sacerdote da Deusa do Jardim das Hespérides que já vai na terceira edição. Já temos até uma Irmã das Hespérides (título que se consegue após a dedicação que acontece como conclusão da Primeira Espiral/ano de estudos) no Brasil, mais propriamente em Florianópolis, onde no próximo Festival da Deusa, que aí terá lugar a 6 e 7 de Dezembro, ela irá apresentar esta nossa Roda do Ano da Deusa do Jardim das Hespérides, reclamando também esta herança céltica como parte do legado português levado pela colonização para esse vasto território do Hemisfério Sul.

SER UMA SACERDOTISA DA DEUSA

Na verdade, este treino permitir-te-á dinamizares oficinas e vivências, dar palestras e criar cerimónias inspiradas na tradição da Deusa, ancoradas na energia do nosso território. Após os dois anos de formação, a tua função de Sacerdotisa e de Cerimonialista da Deusa possibilita-te dinamizar workshops e cerimónias para as mais diversas finalidades e ocasiões, criar ou participar em inúmeros eventos inspirados na Deusa, permitindo-te expandir a tua criatividade e talentos até… ao infinito!

RECONSTRUINDO O SEU TEMPLO

É maravilhoso ver como as Sacerdotisas da Grande Deusa ancestral por todo o lado estão a despertar, a regressar, reclamando uma função que foi nossa, por milénios e depois nos foi usurpada pelo recurso a grande violência e no meio de grande sofrimento. Porém, o tempo é chegado de curarmos essas feridas, dores e traumas deixados na nossa alma por esses eventos do passado, cuja memória na verdade está contida nas nossas células, e de, em sororidade e fraternidade, reconstruirmos uma vez mais o Templo da Grande Deusa, sendo o Seu veículo para que sobre o mundo se derramem de novo as Suas bênçãos de Amor, de Abundância, de Paz, de Alegria, de Inclusividade e de Cura. 

Lembrando que a Primeira Espiral recomeça no próximo dia 2 e 3 de Novembro.
Se sentes o apelo contacta-nos através do email: jardimdashespéridestemplo@gmail.com.



Abençoada seja!

domingo, 15 de setembro de 2019

A INSPIRAÇÃO DE CRETA PARA UM JARDIM DAS HESPÉRIDES


Este texto já foi escrito há alguns anos, numa altura em que apenas sonhava com Creta, não sabendo bem como e quando conseguiria concretizar o meu sonho... Ele entretanto concretizou-se em junho de 2015 e estas são as fotos tiradas na altura. Na última, estou deitada sobre a areia da praia de Malia e quando olho sobre a minha esquerda lá está a Deusa recostada na paisagem... pura epifania...

Foi este livro, O Cálice e a Espada, e a sua autora, Riana Eisler, que me ajudaram a perceber por que é que no Movimento da Deusa toda a gente, ou já foi a Creta e a Çatal Hüyük, ou se prepara para ir, ou quer repetir a experiência.
Estas sociedades aparecem como o grande momento de glória das sociedades ginocêntricas - muito mais correcto, na perspectiva da autora, do que dizer “matriarcais”. Na verdade não havia domínio das mulheres sobre os homens, mas sim parceria, cooperação, entre os dois géneros, embora os valores que regiam a sociedade tivessem a ver com o feminino e as mulheres detivessem grande autonomia, liberdade e poder.
A sociedade cretense é na realidade o tal Eldorado, porque aí se encontraram vestígios dum modelo de organização social que funcionou muito bem, e tudo leva a crer que isso se deveu ao exercício do poder no feminino.
Aqui a religião estava altamente ligada à arte a à recreação e ocupava uma parte muito considerável da vida. A alegria de viver é reconhecível em cada objecto de arte, o desenvolvimento económico é grande, a distribuição da riqueza é muito equitativa e o nível de conforto muito elevado.
Não se nota que haja ambição pessoal nem o culto da personalidade: nenhum-a autor-a assina as suas obras, nenhum rei regista em crónicas, ou através de estátuas imponentes, os seus feitos heróicos. Daí pensar-se que não seriam reis, mas sim… rainhas!
Não se verifica qualquer sinal de idealização da violência masculina nem da força destruidora. Nestas sociedades o poder era interpretado como responsabilidade, como cuidado com o bem comum, que era o mais importante.
Estou fascinada com Creta! A nossa Meca! Também quero lá ir logo que possa, ainda por cima, as praias são lindíssimas…

O NOSSO JARDIM DOURADO

Será que também nós aqui poderíamos estar agora a desbravar e a mostrar ao mundo a luz vibrante e inspiradora duma sociedade ginocêntrica florescente do tipo da de Creta ou de Çatal Hüyük? A nossa querida Dalila Lello Pereira da Costa acha que sim. Para ela, nunca nós conhecemos verdadeiro progresso nem desenvolvimento como no Neolítico, em que a sociedade era… ia dizer “matriarcal”, mas não digo, era ginocêntrica.
Ginocêntrica, diz a Riane Eisler, é muito mais correcto.

