Yueri Leitch
HELENA DOS CAMINHOS
“Se Helena apartar
do campo seus olhos
nascerão abrolhos”
Luís de Camões
“O azar da Península Ibérica foi
a Inquisição e a caça às bruxas que destruíram todos os rastos da mitologia
arcaica…”
“Sabemos
que as estradas romanas seguiam caminhos antigos e sabemos que estes eram
caminhos de transumância pastoril e que antes do pastoreio dirigido existiu o
mero ato de seguir os trilhos das manadas.”
Artur Felisberto
Helena dos Caminhos,
conhecida entre nós como a Senhora dos Caminhos, é uma das Deusas de Beltane
mais antigas e mais fascinantes e cuja história é mais rica e complexa e
difícil de deslindar. Na verdade a história de Helena dos Caminhos parte em
várias direções, fazendo jus ao Seu atributo de Deusa dos caminhos, de Guardião
dos caminhos. Por Helena, e honrando o seu espírito indomado de Deusa Hasteada,
de Deusa Rena, ouso entrar por caminhos que não sei ainda aonde me conduzirão,
nem isso me importa, porque precisamente o que a Deusa me é inspira é a abrir ou
a mostrar caminhos…
Entre as divindades relacionadas com Beltane que fiquei a
conhecer no meu primeiro ano do treino de sacerdotisa de Avalon, surgiu uma que
imediatamente captou a minha atenção duma forma muito premente: Elen of the
Trackways. Fiquei sob o Seu encanto e andei uma eternidade às voltas com esta
energia poderosa até ter percebido que Elen, ou Helena, queria ser encontrada e
resgatada no nosso território. Ao ler a investigadora britânica Caroline Wise,
compreendi melhor aquilo que eu mesma senti no meu primeiro contacto com esta
Deusa: “Quando comecei a leitura dessa
pequena brochura (onde se falava de várias Helenas mitológicas e da
possibilidade da sua origem comum) senti
as correntes da kundalini atravessarem o meu corpo”.
Durante o
meu treino, com o meu inglês tão insipiente, lia e escrevia em frente do
computador e do tradutor do Google. Na verdade estudar, fazer investigação,
hoje em dia é absolutamente fascinante, porque podemos satisfazer a nossa sede
de informação e a nossa curiosidade da forma mais simples, pressionando apenas
algumas teclas do computador. Ora, como muito cedo me apercebi das ligações que
existem entre o material britânico e o ibérico, a certa altura resolvi escrever
no motor de busca: “Senhora dos Caminhos”. Será que tal epíteto fora alguma vez
aqui atribuído à Deusa? Para meu espanto absoluto a resposta foi positiva. Sim,
são inúmeras as capelas, santuários, nichos, por todo o país, mais para o
Norte, mas na verdade um pouco por todo o país. Existem até duas capelas bem
perto da aldeia onde nasci, no distrito de Leiria, uma na Batalha e outra em
Porto de Mós. Incrível, capelas da Senhora dos Caminhos mesmo ao pé de casa e eu
nunca tinha ouvido falar desta Deusa! Uma investigação sumária desses locais de
culto, trouxe-me uma informação preciosa: em Rãs, freguesia de Sátão, Aguiar da
Beira, uma nova capela da Senhora dos Caminhos foi construída sobre outra mais
antiga dedicada à… Senhora dos Verdes.
Senhora dos Verdes? Não podia acreditar no que estava a ler…
Senhora dos Verdes é nem mais nem menos que a tradução literal de Lady of the Green, uma das primeiras
designações por que Elen of the Trackways é conhecida, como uma espécie de versão
feminina do Green Man, o Homem Verde,
ou seja, uma personificação do espírito da natureza, relacionada com a
Fertilidade e a Soberania da terra. Ou com a própria Terra, como postula
Caroline Wise no seu brilhante trabalho de investigação sobre esta divindade,
segundo ela uma das mais primitivas e importantes do panteão britânico. O nome
da capital inglesa, Londres, poderá estar relacionado com ela, acredita.
Pela etimologia, “Elen” é um termo relacionado com cervídeos
como a Rena, o Alce, o Veado, a Corça, mas também com o Cisne. Em francês, por exemplo,
existe o termo Élentier significando
Alce. Entre a figura referida no Mabinogion, Elen of the Trackways, Helena de
Troia e Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, entretanto, existem ligações
que levam a investigadora a suspeitar tratar-se da mesma entidade. Helena de
Troia nasceu, segundo a lenda, dum ovo de Cisne, forma tomada por Zeus para
seduzir sua mãe, Leda. Quanto a Santa Helena, foi ela quem, supostamente,
descobriu na Terra Santa a verdadeira cruz de Cristo. Ora, Cruz do Norte é
precisamente um outro nome dado à constelação de Cygnus. Elen surge assim como
uma energia por demais poderosa e fundadora para não irmos no seu encalce.
