O poder da Deusa, que se manifesta por meio das mulheres, é uma matriz emocional que convida a uma fusão ou simbiose inconsciente e transmite uma sensação de chegada a casa.Jean Shinoda Bolen
terça-feira, 14 de novembro de 2017
quinta-feira, 26 de outubro de 2017
TEMPO DE HONRAR A DEUSA ANCIÃ
A
DEUSA NEGRA - A SOMBRA FEMININA
In MYSTERIES OF
THE DARK MOON – The Healing Power of the Dark Goddess, Demetra George,
HarperSanFrancisco, 1992
Traduzido
por Luiza Frazão
“Não
basta dizermos que é preciso uma nova relação com o feminino. Aquilo de que
precisamos mesmo é de nos relacionar com o lado negro do feminino.” Fred
Gustafson, The Black Madonna (Boston, Sigo Press, 1990)
Nas
sociedades tradicionais, que reverenciavam a lua como Deusa, a 3.ª fase negra
era personificada pela Deusa Negra, sábia e compassiva, que governava os
mistérios da morte, transformação e renascimento. Com o tempo, sucessivas
culturas foram gradualmente esquecendo o antigo culto da lua, e o antigo conhecimento
da ciclicidade da realidade, reflectida nas suas fases perdeu-se.
Na
nossa sociedade actual a maior parte de nós desconhece o potencial de cura e de
renovação que existe como qualidade intrínseca do processo cíclico da fase
escura da lua. Em vez disso, associamos a ideia de escuridão à da morte, do
mal, da destruição, isolamento e perda. Numa sociedade governada pela clara
consciência solar, fomos ensinad@s a temer, rejeitar, desvalorizar e
desempoderar tudo quanto se relaciona com os conceitos de escuridão – pessoas
de cor, mulheres, sexualidade, menstruação, natureza, o oculto, o paganismo, a
noite, o inconsciente, o irracional e a própria morte. Do ponto de vista
mítico, associamos todos estes medos da escuridão à imagem do feminino demoníaco
conhecido como a Deusa Negra, intimamente relacionada com a lua negra.
Ao
longo da história, o poder original da Deusa Negra enquanto renovadora foi
esquecido e ela tornou-se assustadora e destruidora. Em muitas mitologias do
mundo, ela foi descrita como a Tentadora, a Mãe Terrível, a Anciã que traz a
morte. As suas biografias mais tardias descrevem-na como negra, malvada,
venenosa, demoníaca, terrível, malevolente, fogosa. À medida que a cultura
patriarcal se tornou dominante, ela foi-se transformando num símbolo da
devoradora sexualidade feminina que faz com que o homem transgrida as suas
convicções morais e religiosas, consumindo-lhe a essência vital no seu abraço
mortífero.
Na
imaginação mítica das culturas dominadas pelo homem, a sua natureza original foi
distorcida e ela tomou proporções horríficas. Enquanto Kali, ela surge nos
crematórios, adornada com uma grinalda de caveiras, empunhando a cabeça cortada
do seu companheiro, Shiva, escorrendo sangue. Enquanto Lilith, ela voa pelos
céus nocturnos como uma demoníaca criatura que seduz os homens e mata
criancinhas. Enquanto Medusa, a sua bela e abundante cabeleira tornou-se uma
coroa de serpentes sibilantes e o seu olhar feroz transforma os homens em
pedra. Enquanto Hécate, ela persegue os homens nas encruzilhadas pela noite com
os seus ferozes cães do inferno.
Podemos
perguntar-nos por que razão a Deusa Negra apresenta uma imagem tão terrífica e
de que modo ela e a sua contraparte psicológica, o feminino negro, ameaçam a
nossa sociedade e criam destruição nas nossas vidas. E ainda como é que o seu
poder destruidor se relaciona com as suas qualidades de cura que permitem a
renovação. De que formas a Deusa Negra representa o nosso medo do escuro, do
oculto, da morte, da mudança; o nosso medo do sexo, bem como o do confronto com
o nosso ser e essencialmente com a nossa essência e a nossa própria
interpretação da verdade. As respostas para estas questões podem encontrar-se
na transição de uma cultura matriarcal para uma cultura patriarcal que ocorreu
há 5 mil anos. As pesquisas actuais sobre a história antiga, nos domínios da
teologia, da arqueologia, da história da arte e da mitologia, estão a trazer à
evidência que, com início há 3 mil anos AC, ocorreu uma transformação nas
estruturas religiosas e políticas que governavam a humanidade. Sociedades
matriarcais que cultuavam as Deusas da terra e da lua, como Innana, Ishtar,
Ísis, Deméter e Artemis, deram lugar a sociedades patriarcais, seguidoras do
deus solar e dos heróis masculinos, como Gilgamesh, Amon Ra, Zeus, Yahweh e
Apolo.
