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terça-feira, 2 de abril de 2024

A PÁSCOA DA DEUSA

Legado de Carol P. Christ: PÁSCOA DA DEUSA: UMA VISÃO DESDE A GRÉCIA

Este texto foi originalmente publicado em 16 de abril de 2012

 Nota da revista Feminism and Religion: “Na Sexta-feira Santa, no Sábado de Páscoa, no Domingo de Páscoa e na Segunda-feira de Páscoa, os blogues do feminismandreligion.com celebraram as mães e Deus Mãe.”

 Este é o meu corpo, a vós doado.

Este é o meu sangue, a vós doado.

 Embora estas palavras sejam o centro de uma liturgia cristã que celebra o sacrifício de Jesus como o Cristo, são mais apropriadas para falar das nossas próprias mães. A tua mãe, a minha mãe e todas as mães, humanas e não humanas, mamíferas, aviárias e répteis, dão o seu corpo e sangue para que os seus filhos tenham vida. É verdade que as mães nem sempre fazem escolhas conscientes para engravidar, mas quase todas as mães afirmam a vida na sua vontade de nutrir as crias que emergem dos seus corpos e dos seus ninhos. Se as mães - humanas e não humanas - não tivessem dado o seu corpo e o seu sangue desde tempos imemoriais, tu e eu não estaríamos aqui.

A liturgia pascal não reconhece que a oferta original do corpo e do sangue é a oferta da mãe. O cristianismo "roubou" as imagens associadas ao nascimento e atribuiu-as a um salvador masculino. Se isso fosse tudo o que os cristãos fizeram, já seria suficientemente mau. Atualmente, na maioria dos países, existem leis contra o roubo. Os teólogos e liturgistas cristãos deveriam também ser punidos com um "F" por plágio - definido como a apresentação das ideias de outros como se fossem suas. Z Budapest tinha razão quando opinou, de forma célebre, que "o cristianismo não tinha ideias originais.

Não ter ideias originais talvez seja perdoável. Se as mães ainda fossem honradas, certamente teriam perdoado aos seus filhos o facto de também quererem ser honrados. A maioria das mães está disposta a partilhar o que tem com os seus filhos. A essência da maternidade é a generosidade, amar o outro como a si mesmo. No entanto, os cristãos continuam a insistir que a ideia do amor auto-doador teve origem em Jesus e que ninguém teria pensado nisso se não fosse por ele.

Os cristãos não se limitaram a roubar ideias das culturas que honram a mãe. Eles torceram o nariz para as mães. Diziam que o corpo que os gerou era mau: era a fonte do pecado, a "porta de entrada do demónio", nas palavras infames de Tertuliano. Eles agravaram o crime de roubo, acrescentando-lhe o crime de calúnia! Desde então, as mulheres reais têm sido castigadas pelo "pecado" de "Eva".

A negação da mãe é inerente à visão platónica do mundo adoptada pelo cristianismo. A visão platónica do mundo, tal como outras vias de "renúncia" ao "mundo", é o auge da ingratidão. No fundo, despida das suas roupagens, a sua essência é a seguinte: o nascimento neste mundo através do corpo de uma mãe não é suficientemente bom. O nascimento neste mundo não é suficientemente bom. O nascimento através do corpo de uma mulher não é suficientemente bom.


Embora reconheça a esperança de vida eterna em que se baseia a rejeição da vida neste mundo, considero a renúncia à vida no corpo e neste mundo um erro de "categoria" fundamental. Aqueles que escolhem o caminho da renúncia são "vida" rejeitando "vida". A vida no corpo não é vida sem morte. Mas será que devemos rejeitar a dádiva da vida porque ela não dura para sempre? Devemos rejeitar as flores porque a maior parte delas só floresce na primavera? Ou devemos deliciar-nos com a beleza efémera e com as nossas próprias vidas que não são eternas? Parece-me que as nossas civilizações ditas "superiores" tomaram um rumo errado há alguns milénios.

Talvez não seja demasiado tarde para voltar atrás. Podemos começar por dar graças às nossas mães, aos nossos antepassados, mulheres e homens, à teia da Vida, à própria Terra e ao cosmos, sem os quais e sem as quais não existiríamos. A minha oração pascal é simples: 

Abençoemos a Fonte da Vida,

e os ciclos de nascimento, morte e regeneração.

Com esta simples oração, podemos substituir o egoísmo por uma afirmação da nossa interdependência, e a nossa ganância pelo que não temos, pela gratidão por tudo o que nos foi dado.

 

*Ontem foi segunda-feira de Páscoa na Grécia.

Imagem 1 - a Mãe Poupa

Imagem 2 - Deusa Deméter e Sua filha Perséfone

Imagens originais do texto em inglês aqui.