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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O SOL DA DEUSA - A LUZ QUE GUIA E O CALOR DA VIDA CONSCIENTE

 

A lua tornou-se uma das imagens centrais da espiritualidade da Deusa. No entanto... precisamos de examinar a sua potência contra-imaginal - o sol. Se a Deusa deve estar totalmente representada na nossa sociedade, ela também deve ser a luz que guia e o calor da nossa vida consciente. O Sol não deve ser considerado apenas como um símbolo patriarcal irrecuperável, mas como uma representação da vida e do alegre prazer da Deusa.

_ Caitlin Matthews, Voices of the Goddess: A Chorus of Sibyls

O sol é uma força activa que governa a cura, a luz e a abundância por fazer crescer as searas. A lua entretanto é vista como passiva, governando a noite, a psique e os mares através da sua capacidade para criar as marés. Mas se te perguntassem pelos géneros destas luminárias o que dirias?

Quase sempre a resposta seria que o sol é masculino e a lua feminina. Na verdade, a lua é talvez o símbolo mais conhecido do divino feminino na actual espiritualidade da Deusa. No entanto, se tivesses feito a mesma pergunta a uma pessoa pagã do passado, terias muito provavelmente tido uma resposta diferente. Enquanto na Grécia e em Roma se reverenciava a lua como Artemis e Diana e o sol como Hélios e Apolo, o conceito dum sol masculino e duma lua feminina não era universalmente partilhado em todos os sistemas mitológicos. Das tribos celtas ao povo Inuit da América do Norte, o sol era visto mais frequentemente como uma deusa do que como um deus.

Então como é que hoje em dia vemos o sol como sendo exclusivamente masculino? Quando comparamos os papéis e géneros das luminárias entre culturas, torna-se claro que as nossas antepassadas e os nossos antepassados pagãos não conseguiam atingir a unanimidade sobre a questão do sol ser masculino e a lua feminina. Encontramos panteões que cultuavam deuses solares e deusas lunares e outros que viam o sol como feminino e a lua como masculina.

Parece que o povo celta não conseguia decidir-se nesta matéria, tendo numerosas deusas lunares mas também deusas solares, que coexistiam com deuses solares. De forma semelhante, no Egipto também havia deuses e deusas solares. Assim sendo, se algumas culturas veneravam o sol como uma deusa e outras como um deus, e outras ainda como deus ou como deusa, por que razão é que hoje em dia o conceito de sol feminino nos parece tão pouco familiar?

Em última análise, o conceito do sol como exclusivamente masculino é bastante recente e a origem desta classificação exclusiva remonta à época vitoriana.

Com efeito, esta época trouxe com ela um renovado interesse pela mitologia, em particular pelos mitos solares. A arqueologia e o estudo da cultura popular eram novos campos de interesse académico e obras versando sobre mitologia clássica tornaram-se extremamente populares. Os mitos gregos e romanos serviam de bitola para comparar e sistematizar o estudo de outras mitologias, e foi assim que o conceito do sol/deus e da lua/deusa se tornou aceite como sendo a forma “correcta” de ver estas duas luminárias. Se os mitos de outras culturas diferiam, considerava-se que isso apenas reflectia a inferioridade cultural desse grupo ou um desvio acidental da norma mitológica. O trabalho de Friedrich Max Müller, um dos fundadores do campo de estudo da mitologia comparada, popularizou grandemente o conceito de masculino solar, conectando cada divindade e herói ao sol e proclamando que todas as religiões derivavam do monoteísmo solar original que via o sol como o criador masculino. As teorias de Müller foram mais tarde ridicularizadas, mas as suas influências perduram até hoje.

Apesar da deusa solar parecer um conceito estranho para muitas e muitos de nós, ela está mais presente no paganismo moderno do que aquilo que poderíamos supor, apenas não a classificamos como tal. Com efeito, Brígida, uma das deusas mais populares do panteão celta e cujo festival o paganismo celebra a cada Imbolc, tem inúmeros atributos solares. Apesar disso, Brígida é habitualmente referida como deusa do fogo e da inspiração, nunca como uma deusa solar.

As suas conexões solares permaneceram até nas histórias de santa Brígida, a versão cristianizada da deusa. Santa Brígida veio ao mundo ao nascer do sol e a casa onde nasceu brilhava com tal intensidade que a vizinhança pensou haver um incêndio, mas quando foram ver, essa luz que viam emanava da própria santa. Também se diz que um dia ela suspendeu a sua capa de um raio de sol. Era ainda sobejamente conhecida a sua habilidade para curar a cegueira, uma capacidade comum às deusas solares, uma vez que o sol era considerado uma espécie de “olho” no céu.

Interessante é ainda o facto de tanto o nome irlandês como aquele que era usado no inglês antigo para designar o sol era feminino, indicando que estes povos viam o sol como uma força feminina. Sem esquecer que a cruz de Brígida não passa duma representação simbólica do sol.

In Drawing Down the Sun, Rekindle the Magic of the Solar Goddess, Stephanie Woodfield, 2014

Imagens:

Imagem 1 - https://druidry.org/resources/brigid-survival-of-a-goddess

Imagem 2 - https://www.pinterest.co.uk/catnewell1/goddess/

sábado, 31 de outubro de 2020

ARQUÉTIPOS DA SOMBRA - A SOLTEIRONA... depois da BRUXA...

 

Nesta altura do ano em que é inevitável enfrentarmos a Sombra, é inevitável também falarmos dos aspectos amaldiçoados do feminino, até porque vamos ganhando cada vez mais consciência deles. Esses aspectos têm a ver essencialmente com questões de Liberdade, um direito que é muito prejudicial para o Patriarcado reconhecer plenamente à mulher. Liberdade para fazer escolhas, para se ser independente, inteira e completa em si mesma, para se viver como se quer. Esses aspectos que foram denegridos, como Megera ou Medusa, têm também a ver com força e poder, poder de dizer não, de se autodefender, de não agradar a toda a gente, de estar maldisposta, de não ser a boazinha de serviço, de escolher não entrar numa estrutura, numa instituição em que temos sido (e só por isso mesmo tem sobrevivido) a parte mais fraca…

Verdade que resgatámos com sucesso o título de Bruxa, mas há pelo menos um que continua a não parecer nada bonito: Solteirona! Aquela que "ficou para tia"... Basicamente é sempre bom desconfiar de títulos que não se aplicam ao homem, ou que perdem impacto no masculino... Há quantos anos já a filósofa feminista Mary Daly (1928-2010) levantou do chão esse título maldito entre os malditos dado pelo pensamento patriarcal a uma mulher que não se casou?... Assim, na língua inglesa a palavra Spinster já figura há muito na lista dos epítetos femininos resgatados da ignomínia misógina, precisamente pelas feministas. Título a reclamar sem medo, com  alguma ironia, para depois o desvalorizarmos, por aquilo que ele nos diz sobre a forma como temos permitido ser definidas na nossa relação com o homem.


Imagem: https://www.theguardian.com/books/2015/aug/02/spinster-kate-bolick-review-self-indulgent

 

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

ALEXANDRA DAVID-NEÉL - exploradora, feminista, escritora espiritualista, budista, anarquista, reformadora religiosa

 

Neste mês de Outubro, a 24, comemora-se o aniversário da escritora e exploradora Alexandra David-Néel, nascida em Saint-Mandé, França, em 1868. Alexandra teve uma infância infeliz, filha única de pais amargos que brigavam constantemente e tentou fugir várias vezes, desde os dois anos de idade. Quando adolescente, viajou sozinha por alguns países europeus, incluindo uma viagem de bicicleta por Espanha. Quando tinha 21 anos, a jovem herdou dinheiro dos pais e usou-o todo para ir ao Sri Lanka, chegando até a trabalhar como cantora de ópera por um tempo para ajudar a financiar as suas viagens. O que lhe interessava especialmente era o budismo.