Antes
disso, uma conexão entre a morte e o renascimento estava implícita na cíclica
renovação da Deusa Lua, cultuada pelos povos antigos. A Deusa ensinava que a
morte mais não é do que a precursora do renascimento e que o sexo não serve apenas
para a procriação, serve também para o êxtase, a cura, a regeneração e a
iluminação espiritual. Quando a humanidade adoptou o culto dos deuses solares,
os símbolos da Deusa começaram a desaparecer da cultura e os seus ensinamentos
foram esquecidos, distorcidos e reprimidos.
Académic@s
contemporâne@s começam a descobrir evidências de como o culto da Deusa foi
suprimido, os seus templos e artefactos destruídos, os seus e as suas seguidr@s
perseguid@s e assassinad@s e a sua realidade negada. O novo sistema de crenças
das tribos dos conquistadores solares patriarcais renegaram a renovação
cíclica, negando assim o ciclo natural do nascimento, morte e regeneração da
Deusa Lua, o terceiro aspecto da Deusa Tripla. A Deusa Tripla da Lua, na sua
fase nova, cheia e escura, era o modelo da natureza feminina enquanto Donzela,
Mãe e Anciã. No seu culto original da Deusa Negra, como o terceiro aspecto
desta trilogia lunar, ela era honrada, amada e aceite pela sua sabedoria, pelo
seu conhecimento dos mistérios da renovação.
Durante
a prevalência da cultura patriarcal, entretanto, ela e os seus ensinamentos
foram banidos e remetidos para os recantos escondidos do nosso inconsciente.
(…)
Com
a diminuição da luz da lua, ela transforma-se na Anciã Negra na lua escura
minguante que recebe @ mort@ e @ prepara para o renascimento. Na sua sabedoria
que deriva da experiência, ela relaciona-se com a estação do inverno e o mundo
subterrâneo. Enraizada na sua força interior, a Deusa da Lua Negra está repleta
de compaixão e de compreensão da fragilidade da natureza humana e o seu
conselho é sábio e justo.
Ela
governa as artes da magia, o conhecimento secreto, os oráculos. A Anciã da Lua
Negra era artisticamente representada como a terrível face da Deusa que devora
a vida, e algumas imagens representam a sua vulva como símbolo da subsequente
renovação. Rainhas da magia e do submundo, como Hécate, Kali, Eresh-Kigal, são
símbolos da fase minguante da Deusa da Lua Negra.
(…)
@s
antig@s sabiam que tal como ela morria todos os meses com a velha Lua Negra,
também renasceria na Lua Nova crescente. Era a Anciã da Lua Negra que tomava a
vida no seu útero; mas @s antig@s também sabiam que a Deusa Virgem da Lua Nova
daria à luz a nova vida. A anciã era a doadora da morte assim como a virgem era
a que trazia o renascimento. A reencarnação era representada pela
refertilização da anciã-tornada-virgem. Sabia-se que a interacção contínua
entre a destruição que se transforma em nova criação é a eterna dança que
sustém o cosmos.
A
Deusa Negra eliminava e consumia aquilo que estava velho, degradado,
desvitalizado e sem préstimo. Tudo isso era transformado no seu caldeirão e
oferecido depois como elixir. Como podemos ver nos seus antigos rituais
sagrados, as antigas religiões partilhavam o conceito dum submundo para onde a
Deusa Negra conduzia a alma através dos negros espaços do sem forma, onde ela
exercia os seus secretos poderes de regeneração.
A
palavra inglesa “hell” vem do nome da terra subterrânea da Deusa escandinava
Hel. O seu subterrâneo não era entretanto um lugar de punição, mas antes o
escuro útero, simbolizado pela cave, o caldeirão, o fosso, a cova, o poço. A
Deusa Negra não era temida e o seu espaço não era um lugar de tortura. Ela
guardava os seus e as suas iniciad@s nos cemitérios, a entrada do seu templo.
Através da morte o indivíduo entra no ciclo da fase escura da lua; aí encontra
a Deusa Negra que o conduz através da passagem intermédia de volta à vida.
