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terça-feira, 29 de agosto de 2017

TENDA VERMELHA NO TEMPLO DA DEUSA




“Afirma Borneman que o surgimento do patriarcado foi uma contrarrevolução sexual, na qual se perderam os hábitos sexuais das mulheres (désaccoutumance sexuelle, na versão francesa da obra); que as mulheres só puderam ser subjugadas despojando-as da sua sexualidade, o que é consistente com os mitos originais dos heróis solares e santos, que matam o dragão, a serpente e o touro. O rasto destes hábitos sexuais, que nos chegam através da arte e da literatura, é muito importante porque nos dá uma ideia daquilo que se destruiu com a contrarrevolução sexual.  Um lugar-comum dos hábitos perdidos são os círculos femininos e danças do ventre universalmente encontradas por todo o lado, desde os tempos mais remotos (pinturas paleolíticas como as de Cogull (Lérida) e Cieza (Múrcia), cerâmica Cucuteni do 5.º milénio a C., arte minoica, etc.), que nos falam duma sexualidade autoerótica e partilhada entre mulheres, de todas as idades, desde a infância (...)” 
 
A Tenda Vermelha, também conhecida sob a designação em inglês Moon Lodge, é um conceito que se torna cada dia mais popular. Trata-se dum espaço feminino por excelência, reservado aos mistérios do sangue das mulheres, do sangue da vida das mulheres. Ela começa por ser um espaço bonito, o mais possível, decorado com tecidos em tons de vermelho e rosa, como saris indianos, por exemplo, ou outros, e também almofadas, fragrâncias, velas, flores, incensos, óleos de massagem, chocolate ou outras iguarias. Estes são alguns dos itens que contribuem para o ambiente íntimo, sensual e mágico da Tenda Vermelha. Música suave, sobretudo para a meditação inicial, também é importante para que todos os nossos sentidos se deleitem, e que se apaga durante a partilha. Uma partilha em que a mulher que fala sabe que é ouvida com respeito, e compaixão e sem ser interrompida, e por isso costuma haver um bastão de palavra que a oradora segura nas mãos como sinal de que apenas ela detém naquele momento o direito de falar. Sabe também que a sua experiência ecoa a de praticamente todas as presentes, que a ouvem muitas vezes como se a si mesmas se ouvissem. Sabe ainda que quanto mais longe se permitir ir, mais incentivará as outras mulheres a irem também e por isso o bastão de palavra pode passar mais do que uma vez. E de que se fala numa Tenda Vermelha? Pois, óbvio, daquilo de que normalmente não se fala, de todos aqueles temas que a nossa educação se esforçou por nos ensinar a calar, coisas como: “Como foi a tua primeira menstruação?”, “Como foi fazer um aborto?”, “Como foi a tua primeira experiência sexual?”… Coisas que aprendemos a silenciar e que por norma estão carregadas de toxinas emocionais numa sociedade onde os mistérios do sangue e a sexualidade em geral têm sido tabu por tempo demasiado longo. Coisas que aqui poderão ser ditas porque aquela que facilita, que mantém a sacralidade daquela espaço, teve o cuidado de logo no início lembrar a todas as participantes o dever da confidencialidade, o que se diz e se ouve numa Tenda Vermelha pertence a esse espaço sagrado e nele ficará.


Uma Tenda Vermelha recria aquilo que, como disse Casilda Rodrigañez Bustos na citação acima, o patriarcado nos tirou com a sua contrarrevolução sexual. Ela incentiva a intimidade, emocional e física, o toque entre as mulheres, e por isso a massagem é bem-vinda numa Tenda Vermelha. Outros exercícios que reativem o corpo erótico são também apropriados, e muito importantes são também as cerimónias de cura das feridas emocionais que foram entretanto ativadas ou cerimónias de empoderamento. E tudo o que for alegre e expressivo e incentivar a criatividade cabe num espaço assim.

Tendas Vermelhas são necessárias em cada bairro, corroborando o que disse Kay Leigh Hagen, em Fugitive Information: “Alívio para a constante exposição ao homem e às necessidades do sexo masculino é necessário para uma mulher poder perceber a profundidade do seu próprio poder feminino inato, que ela foi condicionada a ignorar, negar, destruir ou sacrificar. Tempo gasto sozinha ou em espaços conscientemente construídos exclusivamente para mulheres permitem-lhe explorar aspectos de si mesma que não podem vir à tona na companhia dos homens.” e Ruth Barret, Women’s Mysteries, Women’s Truth: “Ao darmos prioridade a espaço só para mulheres, seja em espaço ritualístico ou na vida diária, muitas mulheres conseguem encontrar o seu próprio centro e explorar a sua própria verdade.” 

in, A Deusa do Jardim das Hespérides, Luiza Frazão (a sair em outubro de 2017 pela Zéfiro Editores, Sintra, 3.ª edição) 



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