Alexandra David-Néel disfarçou-se de tibetana e conseguiu entrar na cidade de Lhasa, que na época era proibida a pessoas estrangeiras. Aprendeu a língua e tornou-se fluente em tibetano. Conheceu o Dalai Lama, praticou meditação e ioga e caminhou pelo Himalaia, onde sobreviveu comendo o couro das suas botas e uma vez escapou por um triz de uma tempestade de neve com uma meditação que aumenta a temperatura corporal. Os habitantes locais pensaram que ela poderia ser a encarnação de Thunderbolt Sow, uma divindade budista feminina. Alexandra tornou-se uma lama tântrica no Tibete aos 52 anos.

Alexandra escreveu sobre tudo isso e o seu livro mais famoso é Magic and Mystery in Tibet (1929), no qual escreveu: “Então era primavera no nublado Himalaia. Novecentos metros abaixo da minha caverna rododendros floresceram. Escalei o topo de montanhas áridas. Longas caminhadas me levaram a vales desolados salpicados de lagos translúcidos ... Solidão, solidão! … A mente e os sentidos desenvolvem a sua sensibilidade nesta vida contemplativa feita de observações e reflexões contínuas. Alguém se torna um visionário, ou melhor, não é que ele era cego até então? ”

Morreu em 1969, aos 101 anos, poucos meses depois de renovar o seu passaporte. Ela foi uma grande influência para os escritores Beat, especialmente Allen Ginsberg, que se converteu ao budismo depois de ter lido alguns de seus ensinamentos.

em O Almanaque do Escritor e https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandra_David-N%C3%A9el

 

 

 

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

O GATO - ANIMAL TOTÉMICO DA GRANDE BRUXA

Na energia do Samhain...

Gato - Misterioso e Mágico por Judith Shaw

O gato move-se elegantemente, com graça, independência e uma autoconfiança inabalável. “O meu cão acredita que é humano; o meu gato acredita que o seu deus”é um ditado que reflecte as crenças das e dos nossos ancestrais. Desde os dias do Neolítico, os gatos têm sido associados a deusas.

Os gatos, membros domesticados e os menores da família Felidae e da ordem Carnívora, são um interessante exemplo de equilíbrio - entre calma tranquila e acção poderosa, independência e conexão, entre o visível e o invisível.


Mistério e magia, feminilidade poderosa, explorando o desconhecido

Activo durante os momentos liminares do crepúsculo e do amanhecer - com alguns sendo mais nocturnos como os gatos selvagens - a associação do gato com a magia, o mistério e a capacidade de ver o que não é visível é antiga.

O gato tem excelente visão na penumbra fornecida por grandes córneas elípticas, pupilas que se expandem muito ou se contraem em fendas finas e uma camada especial atrás da retina chamada tapetum. Isso funciona como um espelho - permitindo que a luz entre no olho, se reflicta e entre novamente - criando o brilho nocturno assustador dos olhos de Gato.

O Gato na sua associação com deusas, é o símbolo máximo de uma feminilidade poderosa

Os gatos, embora não fossem domesticados no Egipto até cerca de 1500 a.C., eram sagrados para os egípcios desde 2465 a. C.

Deusa egípcia Bastet
Bastet, Deusa Egípcia do Coração, dos Segredos da Mulher, da Cura e dos Gatos, estava intimamente associada a Sekhmet, Deusa da Guerra, Pragas e Cura. Como Sekhmet, ela foi originalmente descrita como uma leoa - ganhando o título temível de Senhora do Massacre. À medida que os gatos se tornavam domesticados, Bastet também, assumindo uma imagem mais gentil - na maioria das vezes retratada como um gato sentado olhando serenamente ao redor ou como uma mulher com cabeça de gato. Às vezes ela aparece com gatinhos a seus pés.

Hécate, deusa grega da vida, morte, renascimento e mistério, teve a sua origem na área do Mar Negro da Geórgia moderna. Muitas vezes vista como um cão - às vezes um gato preto, Hécate floresce depois de escurecer, como o Gato, e vê profundamente os mistérios da vida.


Freya, deusa nórdica do amor, fertilidade, guerra, adivinhação e magia, caminhou pelos céus numa carruagem puxada por dois gatos cinzentos gigantes. Cercada por mistério, ela foi capaz de ver além do visível.

Para o povo Celta, o gato estava associado à Deusa e ao feminino. Muito provavelmente por causa disso e da sua capacidade de ver o mundo espiritual, a igreja cristã via os gatos como maus. Eles eram vistos como ameaças ao poder da Igreja sobre assuntos espirituais. Gatos e mulheres foram severamente perseguidas.

A situação dos gatos piorou depois que o Papa Gregório IX emitiu sua bula papal, Vox Rama (1233 dC), a primeira a associar gatos com bruxas e o diabo. Muitos acreditam que se seguiram assassinatos em massa de gatos, ou pelo menos um abandono em massa de gatos depois que suas donas - Curandeiras - foram mortas. Documentos europeus medievais e do início da modernidade descrevem dezenas de casos de gatos que foram queimados vivos. Isso resultou num efeito colateral indesejável - sem a predação dos gatos, a população de vermes explodiu, espalhando ainda mais a peste bubónica de 1348 d. C.

Vários clãs escoceses, como MacIntosh, MacNeishe e MacNicole, têm o Gato como seu animal totémico.

A Deusa Galesa da Transformação, Kerridwen, na sua manifestação como a porca Henwen, deu à luz uma variedade de seres - um grão de trigo e de cevada, uma abelha, um lobo, uma águia e um gato - espalhando vida por toda a terra. Com a mudança dos tempos, a gata de Henwen, Cath Palug, foi transformada numa das Três Pragas de Anglesey e morta pelo Rei Arthur.

Nos antigos reinos do Sião e da Birmânia, uma seita budista acreditava que, após a morte de alguém verdadeiramente puro, a sua alma migra para um gato.


Shashti, Deusa Hindu da Vegetação e Protetora das Crianças, foi retratada com uma cabeça de gato ou montando um gato enquanto carregava ao colo um ou mais bebés.

Um conto persa revela a natureza mágica do gato. Um mágico pegou um punhado de fumo, adicionou chama e duas estrelas brilhantes - então esfregou as mãos. Ao abri-las, apresentou ao herói, Rustum, um gatinho cinza esfumaçado, com olhos brilhantes e uma delicada língua vermelha, em gratidão por um resgate recente.

Espírito aventureiro, curiosidade, flexibilidade, paciência

A capacidade do gato de ser um excelente caçador depende igualmente da força mortal e da calma paciente. O gato espreita a sua presa e depois posiciona-se furtivamente com os músculos prontos para atacar quando a possibilidade de sucesso é maior.

“Um gato tem nove vidas.” Sempre curiosos sobre o seu mundo, os gatos - ágeis e coordenados - quase sempre pousam em pé. A capacidade do gato de entrar e sair de situações deve-se ao seu corpo flexível, com uma coluna vertebral mantida unida por músculos - não ligamentos.

Ele abre seus olhos para os mistérios da vida, com grande curiosidade, que lhe dá coragem para explorar o desconhecido, incentivando a flexibilidade e a abertura para novas percepções. O gato ensina-nos a necessidade de observação paciente, seguida de acção decisiva.