Quando
este natural desfecho do tempo de vida era compreendido e aceite, a Deusa Negra
era honrada pela sua sabedoria e amada pela sua ilimitada aceitação e compaixão
para com os habitantes da terra. Ela não era temida pelos povos que cultuavam a
lua, que entendiam a morte como um hiato no tempo entre vidas.
terça-feira, 29 de agosto de 2017
TENDA VERMELHA NO TEMPLO DA DEUSA
“Afirma
Borneman que o surgimento do patriarcado foi uma contrarrevolução sexual, na
qual se perderam os hábitos sexuais das mulheres (désaccoutumance sexuelle, na
versão francesa da obra); que as mulheres só puderam ser subjugadas despojando-as
da sua sexualidade, o que é consistente com os mitos originais dos heróis
solares e santos, que matam o dragão, a serpente e o touro. O rasto destes
hábitos sexuais, que nos chegam através da arte e da literatura, é muito
importante porque nos dá uma ideia daquilo que se destruiu com a
contrarrevolução sexual. Um lugar-comum dos hábitos perdidos são
os círculos femininos e danças do ventre universalmente encontradas por todo o
lado, desde os tempos mais remotos (pinturas paleolíticas como as de Cogull
(Lérida) e Cieza (Múrcia), cerâmica Cucuteni do 5.º milénio a C., arte minoica,
etc.), que nos falam duma sexualidade autoerótica e partilhada entre mulheres,
de todas as idades, desde a infância (...)”
Casilda Rodrigañez Bustos (https://sites.google.com/site/casildarodriganez/)
A Tenda Vermelha, também conhecida sob a designação em inglês
Moon Lodge, é um conceito que se
torna cada dia mais popular. Trata-se dum espaço feminino por excelência,
reservado aos mistérios do sangue das mulheres, do sangue da vida das mulheres.
Ela começa por ser um espaço bonito, o mais possível, decorado com tecidos em
tons de vermelho e rosa, como saris indianos, por exemplo, ou outros, e também
almofadas, fragrâncias, velas, flores, incensos, óleos de massagem, chocolate
ou outras iguarias. Estes são alguns dos itens que contribuem para o ambiente
íntimo, sensual e mágico da Tenda Vermelha. Música suave, sobretudo para a
meditação inicial, também é importante para que todos os nossos sentidos se
deleitem, e que se apaga durante a partilha. Uma partilha em que a mulher que
fala sabe que é ouvida com respeito, e compaixão e sem ser interrompida, e por
isso costuma haver um bastão de palavra que a oradora segura nas mãos como
sinal de que apenas ela detém naquele momento o direito de falar. Sabe também
que a sua experiência ecoa a de praticamente todas as presentes, que a ouvem
muitas vezes como se a si mesmas se ouvissem. Sabe ainda que quanto mais longe
se permitir ir, mais incentivará as outras mulheres a irem também e por isso o
bastão de palavra pode passar mais do que uma vez. E de que se fala numa Tenda
Vermelha? Pois, óbvio, daquilo de que normalmente não se fala, de todos aqueles
temas que a nossa educação se esforçou por nos ensinar a calar, coisas como:
“Como foi a tua primeira menstruação?”, “Como foi fazer um aborto?”, “Como foi
a tua primeira experiência sexual?”… Coisas que aprendemos a silenciar e que
por norma estão carregadas de toxinas emocionais numa sociedade onde os
mistérios do sangue e a sexualidade em geral têm sido tabu por tempo demasiado
longo. Coisas que aqui poderão ser ditas porque aquela que facilita, que mantém
a sacralidade daquela espaço, teve o cuidado de logo no início lembrar a todas
as participantes o dever da confidencialidade, o que se diz e se ouve numa
Tenda Vermelha pertence a esse espaço sagrado e nele ficará.
Uma Tenda Vermelha recria aquilo que, como disse Casilda
Rodrigañez Bustos na citação acima, o patriarcado nos tirou com a sua contrarrevolução sexual. Ela incentiva a
intimidade, emocional e física, o toque entre as mulheres, e por isso a
massagem é bem-vinda numa Tenda Vermelha. Outros exercícios que reativem o
corpo erótico são também apropriados, e muito importantes são também as
cerimónias de cura das feridas emocionais que foram entretanto ativadas ou
cerimónias de empoderamento. E tudo o que for alegre e expressivo e incentivar
a criatividade cabe num espaço assim.
Tendas Vermelhas são necessárias em cada bairro, corroborando
o que disse Kay Leigh Hagen, em Fugitive
Information: “Alívio para a constante
exposição ao homem e às necessidades do sexo masculino é necessário para uma
mulher poder perceber a profundidade do seu próprio poder feminino inato, que
ela foi condicionada a ignorar, negar, destruir ou sacrificar. Tempo gasto
sozinha ou em espaços conscientemente construídos exclusivamente para mulheres
permitem-lhe explorar aspectos de si mesma que não podem vir à tona na
companhia dos homens.” e Ruth Barret, Women’s
Mysteries, Women’s Truth: “Ao darmos
prioridade a espaço só para mulheres, seja em espaço ritualístico ou na vida
diária, muitas mulheres conseguem encontrar o seu próprio centro e explorar a
sua própria verdade.”
in, A Deusa do Jardim das Hespérides, Luiza Frazão (a sair em outubro de 2017 pela Zéfiro Editores, Sintra, 3.ª edição)
PROTEÇÃO E AFILIAÇÃO: O MUNDO GOVERNADO PELAS MULHERES SERIA UM LUGAR MAIS SEGURO
Oxitocina vs testosterona... Em situações de ameaça, as mulheres juntam as crianças, defendem @s mais débeis, procuram formas de cooperação com outras mulheres... uma reação tipicamente feminina muito diferente da masculina...