UMA HISTÓRIA QUE NÃO É NOSSA

Qual séc. XVI, qual quê! Como é que nós mulheres podemos enaltecer um tempo em que os homens (não confundir, foram eles!) saíram daqui para impor a outros povos que estavam sossegadinhos no seu canto, a sua Lei da Espada, a escravatura, a conquista, a dominação?!
Essa não é a nossa história, queridas irmãs, e precisamos de nos distanciar dela se queremos chegar a algum lado. Não esquecer que primeiro, antes de agirem dessa maneira reprovável em todos os sentidos, tiveram eles de nos dominar e escravizar a nós!
Essa história que nos contam na escola é aquilo que inglês se designa por “history” (a história dele), diferente de “herstory” (a história dela).
Enquanto mulheres, precisamos de nos dissociar dessa história oficial, da qual mais legítimo seria sentirmos vergonha do que orgulho e voltarmo-nos para a nossa história, aquela de quando éramos nós a dizer como se devia fazer.
E é aqui que a Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, não tem razão quando afirma que o domínio do homem sobre a mulher sempre foi uma constante na história humana. Não foi. Graças a arqueólogas feministas, como a Marija Gimbutas, e às descobertas de sociedades do passado altamente desenvolvidas e prósperas que cultuavam a Deusa  e em que as mulheres detiveram papéis muito importante, não dominando ninguém nem sendo dominadas, sabemos que nem sempre os homens dominaram as mulheres.

 AS NOSSAS ANTEPASSADAS DO NEOLÍTICO

Então, a Dalila Pereira da Costa, que é muito discreta em relação às reivindicações feministas, diga-se, mas supereficaz na defesa dos valores femininos, dá-nos esta ideia de irmos atrás da nossa glória de mulheres, descobrindo a força e o valor das nossas antepassadas, as mulheres do Neolítico. E onde estão elas? Pois, muito perto… é lerem a Dalila (parece difícil mas ultrapassado o medo de não percebermos nada, torna-se do mais fascinante que já li nesta vida…) é lerem a Dalila, repito, com este objectivo concreto: perceber aonde andam as nossas mulheres poderosas do Neolítico, aquelas que não foram trucidadas, difamadas ou tornadas invisíveis pelos patriarcas (romanos e cristãos e outros igualmente pouco recomendáveis), as nossas Irmãs das Hespérides, que bailam felizes, livres e formosas como na gruta de Cogul, nos vasos de Creta, nos templos de Çatal Hüyük… Aqui, segundo reza a lenda, elas eram tão fortes que, ao mesmo tempo que fiavam, podiam transportar à cabeça as tais “pedras formosas”...

UMA VISÃO QUE VALE A PENA

Algumas pessoas podem dizer que tudo isto é mentira, que nunca existiu, que é pura invenção… Mas seja como for, acho que a uma invenção desta natureza vale a pena darmos toda a nossa atenção e foco!


terça-feira, 3 de setembro de 2019

A GILANIA DE JESUS



Comentário sobre a gilania de Jesus defendida pela autora Riane Eisler em O CÁLICE E A ESPADA