Independência e companheirismo

A pesquisa genética revela que os gatos foram domesticados pela primeira vez há cerca de 12.000 anos, quando a agricultura começou no Médio Oriente. No típico estilo felino, os gatos dão as cartas - eventualmente domesticando-se ao aprender que os humanos fornecem comida extra como recompensa pelos seus esforços de caça. Os gatos provavelmente descendem de um gato selvagem nativo do Oriente Próximo - Felis s. Lybica.

Ao contrário da maioria dos animais domésticos que foram criados selectivamente pelos seres humanos para certas características, os gatos mantêm o controle sobre a escolha dos seus ou das suas companheiras. Eles vêm e vão quando querem, muitas vezes escolhendo companheiros ou companheiras selvagens com excelente visão nocturna e genes auditivos, permitindo que os gatos domésticos continuem sendo predadores mortais. Os gatos, sabendo muito bem que podem sobreviver por conta própria, treinam os seus gatinhos por meio do exemplo a espreitar, esperar e atacar. O gato continua a ser um visitante selvagem que te concede a graça da sua presença.

Os romanos viam a atitude indiferente do gato como sinónimo de independência.

Embora solitários por natureza, quando a comida é abundante, os gatos estabelecem amizades e toleram outros gatos muito bem. Os donos de gatos sabem que seus animais de estimação adoram acariciar e a pesquisa mostra que os gatos têm uma forte ligação com os seus donos.

Por meio de um conjunto de expressões, sons vocais e posturas corporais e de cauda, o gato é capaz de comunicar as suas emoções e intenções, sinalizando o seu desejo de aumentar, diminuir ou manter a distância social.

Ele lembra-nos de manter o equilíbrio entre a autodescoberta permitida pela solidão e as alegrias da companhia e da partilha e da confiança em si mesmo, deixando para trás dependências doentias.

Serenidade, autoconsciência, autocura

Um gato ronronando expressa perfeitamente a serenidade. O ronronar do gato, muitas vezes um sinal de contentamento e prazer, pode indicar ferimento ou dor. As nossas e os nossos ancestrais associaram o Gato às deusas da cura. Hoje os cientistas concordam que o ronronar do gato tem um efeito curativo sobre si mesmo e sobre as pessoas. Pegar num gato que ronrona reduz a própria frequência cardíaca. O padrão e as frequências de som do seu ronronar estão na faixa que pode melhorar a densidade óssea e promover a cura. O padrão e as frequências de som do seu ronronar estão na faixa que pode melhorar a densidade óssea e promover a cura. O ronronar do gato pode atenuar os danos aos ossos que podem acontecer durante sua vida cheia de sestas.

O gato ensina-nos que o caminho para a serenidade e a autocura está dentro de nós. Com os olhos semicerrados, como se estivesse em estado de transe, ele ronrona em direcção a um estado de calma e paz

Proteção, Boa Sorte

A deusa chinesa Li Shou, descrita como uma gata, presidia ao controlo de pragas e à fertilidade. Um conto relata que quando o mundo era jovem, os deuses colocaram Li Shou e os seus gatos no comando do mundo. Precisando de uma boa comunicação para essa tarefa, os gatos receberam o dom da fala. Mas, fiéis à sua natureza, os gatos, que preferiam se aquecer sob os raios de sol quentes, perseguir borboletas e dormir, negligenciaram o seu papel de protetores. Os deuses ficaram descontentes. Finalmente Li Shou disse aos deuses que os gatos não tinham nenhum interesse real em governar o mundo, preferindo brincar e tirar uma soneca. O poder da fala foi-lhes então tirado e dado aos seres humanos para governar o mundo. Mas o gato manteve o papel de cronometrista, ajudando a manter o mundo nos trilhos.

Os japoneses atribuem ao gato o papel de ter salvo a vida de um imperador. O “gato acenando”, com uma pata levantada, cresceu tornou-se uma lenda. Quando o imperador passou por um templo, um gato sentado na frente levantou a pata em reconhecimento. Atraído pelo gesto do gato, o imperador entrou no templo exactamente quando um raio atingiu o local onde ele estava. Ainda hoje o Gato Acenando é considerado um guardião do lar e sua imagem é frequentemente um poderoso talismã da sorte.

O deus polaco Ovinnik, que assumiu a forma de um gato preto, protegeu os animais domésticos e afugentou fantasmas e fadas.

No conto irlandês, a Viagem de Maelduin, um gato protege os tesouros do Outro mundo da pilhagem.

Divinatório

O gato acena para que você possa abraçar possibilidades mágicas, adoptar novos caminhos com curiosidade e flexibilidade, para confiar que a sorte está consigo. Evocando o seu próprio desejo de correr livre, o gato ensina o equilíbrio entre paciência e acção, oferecendo protecção e sorte. Sempre orgulhoso, independente e corajoso, ele oferece uma visão sobre este mundo e o mundo além do véu.

 Judith Shaw, formada pelo San Francisco Art Institute, sempre se interessou por mitos, cultura e estudos místicos. Pouco depois de se formar na SFAI, enquanto vivia na Grécia, Judith começou a explorar a Deusa na sua arte. Ela continua a ser inspirada pela Deusa em todas as suas manifestações, que são encontradas em todo o mundo natural. Nos últimos anos, Judith começou a estudar as deusas dos seus ancestrais, o povo Celta, resultando em seu baralho de cartas do oráculo da deusa celta. Ela agora está trabalhando em seu próximo baralho de cartas do oráculo - Animal Spirit Guides. Originária de Nova Orleães, Judith mora no Novo México, onde pinta o quanto o tempo permite e é vendedora imobiliária em part-time.

Versão original:  https://feminismandreligion.com/2020/10/28/cat-mysterious-and-magical-by-judith-shaw/#more-50523

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si mas relativamente a ele

Diana Vandenberg
https://www.boekwinkeltjes.nl/b/103915124/De-hermetische-schilderkunst-van-Diana/
"Se a função da fêmea não basta para definir a mulher, se nos recusamos também explicá-la pelo "eterno feminino" e se, no entanto, admitimos, ainda que provisoriamente, que há mulheres na terra, teremos que formular a pergunta: que é uma mulher?

O próprio enunciado do problema sugere-me uma primeira resposta. É significativo que eu coloque este problema. Um homem não teria a ideia de escrever um livro sobre a situação singular que ocupam os machos na humanidade. Se quero definir-me, sou obrigada inicialmente a declarar: "Sou uma mulher". Essa verdade constitui o fundo sobre o qual se erguerá qualquer outra afirmação. Um homem não começa nunca por se apresentar como um indivíduo de determinado sexo: que ele seja homem é natural. É de maneira formal, nos registos dos cartórios ou nas declarações de identidade que as rubricas, masculino, feminino, aparecem como simétricas. A relação dos dois sexos não é a das duas electricidades, de dois polos. O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos "os homens" para designar os seres humanos, tendo-se assimilado ao sentido singular do vocábulo vir o sentido geral da palavra homo. A mulher aparece como o negativo, de modo que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade.

