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terça-feira, 9 de agosto de 2022

Josefa de óbidos - a vida e obra apaixonante duma mulher independente e autossuficiente do século XVII

 

Casa da família, em Capeleira,
pintura de Baltasar  Gomes Figueira, pai de Josefa de Óbidos


Vivo na terra de...

Josefa de Óbidos! a solteirona mais famosa do Oeste profundo...
Viveu aqui a dois quilómetros, desde os 4 anos de idade, numa quinta hoje em ruínas (temos uma cultura tão rica e vibrante espalhada por qualquer recanto das nossas províncias ignaras que nos podemos dar ao luxo de simplesmente desprezar com enjoo algumas das suas jóias com mais potencial para multiplicarem e derramarem o seu brilho pelos incertos corredores do futuro... certo?...).
Ela viveu numa aldeia à qual deu o nome, Capeleira, ela própria, pintora de capelas.... É uma mulher do século XVII, que aprendeu a pintar com o pai, o pintor Baltazar Gomes Figueira, e depois fez disso um modo de vida. E foi tão apreciada e reconhecida na sua época que dela se diz na Wikipédia:
"Tendo vivido quase sempre na Quinta da Capeleira, nos arredores de Óbidos, a reputação que granjeou era de tal ordem que muitos dos que iam tomar banhos às Caldas da Rainha se desviavam de seu caminho para irem cumprimentá-la."
Junho 

Deixou uma obra imensa, menorizada, como tem acontecido com a de várias outras artistas que entretanto, diga-se, têm vindo a ganhar cada vez maior visibilidade e protagonismo. Ver o caso emblemático de Frida Khalo, que era a esposa do génio da pintura Diego Rivera, e fazia umas coisas enquanto esperava que ele descesse dos andaimes do centro Rockefeller em Nova York, que enchia de frescos, e hoje para o grande público é simplesmente o marido da Frida... E esperem lá porque a obra de Josefa de Óbidos já entrou no Louvre... embora isso não tenha impedido a sua antiga quinta de permanecer em ruínas... enquanto a casa da Frida é hoje um museu vibrante que um dia acabará por me levar ao México...
Em conversa com alguém noutro dia, a pessoa tinha a ideia de que Josefa era uma religiosa, uma freira... Na cabeça desta pessoa, uma pintora independente da era do barroco, sem marido a restringi-la da possibilidade de assinar a sua obra com o seu próprio nome e sem família directa a consumir-lhe o tempo e a energia, só poderia ter vicejado à sombra dum convento...
Pois, lamentei desiludi-la mas não foi o caso, Josefa de Ayala viveu e trabalhou e executou inúmeras encomendas e cuidou da mãe aqui sozinha na Capeleira, junto a Óbidos. Josefa foi, se quiserem, uma Spinster. "Solteirona" será a única tradução possível, mas o termo é mesmo péssimo porque te define em relação ao homem, cuja falta, na lógica da palavra, te mutila e transforma em pura aberração... No fundo e em essência um epíteto ainda mais difícil de resgatar do que o de "bruxa"... Mas nada como levar a ideia para a frente... vamos vendo...
Mas por que razão isso há de importar? Porque estamos a falar do séc XVII e não das Serranas da época anterior, pré-inquisição, das nossas amazonas ibéricas, cuja vida era bem mais animada, e colorida...
Dicen que me case yo:
no quiero marido, no.
Más quiero vivir segura
n'esta sierra a mi soltura,
que no estar en ventura
si casaré bien o no.
Dicen que me case yo:
no quiero marido, no.
Madre, no seré casada
por no ver vida cansada,
o quizá mal empleada
la gracia que Dios me dio.
Dicen que me case yo:
no quiero marido, no.
No será ni es nacido
tal para ser mi marido;
y pues que tengo sabido
que la flor ya me la só,
dicen que me case yo:
no quiero marido, no.
Gil Vicente (sec. XVI)

E é isso, vivo na vila que deu o nome a Josefa de Ayala Figueira, hoje conhecida como Josefa de Óbidos, pintora despachada e, claro, muito religiosa, como era próprio da época, mulher independente que por aqui vicejou e não deixou de se inspirar nas belas paisagens e produtos (doçaria, frutos, ostras que abundavam na lagoa de águas então limpas...) do Oeste profundo...
Gosto, sempre que passo pela igreja de Santa Maria (há sempre uma nas antigas terras d@s celtas, se virem bem) e a encontro aberta, de ir espreitar uma das suas obras minhas favoritas, dona Santa Catarina filosofando com os "doutores"...
Rosa Leonor Pedro Lilith, Cristina Grumete e 55 outras pessoas
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