"Vários anos de pós-graduação em teologia convenceram-me de
que havia algo de errado com a imagem tradicional de Deus. O meu questionamento
começou com as palavras dos teólogos sobre as mulheres. A mulher era corpo, o
homem era alma, a mulher era carne, o homem espírito. Por causa da sua fraca capacidade racional, a mulher foi persuadida pela serpente, porque não podia
controlar as suas paixões, ela foi seduzida. Eu era uma mulher e, por mais que
tentasse, não conseguia ver-me na fotografia. Eu sabia que a minha mente era tão boa como
a de qualquer outra pessoa e não via o meu corpo como uma fonte de tentação.
Gradualmente, comecei a perceber que a imagem de Deus enquanto Pai, Filho e
Espírito estava na raiz do problema. Fosse o que fosse que eu fizesse, jamais
seria “à sua imagem”. Embora esperasse encontrar em Deus um pai que amaria e
aceitaria o meu eu feminino, parecia que "ele", tal como o meu pai e
a maioria dos meus professores, gostava mais dos rapazes. Decidi que, a menos
que pudéssemos chamar Deus de Mãe, assim como de Pai, de Filha tal como de Filho,
as mulheres e as raparigas nunca poderiam ser valorizadas.
À medida que me afastava cada vez mais de Deus como Pai, sentia-me
incapaz de ir à igreja, de cantar hinos ou de orar. Sem novas imagens para
substituir as que eu não podia mais aceitar, sentia-me vazia. Uma noite, já bem
tarde, a raiva foi crescendo dentro de mim. Gritei a Deus: "Quero que saibas o quanto eu sofri porque permitiste que te nomeassem à imagem do homem como o Deus
dos pais, como homem de guerra, como rei do universo". Chorei de dor e
rejeição, até esgotar as lágrimas. No silêncio que se seguiu, ouvi uma voz: “Em
Deus existe uma mulher como tu. Ela partilha do teu sofrimento.”
Um ano depois quando ouviu o nome da Deusa numa oficina
dinamizada por uma mulher chamada Starhawk, senti que a experiência de toda a minha
vida se confirmava. Starhawk descreve a Deusa como
A Mãe Terra, que
sustenta todas as coisas que crescem, que é o corpo, os nossos ossos e células.
Ela é o ar - os ventos que se movem nas árvores e sobre as ondas, a respiração.
Ela é o fogo da lareira, a fogueira ardente e o vulcão fumegante, o poder de
transformação e mudança. E ela é a água - o mar, fonte original de vida, os
rios, córregos, lagos e poços, o sangue que flui nos rios das nossas veias. Ela
é égua, vaca, gato, coruja, grou, flor, árvore, maçã, semente, leão, porca,
pedra, mulher. Ela pode ser encontrada no mundo à nossa volta, nos ciclos e
estações da natureza, na mente, corpo, espírito e emoções de cada um e uma de
nós.
Imagens da Deusa retratam o poder feminino como criativo e
vital. Imagens da Deusa dizem-nos que nós participamos dos mistérios da
natureza, nos ciclos de nascimento, morte e renovação. Foi ela quem eu intuí
quando respondi às imagens da natureza nas palavras dos profetas e na relação
Eu-Tu de Burber com uma árvore (1).
Era Ela que eu procurava quando expressei a minha raiva a Deus. Ela era aquela
que eu não conhecia. Ela era aquela que eu sempre conheci.
O anseio por uma imagem feminina de Deus foi despertado em
mim pelo ressurgimento do movimento das mulheres. O despertar da nossa
consciência trouxe-nos um modelo de espaço feminino onde podíamos partilhar as nossas
histórias, "ouvirmo-nos umas às outras", permitir que a Deusa
ressurgisse no meio de nós. Descobrimos livros escritos décadas antes que
raramente tinham sido retirados das bibliotecas: M. Esther Harding, Jane Ellen
Harrison, G. Rachel Levy e Helen Diner. Lemos sobre a Deusa em jornais e
boletins, em livros recém-publicados: Jean Mountaingrove, Ruth Mountaingrove,
Z. Budapeste, Hallie Mountain-Wing, Merlin Stone, Elizabeth Gould Davis, Marija
Gimbutas, Charlene Spretnak, Starhawk e Elizabeth Gould Davis. Criámos grupos
de estudo e círculos rituais. "A Deusa está viva. A magia está no
ar", cantámos alegremente.”
(1) Quando comecei a estudar a Bíblia
Hebraica na faculdade, fui atraída pelas imagens que os profetas apresentavam das
árvores do campo batendo palmas no dia da redenção, das montanhas e colinas que
ressoavam em cânticos. Não entendi pois quando os meus professores disseram
tratar-se dum exemplo da falácia patética, definida por eles como a atribuição
de sentimentos a objectos inanimados. Eu pensava que as palavras dos profetas se
expressavam a nossa profunda comunhão com a natureza.