Agastou-me, por vezes, no curso de conversações abstractas, ouvir os homens dizerem-me: "Você pensa assim porque é uma mulher". Mas eu sabia que a minha única defesa era responder: "penso-o porque é verdadeiro", eliminando assim a minha subjectividade. Não se tratava, em hipótese alguma, de replicar: "E você pensa o contrário porque é um homem", pois está subentendido que o fato de ser um homem não é uma singularidade; um homem está no seu direito sendo homem, é a mulher que está errada. Praticamente, assim como para os Antigos havia uma vertical absoluta em relação à qual se definia a oblíqua, há um tipo humano absoluto que é o masculino. A mulher tem ovários, um útero; eis as condições singulares que a encerram na sua subjectividade; diz-se de bom grado que ela pensa com as suas glândulas. O homem esquece soberbamente que a sua anatomia também comporta hormonas e testículos. Encara o corpo como uma relação directa e normal com o mundo que acredita apreender na sua objectividade, ao passo que considera o corpo da mulher sobrecarregado por tudo o que o especifica: um obstáculo, uma prisão. "A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades", diz Aristóteles. "Devemos considerar o carácter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural". E Sto. Tomás, depois dele, decreta que a mulher é um homem incompleto, um ser "ocasional". É o que simboliza a história do Génese em que Eva aparece como extraída, segundo Bossuet, de um "osso supranumerário" de Adão. A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autónomo. "A mulher, o ser relativo...", diz Michelet. E é por isso que Benda afirma em Rapport d'Uriel: "O corpo do homem tem um sentido em si, abstracção feita do da mulher, ao passo que este parece destituído de significação se não se evoca o macho... O homem é pensável sem a mulher. Ela não, sem o homem". Ela não é senão o que o homem decide que seja; daí dizer-se o "sexo" para dizer que ela se apresenta diante do macho como um ser sexuado: para ele, a fêmea é sexo, logo ela o é absolutamente. A mulher determina-se e diferencia-se em relação ao homem e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial perante o essencial. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro.

A categoria do Outro é tão original quanto a própria consciência. Nas mais primitivas sociedades, nas mais antigas mitologias, encontra-se sempre uma dualidade que é a do Mesmo e a do Outro. A divisão não foi estabelecida inicialmente sob o signo da divisão dos sexos, não depende de nenhum dado empírico: é o que se conclui, entre outros, dos trabalhos de Granet sobre o pensamento chinês de Dumézil sobre as índias e Roma. Nos pares Varuna-Mitra, Urano-Zeus, Sol-Lua, Dia-Noite, nenhum elemento feminino se acha implicado a princípio; nem tampouco na oposição do Bem ao Mal, dos princípios fastos e nefastos, da direita e da esquerda, de Deus e Lúcifer; a alteridade é uma categoria fundamental do pensamento humano. Nenhuma coletividade se define nunca como Uma sem colocar imediatamente a Outra diante de si. Basta três viajantes reunidos por acaso num mesmo compartimento para que todos os demais viajantes se tornem "os outros" vagamente hostis. Para os habitantes de uma aldeia, todas as pessoas que não pertencem ao mesmo lugarejo são "outros"' e suspeitos; para os habitantes de um país, os habitantes de outro país são considerados "estrangeiros". Os judeus são "outros" para o antissemita, os negros para os racistas norte-americanos, os indígenas para os colonos, os proletários para as classes dos proprietários."

Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo

https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2018/03/beauvoir-o-segundo-sexo-volume-11.pdf

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Como seria viver numa sociedade matriarcal pacífica?


... Podemos imaginar?...
Por Carol P. Christ

Existem muitas razões para as mulheres, os escravos e os pobres se revoltarem contra autoridades injustas em sociedades de tipo patriarcal. Mas entretanto não devemos assumir que haja razões para a revolta contra a dominação quando ela não existe, nem para nos revoltarmos contra autoridades injustas em sociedades onde elas não existem.

Em resposta à minha série recente de textos sobre o patriarcado enquanto sistema de dominação criado pela intersecção do controlo da sexualidade feminina, com o sistema da propriedade privada e a guerra (Parte 1, Parte 2, Parte 3), várias pessoas me perguntaram se existe alguma forma de injustiça inerente a uma sociedade de tipo matriarcal que possa ter dado origem à criação do patriarcado pelos homens como expressão da sua revolta.

A ideia por detrás desta questão é que se as mulheres são dominadas pelos homens nas sociedades patriarcais, então os homens também foram dominados pelas mulheres nas sociedades pré-patriarcais. Implícita nesta questão está a ideia de que deve ter havido uma “boa razão” para o desenvolvimento do patriarcado. A ideia de que na origem não houve qualquer “boa razão” para a existência do patriarcado – caso “boa” signifique justa – é simplesmente demasiado dolorosa para poder ser considerada por muit@s de nós.

O elo perdido nesta questão é a nossa incapacidade de imaginarmos sociedades sem dominação.

Segundo Heidi Goettner-Abendroth, “sociedades matriarcais” são “sociedades pacíficas” nas quais nenhum dos géneros domina o outro.

As sociedades matriarcais têm 4 características em comum:

1  1. Praticam agricultura em pequena escala e conseguem a igualdade através da dádiva transformada em hábito social.

2  2. São igualitárias, matrilocais e matrilineares. Mulheres e homens são definid@s pela sua conexão com o clã materno que possui a terra em comum.

3  3. Têm sistemas bem desenvolvidos de obtenção de consenso nas tomadas de decisão, que garantem que todas as opiniões sejam tidas em consideração.

     4. Respeitam princípios como o amor, o cuidado com as outras pessoas, a generosidade, os quais associam à ideia de maternidade e que ambos os géneros são ensinados a manifestar. Veem frequentemente a Terra como a Grande Mãe.

Como seria viver numa sociedade pacífica “matriarcal”?

Enquanto crianças, não teríamos de lutar com as nossas irmãs e os nossos irmãos pela atenção da nossa mãe ou do nosso pai. Tanto as raparigas como os rapazes receberiam o mesmo amor e atenção da parte das mães, avós e ti@s. tanto as raparigas como os rapazes teriam a certeza de sempre terem lugar no clã materno. Tanto enquanto rapaz como enquanto rapariga nunca teríamos de nos “separar de” nem de rejeitar a nossa mãe para “fazermos a experiência de nós enquanto indivíduos” nem para “crescermos”. Poderíamos crescer sem necessidade de romper os laços com as pessoas que primeiro nos amaram e cuidaram de nós. 

Seríamos criad@s numa família alargada com irmãs, irmãos e prim@s, tod@s considerad@s noss@s irmãs e irmãos. Nunca nos sentiríamos sós. Nunca nos ensinariam a competir com as nossas irmãs e irmãos. Nunca nos atacaríamos entre nós porque comportamentos violentos não seriam apropriados dentro da família.
Quando chegássemos à idade de ter sexo, poderíamos ter todo o sexo que nos apetecesse. Ser-nos-ia ensinado que sexo é algo alegre e prazenteiro. Quando os casais já não sentissem atracção mútua, facilmente se separariam e encontrariam outras pessoas.

Não haveria razão para as famílias se preocuparem com o interesse das crianças pelo sexo. Como todas as crianças têm uma mãe e todas as mães têm casa no clã materno, não haveria crianças “ilegítimas”, “bastardas”, “mulheres perdidas”, “vadias” ou prostitutas. Como o sexo seria livre, a prostituição não faria qualquer sentido.
As crianças nascidas dessas relações teriam sempre um lar no clã da sua família materna. As mães seriam ajudadas na educação das crianças pelas suas irmãs e irmãos, pelas mães e avós, tias e tios. Uma jovem grávida ou com uma criança pequena nunca seria rejeitada nem “entregue à sua sorte”.