As investigadoras, entretanto, aprofundaram o seu trabalho e provaram que ter amigas/os mantém as pessoas
saudáveis, apontando para, no caso das mulheres, haver mesmo uma necessidade
biológica de disporem duma rede de amigas.
"Apesar da desconstrução do género, iniciada pelas
feministas em meados do século XX, ter tomado proporções absurdas na era
pós-moderna, quando se defende não existirem diferenças essenciais entre homens
e mulheres, um estudo recente sobre a resposta de cada um dos sexos a situações
de stresse acrescentou um dado novo que reforça a prova de que existe mesmo uma base
biológica significativa para essa diferença.
Os resultados deste importante estudo, conduzido na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) pelas doutoras Laura Cousin Klein e Sherlley Taylor 1, produziu evidências de que o mecanismo de luta-fuga descreve apenas a forma como os homens respondem às situações de ameaça. Em tais situações, os seus organismos produzem testosterona, enquanto nas mulheres essa reação é mitigada pela libertação de oxitocina, que em última análise produz um efeito calmante. Apesar das investigadoras descreverem a resposta feminina ao stresse de forma ligeiramente simplista, “tend and befriend” (oferta de proteção e procura de afiliação 2), que se traduz na prática por juntar as crianças e colaborar com as outras mulheres, a sua pesquisa documenta mesmo uma diferença significativa na resposta das mulheres ao stresse em relação à do sexo oposto, que é basicamente de luta-fuga. O curioso é que até aqui esta era a resposta considerada ser a norma para qualquer ser humano na mesma situação de ameaça, porque 90 por cento da pesquisa científica das últimas 4 décadas foi feita em indivíduos do sexo masculino. Esse facto levou a que ninguém até à realização desta investigação tivesse reparado no facto das mulheres responderem ao stresse de forma completamente diferente da dos homens.
Os resultados deste importante estudo, conduzido na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) pelas doutoras Laura Cousin Klein e Sherlley Taylor 1, produziu evidências de que o mecanismo de luta-fuga descreve apenas a forma como os homens respondem às situações de ameaça. Em tais situações, os seus organismos produzem testosterona, enquanto nas mulheres essa reação é mitigada pela libertação de oxitocina, que em última análise produz um efeito calmante. Apesar das investigadoras descreverem a resposta feminina ao stresse de forma ligeiramente simplista, “tend and befriend” (oferta de proteção e procura de afiliação 2), que se traduz na prática por juntar as crianças e colaborar com as outras mulheres, a sua pesquisa documenta mesmo uma diferença significativa na resposta das mulheres ao stresse em relação à do sexo oposto, que é basicamente de luta-fuga. O curioso é que até aqui esta era a resposta considerada ser a norma para qualquer ser humano na mesma situação de ameaça, porque 90 por cento da pesquisa científica das últimas 4 décadas foi feita em indivíduos do sexo masculino. Esse facto levou a que ninguém até à realização desta investigação tivesse reparado no facto das mulheres responderem ao stresse de forma completamente diferente da dos homens.
As conclusões e interpretações destes estudos que foram
publicadas até agora ficaram-se por aqui, mas não precisamos de muito mais para
reconhecermos que esta capacidade biológica especial das mulheres - ficarem
calmas em situações de stresse e agirem com sabedoria e preocupação em relação
às outras pessoas - vai muito para além da simples necessidade de terem amigas: na
verdade o que fortemente se infere disto é que o mundo seria um lugar muito
melhor se fossem as mulheres a governá-lo."
1. S. E.
Taylor, L. C. Klein, B. P. Lewis, T. L. Gruenewald, R. Gurung, and J. A.
Updegraff, “Female Responses to Stress: Tend and Befriend, Not Fight or Flight”,
Psychological Review, 107 (3), 41-42
in The Double Goddess, Vicki Noble
2. Este estudo realizado em Portugal, no âmbito duma tese de
mestrado, chega às mesmas conclusões: http://docplayer.com.br/43817558-Seminario-de-investigacao-em-psicologia-clinica-e-do-aconselhamento-julho-2007-resumo.html
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