“A minha tese é que a linguagem
do mito poético, corrente na Antiguidade na Europa mediterrânica e setentrional,
era uma linguagem mágica vinculada a cerimónias
religiosas populares em honra da
deusa da Lua, ou Musa, algumas das quais datam da época paleolítica, e que esta
continua a ser a linguagem da verdadeira poesia, «verdadeira» no moderno
sentido nostálgico de «o original inmelhorável
e não um substituto sintético”. Essa linguagem foi corrompida no final do período
minoico quando invasores procedentes da Ásia Central começaram a substituir las
instituições
matrilineares pelas patrilineares
e remodelaram ou falsificaram os mitos para justificar as mudanças sociais.
Em seguida vieram os primeiros
filósofos gregos, que se opunham firmemente à poesia mágica porque ameaçava a
sua nova religião da lógica, e sob a sua influência criou-se uma linguagem
poética racional (a que agora se chama clássica) em honra do seu patrono Apolo,
e impuseram-na ao mundo como a última palavra em iluminação espiritual: opinião
que predominou praticamente desde então nas escolas e universidades europeias,
onde agora se estudam os mitos unicamente como relíquias arcaicas da era
infantil da humanidade.
Uma das repudiações mais
intransigentes da mitologia grega primitiva foi feita por Sócrates. Os mitos assustavam-no
e desagradavam-lhe; preferia voltar-lhes as costas e
disciplinar a sua inteligência
para pensar cientificamente: «para investigar a razão da existência de tudo,
de tudo tal como é, não como parece, e para refutar todas as
opiniões que não
se podem explicar».
Robert Graves, A Deusa Branca (traduzido por mim da
versão espanhola)
A DEUSA
BRANCA (SINOPSE)
Ao defender suas ideias, Graves empreendeu esta obra
singular que constitui uma gramática histórica do mito poético. O escritor
argentino Jorge Luis Borges sempre consultava A Deusa Branca, que foi publicado
pela primeira vez em 1948. Trata-se de um texto fundamental para a teoria da
literatura, mas igualmente importante para a história das religiões, bem como
para toda a pessoa que quiser reconsiderar as suas certezas mitológicas
ocidentais, cristãs ou não, à luz de uma reflexão erudita e independente.
Com
efeito, é também indispensável para aquel@s que se interessam pelo renascimento
da religião da Deusa, por Wicca, por esoterismo e por simbolismo. O autor age
como um arqueólogo de crenças e restaura os rudimentos perdidos e os princípios
ativos da magia que governa os poetas.
A sua argumentação parte de um acurado
exame de dois poemas galeses do século XIII, nos quais ele encontra as chaves,
genialmente ocultas, desse antigo mistério. Robert Graves traz à baila diversos
tópicos: as raízes da chamada Tradição Hiperboreal, o cerne da cultura celta; a
história evolutiva do alfabeto fonético ocidental; o percurso das principais
rotas migratórias durante a Idade do Bronze, na bacia mediterrânea e no
continente europeu ocidental; o arcaico culto da Deusa, das origens
paleolíticas até ao mundo mariano do cristianismo, passando pela mitologia
grega e pela bruxaria medieval; o segredo do número da Besta, o 666; a
revelação do secretíssimo Nome do Deus de Israel; além de muitas outras joias preciosas.
A sua leitura estimula uma reintegração de diversas tradições mitológicas.
As
teologias monoteístas, que exprimem as crenças judaicas, cristãs e muçulmanas,
sempre difundiram uma pretensa rutura radical entre elas e o mundo pagão.
Robert Graves reencontra os liames que unem as tradições mitológicas com a
elaboração semita das escrituras bíblicas.
Fonte: Editora Record, Brasil (adaptado)