Com tanta ajuda, as mulheres poderiam trabalhar “fora de casa” nos campos comunitários juntamente com as suas e os seus parentes. Uma mãe nunca ficaria “confinada” ou “fechada” com as crianças. “O problema d@s sem nome” descrito por Betty Friedan não se poria. Mães que não se sentiriam sozinhas, nem oprimidas, não sentiriam qualquer necessidade de “fazerem as suas filhas e filhos pagarem” pela sua infelicidade.

Um jovem não teria a obrigação de “prover” ao sustento das crianças, uma vez que isso seria da responsabilidade do clã materno. Um jovem contribuiria para o seu próprio clã e ajudaria as suas irmãs e primas a cuidar das suas crianças. Estas crianças vê-lo-iam como o seu “modelo de masculinidade”. Os homens trabalhariam com as mães e as irmãs nos campos, em projetos de construção ou comércio com outros clãs.

Quer fossemos rapazes ou raparigas, homens ou mulheres, teríamos sempre a certeza de sermos amad@s, pois seríamos ensinad@s a amar e a cuidar das outras pessoas. Não seriamos ensinad@s a competir, enganar ou cumular para nós propri@s. Caso tivéssemos uma habilidade especial, seríamos encorajad@s a desenvolvê-la, mas nunca a pensarmos que isso nos tornaria superiores a qualquer outra pessoa.
Tanto enquanto rapazes como enquanto raparigas, seríamos ensinad@s a respeitar as pessoas de idade, em particular as avós e os avôs. Isto não significa que estas pessoas tomariam o poder sobre nós, porque os clãs teriam sistemas democráticos bem desenvolvidos de forma a obter consensos que permitiriam a qualquer voz ser ouvida antes da tomada de decisões importantes.

Seguramente que haveria conflitos, ciúmes e desentendimentos em sociedades pacíficas, mas quando os conflitos ocorressem, não seriam resolvidos pela força porque a todas as pessoas teria sido ensinado que a partilha e a generosidade de espírito são as melhores formas de resolver conflitos.

Sociedades pacíficas estão tão longe daquela em que vivemos e são estranhamente tão atraentes, que muitas pessoas julgam que elas nunca existiram. No entanto, sociedades pacíficas existiram em todos os continentes do planeta e existem ainda hoje em dia em vários níveis entre os povos Iroquois, os Zapotecas, os Kuna, os Shipibo, os Samoans, os Asante, os Khoisan, os Tuaregs, os Berberes, os Kasai, os Minangkabau, os Mosuo e outros.

Não sei o que acham, mas quanto a mim, eu adoraria viver numa sociedade assim. Se procuramos “razões para” a existência do patriarcado, não creio que a infelicidade dos homens em tais sistemas fosse uma delas. Tanto os rapazes como os homens são amados, honrados e altamente considerados. Eles não têm de lutar, de ir à guerra, para se afirmarem e têm todo o sexo que querem, portanto assumo que são extremamente felizes.

Adoro imaginar todas as pessoas da terra a viverem em sociedades pacíficas onde os valores do amor, da partilha e da generosidade são considerados os mais importantes. A “idade de ouro” não tem de ser uma ideia do passado. Sonho com a possibilidade dela ser o nosso futuro.

Carol Christ
Traduzido por Luiza Frazão

http://feminismandreligion.com/2013/03/25/what-might-it-be-like-to-live-in-a-society-of-peace-can-you-imagine-by-carol-p-christ/#comment-15510

 Imagem: Ian Macharia, Kargi, Quénia

domingo, 12 de julho de 2020

O Patriarcado é um sistema de dominação masculina criado pela intercessão da necessidade de controlo das mulheres, da propriedade privada e da guerra – primeira parte, Carol P. Christ


O patriarcado é frequentemente definido como um sistema de dominação masculina. Esta definição não esclarece, apenas obscurece, o complexo conjunto de factores que contribuem para o funcionamento do sistema patriarcal. Precisamos duma definição mais complexa se queremos compreender e desafiar o sistema patriarcal em todos os seus aspectos.

O patriarcado é o sistema de dominação masculina ancorado num etos de Guerra que legitima a violência, santificada pelos símbolos religiosos, no qual os homens dominam as mulheres através do controlo da sexualidade feminina, com a intenção de legarem a propriedade aos herdeiros masculinos, e no qual os homens, heróis de guerra, são instruídos para matar homens, autorizados a violar mulheres, a apoderarem-se da terra e das suas riquezas, a explorarem recursos e a apropriarem-se ou dominarem por qualquer meio os povos conquistados.

Marx e Engels disseram que a família patriarcal, a propriedade privada e o estado surgiram ao mesmo tempo. Embora a sua compreensão das sociedades que precederam o patriarcado tenha falhas, a intuição que tiveram de que o patriarcado está ligado à propriedade privada e à dominação em nome do Estado está correta. Desde há muito que é óbvio para mim que o patriarcado não pode ser separado da Guerra e dos reis que tomam o poder na sequência da guerra. Fiquei surpreendida há anos com a alegação de Merlin Stone de que na sociedade matrilinear não existem crianças ilegítimas porque todas as crianças têm mãe. Mais tarde, tentei perceber por que razão a Igreja de Roma e outras igrejas e o Partido Republicano na América se opõem tão fortemente ao direito das mulheres controlarem o seu próprio corpo e tentam a todo o custo impedir o seu direito ao aborto.

Na definição do patriarcado que dou acima, junto todas estas questões numa síntese que descreve além das suas origens a forma como está relacionado com o controlo da sexualidade feminina, com a questão da propriedade privada, da guerra, da conquista, da violação usada como arma de guerra e do recurso à escravidão.

O sistema que defino como patriarcal é um sistema de dominação reforçado pela violência ou pela ameaça da violência. É um sistema desenvolvido e controlado por homens poderosos, no qual as mulheres, crianças, outros homens e a própria natureza são dominadas. Devo entretanto acrescentar que não acredito que esteja na “natureza” do homem dominar pela violência. O sistema patriarcal tem uma origem histórica, o que significa que não é eterno nem inevitável. Houve mulheres e homens que ofereceram resistência ao patriarcado ao longo da sua história. Podemos juntar-nos também hoje em dia para lhe oferecermos resistência.

A minha definição de patriarcado foi influenciada por novos dados da pesquisa feita por Heidi  Goettner-Abendroth em Sociedades de Paz, que faz avançar o nosso entendimento das sociedades pré-patriarcais que ela designa por “matriarcais” “sociedades de paz”.

Goettner-Abendroth identifica a estrutura profunda dos matriarcados usando quarto marcadores: 

1) económico: estas sociedades usualmente praticam agricultura em pequena escala e conseguem relativa igualdade económica através da dádiva enquanto hábito social; 

2) social: estas sociedades são igualitárias, matrilineares, matrilocais, sendo a terra propriedade do clã materno e com ambos os géneros, mulheres e homens, permanecendo no respetivo clã materno; 

3) político: estas sociedades são igualitárias e possuem sistemas democráticos de consenso bem desenvolvidos; 

4) cultura, espiritualidade: estas sociedades tendem a considerar a Terra como a Grande Mãe Doadora. Mais importante e permeando tudo o resto, estas sociedades honram princípios de cuidado, amor e generosidade que associam à ideia de  maternidade, acreditando que tais princípios devem ser praticados tanto pelas mulheres como pelos homens.