“Jesus pregava o amor universal, a igualdade entre todos. Ele denunciava as classes dominantes, não apenas os ricos e poderosos, mas também as autoridades religiosas. A autora fala que a partir da nova perspectiva da Teoria da Transformação Cultural é possível discernir um tema espantoso e unificador: a visão da liberação de toda a humanidade através da substituição dos valores androcráticos por valores gilânicos. Em toda a trajectória de Jesus, fica evidente a presença de mulheres como discípulas e líderes cristãs. Não parece que ele tenha feito diferenciação entre homens e mulheres, pelo contrário, para os padrões androcráticos da época em que viveu, ele defendia valores de igualdade entre todos.
Como em outras ocasiões de ressurgimento gilânico, a resistência do sistema da época de Jesus foi muito forte. E os patriarcas da Igreja nos deixaram um Novo Testamento, onde essa ideologia pregada por Jesus ficou sufocada pela superposição de dogmas contraditórios, que foram necessários para justificar a posterior estrutura e objectivos androcráticos da igreja.
Para conhecermos a verdadeira natureza do cristianismo primitivo é necessário sair das escrituras oficiais e recorrer a outros antigos documentos cristãos. Entre eles, o mais importante e revelador é o conjunto de 52 evangelhos gnósticos desenterrados em 1945. Esses ficaram enterrados por quase 1600 anos e são anteriores aos evangelhos do Novo Testamento. O que de mais importante encontrado nesses evangelhos, é o que fez com que Jesus fosse morto, ou seja, o acesso à divindade não depende de uma hierarquia religiosa encabeçada por um alto rabino, bispo ou papa. Esse contacto divino é possível directamente através do conhecimento divino.
Nesses documentos fica claro também que Maria Madalena foi uma das figuras mais importantes para o movimento cristão primitivo. Isso talvez seja o que mais incomodou a igreja ortodoxa hierárquica, o fato de Jesus colocar em posição de igualdade as mulheres.
Esses primeiros cristãos e cristãs ameaçavam o poder crescente dos patriarcas da igreja e constituíam um grande desafio à forma como as famílias patriarcais estavam estruturadas: dominadas pelos homens. O que defendiam ameaçava a autoridade do homem sobre a mulher como fruto de ordenamento divino. O cristianismo primitivo era visto como uma ameaça pelas autoridades hebraicas e romanas e não apenas porque esses cristãos se recusavam a adorar o imperador e prestar lealdade ao Estado, mas principalmente porque eles questionavam s tradições das famílias vigentes, considerando as mulheres como pessoas com seus próprios direitos.
Como antes e a maioria das que vieram depois, o cristianismo tornou-se uma religião androcrática. E o evangelho do amor do cristianismo original desandou terrivelmente. O Império Romano foi substituído pelo Sagrado Império Romano.”
Já no ano 200 d. C o cristianismo estava se tornando exactamente o tipo de sistema hierárquico e calcado na violência que Jesus tanto se rebelou contra. E depois da conversão do Imperador Constantino, o cristianismo se tornou um braço oficial, ou servo, do Estado.
Os líderes da igreja passaram a comandar pessoalmente a tortura e execução de todos que não aceitassem a “nova ordem”. Em vez de ser um espírito absoluto, como mãe e pai, Deus tornou-se explicitamente masculino.” JSF

Imagem: Josefa d'Óbidos, Santa Catarina, igreja de Santa Maria, Óbidos

sábado, 31 de agosto de 2019

A GRANDE MÃE PRIMORDIAL - O Continente e o Conteúdo



A masculinização da sociedade conduziu a ignorar aquilo que constitui o próprio fundamento de toda a relação psicossocial, a saber, os laços afetivos que unem os membros duma mesma família, dum mesmo clã. E estes repousam muito particularmente na relação mãe-filh@ (rapaz ou rapariga). Suprimindo a noção de Mãe-Divina, ou submetendo-a à autoridade dum deus-pai, desarticulou-se o mecanismo instintual que estabelecia o primitivo equilíbrio. Daí provêm as neuroses e outros dramas que transtornam as sociedades paternalistas, incluindo aquelas que se consideram mais evoluídas, aquelas que pretendem, com belas palavras, atribuir à mulher um lugar de honra, um lugar escolhido pelo homem. Na verdade, o homem não pode escolher o lugar da mulher nem o seu próprio lugar face à mulher. Ele deve obedecer a uma lei inelutável, que é, para retomar a definição de Montesquieu, uma lei de natura, contra a qual a lei da razão nada pode. Esta lei de natura concretiza-se no instinto, que não é algo que possamos negar. Negá-lo, como fizeram tantos moralistas e psicólogos, antes de Freud, é abrir a via dos desregulamentos psíquicos, porque todo o comportamento se ressente do facto de não estar apoiado na lei natural.

Esta querela entre natureza e razão, que de resto sempre foi uma falsa questão, é responsável pela cegueira desta sociedade que, ao querer corrigir o instinto, cortou o ser humano daquilo que era a sua natureza.

A verdade é que o instinto não se corrige. Sublima-se, transcende-se, e isso graças a uma razão que o dirige, mas que em caso algum o deve encerrar em limites estreitos e negá-lo. E o instinto assusta, porque é forte e porque é inelutável. Este estudo sistemático do princípio feminino na cultura celta tem pelo menos o mérito de trazer à luz da consciência a ideia de que o instinto é primordial, no sentido etimológico do termo, que ele é necessário, que é um fator de progresso e de evolução.

Mas o instinto tem algo de selvagem, de “bárbaro”, mesmo. E é por aí que ele atinge a “grandiosidade”. Ele é o único motor dos nossos sentimentos, da nossa ação. E, tendo em conta os nossos hábitos morais, é por vezes difícil formulá-lo e olhá-lo de frente: a verdade choca-nos. Quando ousamos afirmar que todas as relações entre homens e mulheres, quaisquer que elas sejam (conjugais, filiais ou outras) são necessariamente relações incestuosas entre mãe e filho, atraímos as mais ásperas críticas e somos tidos por obcecados. E no entanto…
 O homem é, com efeito, um ser incompleto e tem consciência disso. O seu medo e a sua atracção pelo abismo negro (o nada de onde provém), o seu medo e a sua vertigem diante da morte (o nada que o espera) tornam-no um ser frágil que procura a segurança a todo o custo. Essa segurança é a mãe, tanto para o homem como para a mulher. Mas o homem, física e afetivamente, possui um meio de reentrar, pelo menos provisoriamente, na mãe. Não é preciso insistir: qualquer tendência da psicanálise já esclareceu suficientemente bem que o pénis, pequena parte do homem, mas uma parte exterior e suscetível de aumentar, constitui o substituto do próprio homem. Ele pode, portanto, em certas ocasiões, reatualizar de modo fantasmagórico o regresso ao paraíso que a mãe representa.

