“Afirma
Borneman que o surgimento do patriarcado foi uma contrarrevolução sexual, na
qual se perderam os hábitos sexuais das mulheres (désaccoutumance sexuelle, na
versão francesa da obra); que as mulheres só puderam ser subjugadas despojando-as
da sua sexualidade, o que é consistente com os mitos originais dos heróis
solares e santos, que matam o dragão, a serpente e o touro. O rasto destes
hábitos sexuais, que nos chegam através da arte e da literatura, é muito
importante porque nos dá uma ideia daquilo que se destruiu com a
contrarrevolução sexual. Um lugar-comum dos hábitos perdidos são
os círculos femininos e danças do ventre universalmente encontradas por todo o
lado, desde os tempos mais remotos (pinturas paleolíticas como as de Cogull
(Lérida) e Cieza (Múrcia), cerâmica Cucuteni do 5.º milénio a C., arte minoica,
etc.), que nos falam duma sexualidade autoerótica e partilhada entre mulheres,
de todas as idades, desde a infância (...)”
Casilda Rodrigañez Bustos (https://sites.google.com/site/casildarodriganez/)
A Tenda Vermelha, também conhecida sob a designação em inglês
Moon Lodge, é um conceito que se
torna cada dia mais popular. Trata-se dum espaço feminino por excelência,
reservado aos mistérios do sangue das mulheres, do sangue da vida das mulheres.
Ela começa por ser um espaço bonito, o mais possível, decorado com tecidos em
tons de vermelho e rosa, como saris indianos, por exemplo, ou outros, e também
almofadas, fragrâncias, velas, flores, incensos, óleos de massagem, chocolate
ou outras iguarias. Estes são alguns dos itens que contribuem para o ambiente
íntimo, sensual e mágico da Tenda Vermelha. Música suave, sobretudo para a
meditação inicial, também é importante para que todos os nossos sentidos se
deleitem, e que se apaga durante a partilha. Uma partilha em que a mulher que
fala sabe que é ouvida com respeito, e compaixão e sem ser interrompida, e por
isso costuma haver um bastão de palavra que a oradora segura nas mãos como
sinal de que apenas ela detém naquele momento o direito de falar. Sabe também
que a sua experiência ecoa a de praticamente todas as presentes, que a ouvem
muitas vezes como se a si mesmas se ouvissem. Sabe ainda que quanto mais longe
se permitir ir, mais incentivará as outras mulheres a irem também e por isso o
bastão de palavra pode passar mais do que uma vez. E de que se fala numa Tenda
Vermelha? Pois, óbvio, daquilo de que normalmente não se fala, de todos aqueles
temas que a nossa educação se esforçou por nos ensinar a calar, coisas como:
“Como foi a tua primeira menstruação?”, “Como foi fazer um aborto?”, “Como foi
a tua primeira experiência sexual?”… Coisas que aprendemos a silenciar e que
por norma estão carregadas de toxinas emocionais numa sociedade onde os
mistérios do sangue e a sexualidade em geral têm sido tabu por tempo demasiado
longo. Coisas que aqui poderão ser ditas porque aquela que facilita, que mantém
a sacralidade daquela espaço, teve o cuidado de logo no início lembrar a todas
as participantes o dever da confidencialidade, o que se diz e se ouve numa
Tenda Vermelha pertence a esse espaço sagrado e nele ficará.
Uma Tenda Vermelha recria aquilo que, como disse Casilda
Rodrigañez Bustos na citação acima, o patriarcado nos tirou com a sua contrarrevolução sexual. Ela incentiva a
intimidade, emocional e física, o toque entre as mulheres, e por isso a
massagem é bem-vinda numa Tenda Vermelha. Outros exercícios que reativem o
corpo erótico são também apropriados, e muito importantes são também as
cerimónias de cura das feridas emocionais que foram entretanto ativadas ou
cerimónias de empoderamento. E tudo o que for alegre e expressivo e incentivar
a criatividade cabe num espaço assim.
Tendas Vermelhas são necessárias em cada bairro, corroborando
o que disse Kay Leigh Hagen, em Fugitive
Information: “Alívio para a constante
exposição ao homem e às necessidades do sexo masculino é necessário para uma
mulher poder perceber a profundidade do seu próprio poder feminino inato, que
ela foi condicionada a ignorar, negar, destruir ou sacrificar. Tempo gasto
sozinha ou em espaços conscientemente construídos exclusivamente para mulheres
permitem-lhe explorar aspectos de si mesma que não podem vir à tona na
companhia dos homens.” e Ruth Barret, Women’s
Mysteries, Women’s Truth: “Ao darmos
prioridade a espaço só para mulheres, seja em espaço ritualístico ou na vida
diária, muitas mulheres conseguem encontrar o seu próprio centro e explorar a
sua própria verdade.”
in, A Deusa do Jardim das Hespérides, Luiza Frazão (a sair em outubro de 2017 pela Zéfiro Editores, Sintra, 3.ª edição)
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