A cultura Mosuo dos Himalaias, objeto de estudo recente, mesmo encontrando-se em vias de desaparecimento, é um exemplo clássico. Fiquei a saber da sua existência ao ouvir a discussão de Michael Palin sobre os hábitos sexuais das mulheres de Mosuo no seu documentário sobre os Himalaias. Estas mulheres explicaram a Palin que na sua cultura as mulheres e os homens se definem a si próprias e a si próprios através da sua conexão com a clã materno. Quando uma rapariga atinge a idade da maturidade sexual, a mãe prepara-lhe um quarto onde ela poderá convidar um rapaz para jantar. Caso este lhe agrade, ele é convidado a passar a noite com ela. As crianças nascidas destas relações tornam-se parte do clã materno. O papel do pai é assumido pelos tios e irmãos da mãe, sendo o papel desta partilhado com as irmãs. Quando algum membro dum casal se cansa da relação, esta acaba e cada pessoa encontra um novo parceiro ou uma nova parceira. Obviamente que o Michael Palin teve alguma dificuldade para acreditar no que as mulheres lhe contavam.

 Esta história ilustra uma importante diferença entre os costumes matrilineares e matrifocais dos Mosuo e os das culturas patriarcais com os quais estamos familiarizadas. Entre as mulheres desta etnia é de norma a livre escolha dos parceiros sexuais. Não existem crianças ilegítimas nesta cultura porque todas têm uma mãe. Não existem mulheres “perdidas” (bom reflectir sobre o sentido deste termo) nem prostitutas porque as mulheres são livres para terem relações com quem decidirem. A dicotomia entre a santa e a pecadora tão bem conhecida nas culturas patriarcais pura e simplesmente não existe aqui.

Com o contraste fornecido por Mosuo, é possível entender a um nível mais profundo que o patriarcado é um sistema de dominação masculina no qual o homem domina a mulher através do controlo da sexualidade feminina. O controlo da sexualidade feminina através da instituição do casamento não é acidental no patriarcado, sendo pelo contrário algo central. Os costumes que rodeiam o casamento patriarcal, incluindo a exigência de que a noiva esteja intocada ou “virgem”, a protecção da virgindade das raparigas pelo pai e pelos irmãos, o isolamento das raparigas e das mulheres, a exigência de estrita fidelidade da parte das esposas em relação aos maridos, e a imposição destes hábitos com o recurso à vergonha pública, à violência, ou ameaça de violência, tem um propósito: assegurar que os descendentes do homem sejam legítimos, sejam dele. Enquanto saber quem é a mãe biológica é fácil, ter a certeza de quem é  o verdadeiro pai é bem mais difícil. Se uma mulher tem mais do que um amante, então, sem teste de DNA que apenas foi descoberto recentemente, é quase impossível ter a certeza sobre quem é o pai. Uma primeira solução para esse dilema consiste em definir a paternidade de outra forma e uma segunda solução é o absoluto controlo sobre a sexualidade das mulheres.

Entretanto podemos perguntar-nos por que razão é tão crucial para um homem saber quem são os seus filhos biológicos que um complicado sistema de isolamento, vergonha e controlo da sexualidade feminina teve de ser posto em prática? A resposta encontra-se na próximo segmento da minha definição: o patriarcado é um sistema de dominação masculina no qual o homem domina a mulher através do controlo da sua sexualidade com a intenção de transmitir a propriedade aos herdeiros masculinos. Marx e Engels tinham razão ao afirmarem haver uma relação entre patriarcado e propriedade privada.  Não haveria necessidade do homem ter tanta certeza sobre a paternidade das suas crianças se a instituição da propriedade privada não existisse e se o valor dos indivíduos não fosse definido em função da propriedade que detêm e transmitem aos seus herdeiros, habitualmente do género masculino.

Apercebi-me recentemente de que a palavra “herança” ou “propriedade herdada” em grego moderno, “periousia”, derivada do grego antigo, ilustra a conexão entre propriedade e identidade de forma mais óbvia do que a palavra “herança”. “Ousia” no grego antigo refere-se ao ser ou à essência do indivíduo. “Peri-ousia” é aquilo que rodeia o ser essencial e portanto define “quem” se “é”. O seu sentido óbvio é que “quem se é” é definido pela “propriedade” que se herda e se transmite. Sem a clara identificação da “essência” dum homem com a sua propriedade, não seria necessária uma preocupação tão grande com a certeza de que o herdeiro da propriedade do pai é de facto o seu filho biológico.  

Fevereiro 18, 2013

Imagens:
1. Yves Yves, Unsplash 
2. Estandartes das Deusas do mundo, de Lydia Ruyle, cenário da Conferência da Deusa Portugal 2019, Sintra
3.Cariátides, museu de arqueologia da Acrópole, Atenas

terça-feira, 2 de junho de 2020

A imagem de Deus enquanto Pai, Filho e Espírito: A raiz do problema


"Vários anos de pós-graduação em teologia convenceram-me de que havia algo de errado com a imagem tradicional de Deus. O meu questionamento começou com as palavras dos teólogos sobre as mulheres. A mulher era corpo, o homem era alma, a mulher era carne, o homem espírito. Por causa da sua fraca capacidade racional, a mulher foi persuadida pela serpente, porque não podia controlar as suas paixões, ela foi seduzida. Eu era uma mulher e, por mais que tentasse, não conseguia ver-me na fotografia. Eu sabia que a minha mente era tão boa como a de qualquer outra pessoa e não via o meu corpo como uma fonte de tentação. Gradualmente, comecei a perceber que a imagem de Deus enquanto Pai, Filho e Espírito estava na raiz do problema. Fosse o que fosse que eu fizesse, jamais seria “à sua imagem”. Embora esperasse encontrar em Deus um pai que amaria e aceitaria o meu eu feminino, parecia que "ele", tal como o meu pai e a maioria dos meus professores, gostava mais dos rapazes. Decidi que, a menos que pudéssemos chamar Deus de Mãe, assim como de Pai, de Filha tal como de Filho, as mulheres e as raparigas nunca poderiam ser valorizadas.

À medida que me afastava cada vez mais de Deus como Pai, sentia-me incapaz de ir à igreja, de cantar hinos ou de orar. Sem novas imagens para substituir as que eu não podia mais aceitar, sentia-me vazia. Uma noite, já bem tarde, a raiva foi crescendo dentro de mim. Gritei a Deus: "Quero que saibas o quanto eu sofri porque permitiste que te nomeassem à imagem do homem como o Deus dos pais, como homem de guerra, como rei do universo". Chorei de dor e rejeição, até esgotar as lágrimas. No silêncio que se seguiu, ouvi uma voz: “Em Deus existe uma mulher como tu. Ela partilha do teu sofrimento.”

Um ano depois quando ouviu o nome da Deusa numa oficina dinamizada por uma mulher chamada Starhawk, senti que a experiência de toda a minha vida se confirmava. Starhawk descreve a Deusa como

A Mãe Terra, que sustenta todas as coisas que crescem, que é o corpo, os nossos ossos e células. Ela é o ar - os ventos que se movem nas árvores e sobre as ondas, a respiração. Ela é o fogo da lareira, a fogueira ardente e o vulcão fumegante, o poder de transformação e mudança. E ela é a água - o mar, fonte original de vida, os rios, córregos, lagos e poços, o sangue que flui nos rios das nossas veias. Ela é égua, vaca, gato, coruja, grou, flor, árvore, maçã, semente, leão, porca, pedra, mulher. Ela pode ser encontrada no mundo à nossa volta, nos ciclos e estações da natureza, na mente, corpo, espírito e emoções de cada um e uma de nós.