Voltando aos poderes de Helena, Ela é a Senhora da Soberania
da Terra, Senhora dos Verdes, a Vénus Britânica, Deusa dos Jardins, a Noiva das
Flores, Guardiã dos cursos de água subterrâneos, Guardiã dos antigos trilhos
das migrações da Rena e do Alce, Guardiã das Linhas Ley, Ativadora e Mediadora
da Kundalini da Terra. A Sua ligação à Rena parece ser a mais primordial, e
Renas existiram também na Ibéria. Nos períodos glaciais, os animais
característicos foram o mamute, o rinoceronte peludo e a rena, espécies vindas
do centro e do norte da Europa, que buscavam o clima relativamente ameno da
Península. Portanto, em épocas glaciares havia renas e a última dessas épocas
acabou há 9 mil anos, ou seja, no início do Neolítico. Esta mudança
climática terá originado a substituição da rena pelo cavalo
“Esta Deusa, com ligação a animais como os cervídeos, cujos caminhos
guarda e guia, tornou-se a Deusa das linhas de energia, implicada na soberania
da terra, nas suas medições, mapeamento e na geomancia. Por intermédio dos
animais e dos seus antigos trilhos, ela está relacionada com o equilíbrio das
energias da terra, com a fertilidade e com os ciclos da natureza”, resume
Caroline Wise. E também por cá temos, entre outros, o Monte de Santa Helena, em
Lage, freguesia de Vila Verde, onde são visíveis os vestígios duma via romana,
que a atravessava e que era parte do caminho de Santiago.
O CISNE DE HELENA
“Como Deusa Hasteada,
Ela guia-nos pelos primeiros trilhos da migração das renas. Ela apontou para a
antiga cidade de Londres e para as estrelas e revelou-me mistérios do conceito
abstrato de soberania, que liga a fertilidade da terra a quem a governa.” Caroline Wise (http://mirrorofisis.freeyellow.com/id152.html)
Andrew Collins, entretanto, em The Cygnus Mistery, defende que a veneração do Cisne, como ave
associada à vida cósmica, remonta a 17 000 anos atrás quando a constelação de
Cygnus ocupava posição de destaque nos céus noturnos do Hemisfério Norte, sendo
então Deneb, a estrela mais brilhante desta constelação, a Estrela Polar.
Segundo crê, a constelação de Cygnus estaria na origem de todas as religiões do
mundo, bem como da Astronomia, da Literatura, das cosmologias antigas e das
viagens transoceânicas. Raios cósmicos duma estrela binar desta constelação, a Cygnus
X-3, defende o autor, terão contribuído para a evolução humana durante a última
Idade do Gelo, sendo vários os indícios, diz-nos, que provam que as/os
nossas/os antepassadas/os tinham consciência de que a vida na Terra tinha uma
origem estelar.
Os animais totémicos de Helena são a Rena e o Veado (os
cervídeos) e o Cisne, cuja simbologia é riquíssima e sobre o qual se pode ler na
Infopedia: “O cisne é em muitas tradições o
símbolo da mulher e da virgem dos céus que em contacto com a terra e com a água
dá origem aos seres humanos”.
Helena relaciona-se assim com a constelação do Cisne, também conhecida como
Cruz do Norte, e estou convencida de que um fóssil da antiga veneração dessa
constelação no nosso território se encontra precisamente no culto prestado à
Santa Cruz, na religião católica, curiosamente um dos antigos oragos da
freguesia onde nasci. Na versão oficial, trata-se da cruz onde Cristo terá sido
crucificado, descoberta na Terra Santa, por Helena (santa Helena), mãe do
imperador Constantino, aquele que impôs o Cristianismo como religião oficial do
Império Romano.
Podemos avistar Helena
dos Caminhos nos trilhos dos bosques, entre as árvores, se A invocarmos e
estivermos atentas/os à Sua epifania. Aí, é possível vislumbrarmos a Sua
silhueta ou recebermos da Deusa um qualquer sinal da Sua presença. Como Deusa
de Beltane, se nos rendermos à Sua presença em nós, Helena guia-nos pelas
correntes da Kundalini do corpo, pelas indomadas correntes do desejo, quando
vibrando em uníssono com o divino masculino, atingimos o portal estelar que
conduz o ato de fazer amor à sua cósmica dimensão e apoteose.
©Luiza Frazão, Maio 2015