E toda a mulher é uma mãe, real ou potencial. O homem está portanto biologicamente sujeito à mulher, quer ele queira, quer não. Ele é o conteúdo, enquanto a mulher é o continente: isso constitui um estado de inferioridade muito óbvio para o homem e ele passará depois todo o seu tempo a negar tal realidade para provar a si próprio que é superior. É assim que se explica a ação masculina, o facto dos homens serem dotados para a ação, para a violência e o combate. Esta ação é o único meio que lhes resta para tentarem afirmar-se.

E se o homem é o conteúdo, portanto um ser inferior, ele arroga-se o direito dum ser superior, mostrando que a sua força ativa é a única capaz de proteger a espécie. Até conseguiu persuadir a própria mulher dessa superioridade, simbolizada pelo reconhecimento do pénis do rapazinho no momento do nascimento, feito pela mãe ou por qualquer outra mulher que ajude no parto. O famoso grito: “É um rapaz!”, repetido geração após geração, é bastante eloquente a esse respeito. Quando nasce uma rapariga, aceita-se; mas quando nasce um rapaz, rejubila-se.

No entanto, o continente, a mãe, que é o mesmo que dizer a mulher, é a própria realização do Paraíso. Ela realiza-o sob dois aspectos duma mesma realidade: ela contém o filho e o amante. De resto, como alguns psicanalistas já referiram, a vagina da rapariga não é reconhecida pela mãe, nem pelo pai, no momento do nascimento. Tal reconhecimento far-se-á, no entanto, um dia, e será o homem a efetuá-lo. Assim, para se afirmar, para tomar consciência de quem é e sobretudo do seu poder, a mulher precisa do homem. Traduzido em linguagem mitológica dá: o homem precisa duma deusa, mas a deusa precisa do homem. É esta a razão pela qual se perpetuaram, sob formas diversas, os antigos cultos da divindade feminina.

Na cultura celta, vimo-la sob os seus diferentes aspectos, ou melhor, sob as diferentes máscaras que os homens lhe atribuíram. Todos os nomes que lhe foram dados, entretanto, não nos devem fazer esquecer que se trata dum ser único, da mãe primordial, da primitiva deusa, da grande rainha dos começos.

Jean Markale, “La Femme Celte”

Imagem: Senhora de Avalon, Cheryl Yambrach Rose

sexta-feira, 8 de março de 2019

MUDANDO O PARADIGMA DA TROCA PARA A O DA DOAÇÃO: ECONOMIA DA DÁDIVA OU DO DOM



Quando lemos Genevieve Vaughan in Kailo e redescobrimos que “Palavras são presentes sonoros” a esperança reacende. Quando doamos, sem expectativa de retorno, sem a necessidade da troca, apenas como satisfação de uma necessidade básica de doação, voltamos a ser felizes. Ao nutrir nossos filhos, seus corpos e mentes, estamos nutrindo e abastecendo de afeto nossa comunidade. “Essa comunicação sem sinal, envolvendo dar e receber sem retorno, é o que nos torna humanos geração após geração” (Kailo, 2018.)

O texto de Kaarina Kailo ( finlandesa) sobre a Terra Feminarum, a Terra das  Mulheres do Norte (Lapónia) emocionou-me.  Como ela diz, quando perdemos o DOM Imaginário, que são as doações, as dádivas, que doamos ao Outro sem exigir trocas, a Mãe Terra se sente devastada e desonrada. A vida deveria ser entendida como Sementes de Mudanças, o novo precisa de espaço para se manifestar.  Ao mudarmos o paradigma da troca pela doação, neste novo contexto, estaremos Honrando a Mãe Terra, a Mãe Doadora de Vida, a Mãe em Nós. A semente da mudança está nas mãos das Mães. Devemos ensinar às nossas crianças este conceito de DOM, da abundância. 

Percebo que hoje as crianças muito pequenas já tem um novo DNA que as faz mais presentes, mais questionadoras e mais conectadas à Mãe Terra. Não podemos “cortar estas asinhas” com conceitos ultrapassados, mas estimular o novo, o DOM. Saber-se parte de toda a natureza, desta Inteireza de SER.

Carmen Eloah Boff