Imagens da Deusa retratam o poder feminino como criativo e vital. Imagens da Deusa dizem-nos que nós participamos dos mistérios da natureza, nos ciclos de nascimento, morte e renovação. Foi ela quem eu intuí quando respondi às imagens da natureza nas palavras dos profetas e na relação Eu-Tu de Burber com uma árvore (1). Era Ela que eu procurava quando expressei a minha raiva a Deus. Ela era aquela que eu não conhecia. Ela era aquela que eu sempre conheci.

O anseio por uma imagem feminina de Deus foi despertado em mim pelo ressurgimento do movimento das mulheres. O despertar da nossa consciência trouxe-nos um modelo de espaço feminino onde podíamos partilhar as nossas histórias, "ouvirmo-nos umas às outras", permitir que a Deusa ressurgisse no meio de nós. Descobrimos livros escritos décadas antes que raramente tinham sido retirados das bibliotecas: M. Esther Harding, Jane Ellen Harrison, G. Rachel Levy e Helen Diner. Lemos sobre a Deusa em jornais e boletins, em livros recém-publicados: Jean Mountaingrove, Ruth Mountaingrove, Z. Budapeste, Hallie Mountain-Wing, Merlin Stone, Elizabeth Gould Davis, Marija Gimbutas, Charlene Spretnak, Starhawk e Elizabeth Gould Davis. Criámos grupos de estudo e círculos rituais. "A Deusa está viva. A magia está no ar", cantámos alegremente.”


(1)    Quando comecei a estudar a Bíblia Hebraica na faculdade, fui atraída pelas imagens que os profetas apresentavam das árvores do campo batendo palmas no dia da redenção, das montanhas e colinas que ressoavam em cânticos. Não entendi pois quando os meus professores disseram tratar-se dum exemplo da falácia patética, definida por eles como a atribuição de sentimentos a objectos inanimados. Eu pensava que as palavras dos profetas se expressavam a nossa profunda comunhão com a natureza.

Carol P. Christ, in Rebirth of the Goddess: Finding Meaning in Feminist Spirituality, 1997

quarta-feira, 20 de maio de 2020

FEMININO RACIONAL E INTUITIVO - INVENÇÕES DAS MULHERES CRUCIAIS PARA A EVOLUÇÃO HUMANA


As mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a tecelagem e criaram a religião neolítica 
CAROL P. CHRIST em 11 de maio de 2020

Quando olho para os dois capítulos da história da deusa no meu livro Rebirth of the Goddess (1996), há muito pouco que eu mudaria, mas há novas evidências que acrescentaria.  Antes de abordar a questão, gostaria de destacar dois pontos importantes que introduzi ao discutir a história da deusa, que muitas vezes são ignorados por outras pessoas na sua investigação. O primeiro é que as mulheres foram as prováveis ​​inventoras de três novas tecnologias no início da era neolítica: a agricultura (porque eram colectoras de plantas e preparadoras de alimentos vegetais), a cerâmica (principalmente usada para armazenamento e preparação de alimentos) e a tecelagem (papel das mulheres em quase todas as sociedades tradicionais). A segunda é que a chamada "era da Deusa" não é um estágio da cultura mais "primitivo" ou "inconsciente" que precisava de ser substituído ou derrubado por culturas guerreiras patriarcais mais "evoluídas" ou mais "racionais".

Teóricos da cultura, como o psicólogo arquetípico Carl Jung, afirmam que "o feminino" representa os modos inconscientes e não-racionais de conhecer, como a intuição. Disto se segue para ele que a época da Deusa era a época do inconsciente. Isso soa bem a algumas mulheres e até a algumas feministas que experimentaram aspectos das tradições filosóficas, teológicas e científicas racionais como dogmáticas, autoritárias e erradas! Erradas sobre as mulheres e erradas quando excluem outras formas de conhecimento "racionais" que não sejam as estritamente definidas. No entanto, existem razões importantes para rejeitar a teoria de Jung.

A teoria de que culturas mais “femininas” ou pré-patriarcais anteriores são inconscientes ou pré-racionais foi usada por Jung e seus seguidores para justificar a destruição de culturas anteriores por grupos guerreiros patriarcais, a fim de permitir que a humanidade desenvolvesse os chamados modos racionais de pensar identificados como "masculinos". O fato dos homens considerados racionais dessas culturas serem guerreiros, subordinarem as mulheres, tomarem terras alheias e escravizarem outros seres humanos raramente é considerado como sendo algo contrário à sua suposta superioridade. Além disso, a teoria de que as culturas da Deusa pré-patriarcais do Neolítico podem ser categorizadas como inconscientes de forma alguma explica as invenções tecnológicas que definem a era neolítica. As mulheres não acordaram uma manhã com a intuição de que, se plantassem sementes e as regassem, as colheitas cresceriam. A invenção da agricultura envolveu um longo processo de observação e teste. As mulheres também não inventaram recipientes quando inconscientemente observaram serpentes enroladas ou inventaram cozer a cerâmica no fogo quando acidentalmente uma panela caiu numa fogueira. Essas coisas podem ter acontecido, mas elas só teriam levado à invenção da cerâmica se alguém "pensasse" no que havia ocorrido e tivesse tomado uma decisão consciente de testar as ideias e depois repetir o processo até ao seu aperfeiçoamento. O mesmo se aplica à ideia ainda mais contra-intuitiva de que a lã ou o linho podem ser fiados, isto é, transformados em fios e que destes se pode produzir tecidos. A invenção da agricultura, cerâmica e tecelagem surgiu através de longos processos de observação da natureza (observação científica) e tentativa e erro (experimentação científica). Provavelmente, a intuição estava envolvida (como os cientistas modernos estão cada vez mais admitindo nas suas próprias descobertas), mas foi complementada pelo que devemos chamar de pensamento racional e métodos científicos. As mulheres nunca estiveram "atoladas" no inconsciente ou "limitadas" a maneiras não-racionais de conhecer. Sempre usámos maneiras racionais e não racionais de conhecer, a fim de melhorar as condições de vida para nós e para as nossas famílias.

O fato das mulheres serem as possíveis inventoras da agricultura, cerâmica e tecelagem tem implicações importantes para o entendimento da religião neolítica. As mulheres teriam codificado as técnicas que descobriram na música, na história e na dança, a fim de transmitir os seus conhecimentos às  gerações seguintes. (“É assim que plantamos as sementes, plantamos as sementes…”). Em outras palavras, as mulheres não foram apenas as inventoras da agricultura, da cerâmica e da tecelagem, mas também as criadoras dos ritos religiosos relacionados com as suas invenções - como rituais de plantio e  de colheita - isso teria sido central nas culturas neolíticas. Se as mulheres inventaram a agricultura, a cerâmica e a tecelagem, é difícil acreditar (como geralmente se supõe) que padres ou xamãs do sexo masculino foram os principais criadores da religião neolítica. Embora eu acreditasse que as mulheres  foram as criadoras da religião neolítica quando escrevi Rebirth, estou ainda mais certa disso agora. Nos anos 30, Marija Gimbutas gravou mais de 5000 canções folclóricas no interior da Lituânia, muitas delas cantadas apenas por mulheres, e a maioria delas relacionadas com plantio e colheita, nascimento e casamento. Pesquisas em sociedades matriarcais vivas, como Minangkabau e Mosuo, mostram que as mulheres orquestram e transmitem rituais importantes relacionados com o plantio, nascimento e maioridade. Muitos desses rituais envolvem alimentos e roupas especiais, um reflexo e uma celebração do trabalho e da inteligência das mulheres.

Excerto do novo prefácio para leitoras/es coreanas/os da próxima tradução coreana de Rebirth of the Goddess.


Carol P. Christ é uma escritora, activista e educadora feminista e ecofeminista internacionalmente conhecida em vias de se mudar para mudar para Heraklion, em Creta. Os livros recentes de Carol são: Goddess and God in the World: Conversations in Embodied Theology e A Serpentine Path: Mysteries of the Goddess.


 Imagens: Creta

sábado, 9 de maio de 2020

A VISÃO MÃEMUNDO 2020

MãeMundo é uma sociedade na qual a mãe e os valores maternais de amor, atenção e apoio mútuos e para com a Mãe Terra e todas as Suas criaturas e a natureza são colocados no centro das nossas vidas e comunidades.


MãeMundo é a sociedade na qual os valores criativos e de afirmação da vida, acções, ideias e conhecimento são honrados e incentivados em mulheres, homens, crianças e em todos os géneros. É uma sociedade que se baseia no facto de que todas e todos vivemos na nossa Mãe Terra. Ela é nossa Grande Mãe, a Fonte e o Fundamento de tudo o que somos e de tudo o que temos. Somos as Suas criaturas. Precisamos cuidar da nossa mãe, de todas as pessoas e de toda a vida.

As Mães humanas dão vida e amor aos seus bebés. As mães carregam uma nova vida no seu ventre, geralmente por nove meses, e dão à luz filhos e filhas, que dependem delas por muitos anos. As mães são as principais cuidadoras do mundo, nutrem e criam a sua progenitura. Elas não fazem isso sozinhas, mas com o apoio amoroso dos pais, da família e da sociedade em geral. Essas crianças são o futuro da nossa espécie humana, do nosso mundo. Se não cuidarmos e apoiarmos as mães, essa falta de apoio prejudicará a sua capacidade de oferecerem incondicionalmente amor e carinho às suas filhas e filhos. Por sua vez, as crianças tornam-se pessoas adultas debilitadas, e assim os ciclos de danos continuam. As nossas famílias e sociedades precisam honrar e cuidar de todas as mães.

Esta visão MãeMundo exige uma “sea-change” (termo usado por Shakespeare em “A Tempestade”), uma mudança radical, uma alteração na forma como vivemos sobre a Mãe Terra e na maneira como criamos e projectamos as nossas sociedades para o futuro. Ela incentiva todos os indivíduos e comunidades a reconhecerem e a honrarem as Mães e todas as Mulheres, os nossos pensamentos e sentimentos, os nossos corpos, as nossas experiências, nossas vozes e os nossos valores de mulheres. Esta visão pede que todos e todas nós nos abramos ao Feminino Profundo nas nossas vidas pessoais e colectivas.

Valores fundamentais na nova MãeMundo:

Honrar a Mãe Terra como o ser vivo que é. Proteger e cuidar da Terra, da Água, do Fogo, do Ar e do Espaço, e de todos os seres que vivem no Seu mundo. Honrar todas as formas de ser mãe, bem como os pais, honrar todas e todos os cuidadores, celebrar, apoiar e nutrir crianças e jovens. Amor pelos e pelas nossas semelhantes, bondade, apoio, respeito, cuidado e compaixão.

Valores sugeridos para a nova MãeMundo incluem:

Honestidade, integridade pessoal, autenticidade, capacidade de se relacionar com as outras pessoas à sua volta, diversidade, direito à escolha, discernimento, inclusão, confiança, beleza, expressão emocional, escuta, limites claros, reflexão, desenvolvimento da alma, empoderamento, cura da Sombra, compaixão, felicidade, busca da sabedoria, incentivo ao auto-respeito, auto-responsabilidade, auto-estima, autoconfiança, autodisciplina, auto-reflexão; oração, cerimónia, serviço, conexão, parceria, generosidade, partilha da riqueza, capacidade de dar e receber, humor, criatividade, educação para todas as pessoas, resolução não violenta de conflitos, cuidado e protecção da Mãe Natureza e de todos os seres vivos, produção ética de bens e de serviços, protecção das pessoas mais vulneráveis e valorização da Sabedoria das Anciãs e Anciãos e da nossa ancestralidade.
MãeMundo é a sociedade onde as estruturas patriarcais e os valores de dominação, abuso de poder, controlo e coerção, ganância, lucro excessivo, competição destrutiva, violência, estupro, guerra, escravidão, sofrimento, fome, pobreza e poluição da Mãe Terra e de sua atmosfera, são reconhecidos como expressões sombrias da humanidade, que precisam ser desafiadas, desconstruídas, transformadas e curadas. No MãeMundo, práticas de cura para indivíduos, comunidades e para a própria Terra são incentivadas e prontamente disponibilizadas para todas as pessoas.

Na MãeMundo, reconhecemos que todos nós, seres humanos, carregamos feridas do nosso condicionamento patriarcal - padrões emocionais e mentais que podem ser activados quando tentamos mudar o nosso mundo. Dentro da nossa comunidade, estamos particularmente conscientes do nosso material psíquico mais sombrio, que inclui inveja, ciúme, julgamento, competição, sabotagem, punição, culpa, intriga, ressentimento, acusação e humilhação, projecção de emoções negativas, raiva, ira, medo, solidão, sensação de abandono, falta de amor próprio, de auto-estima e de autoconfiança, como resultado das nossas experiências culturais e cármicas individuais.

Na MãeMundo, um dos nossos primeiros cuidados é o amor e apoio mútuos, assumindo a responsabilidade pelas nossas emoções sombrias reprimidas e muitas vezes hostis. Essas sombras podem minar todos os nossos melhores esforços para mudarmos a nossa forma de agir nos nossos relacionamentos pessoais e sociais, nas nossas vidas como pessoas que amam a Deusa e vivem num mundo patriarcal, o que tantas vezes nos impede de experimentar o nosso verdadeiro poder. Aqui temos vindo a desenvolver habilidades e técnicas de expressão emocional, que nos ajudam a realmente ouvir cada pessoa e a oferecer reflexão e apoio quando necessário, para que possamos curar essas feridas. Esse trabalho pessoal de cura precisa e pode ser acelerado neste momento com a ajuda da comunidade MãeMundo, que nos mantém em segurança compassiva, enquanto trabalhamos para curar as nossas feridas.

O nome MãeMundo teve origem no romance de Barbara Walker “Amazon”, onde a autora descreve uma antiga sociedade matriarcal fictícia que vive em comunhão com a Terra. A nossa visão, entretanto, não é um retorno a uma sociedade assim, mas um movimento de avanço para um novo tipo de comunidade centrada na vida das mães, onde todas as pessoas são valorizadas, apoiadas e apreciadas, e onde podemos experimentar juntas novas ideias e formas de viver. A visão MãeMundo evoca um mundo amoroso, onde reconhecemos que somos mantidas e mantidos em segurança no abraço da Grande Mãe.


O Apelo MãeMundo

• Apelamos ao empoderamento de mulheres e de homens de todas as idades.
• Apelamos ao pagamento pelos governos e sociedades de um bom salário a todas as mães e cuidadoras e cuidadores de crianças, dependentes, jovens ou adultos, idosas e idosos, e outras pessoas enfermas ou incapacitadas.
• Apelamos à paz no nosso mundo.
• Apelamos ao fim da ameaça e da agressão pelo poder-sobre em todas as suas formas.
• Apelamos ao fim de toda a violência - violência contra mulheres e meninas, meninos e homens, incluindo agressão, estupro, mutilação genital, circuncisão, escravidão, tráfico de pessoas, tortura, assassinato e guerra.
• Apelamos ao fim do comércio de armas e da propriedade pessoal e social de armas perigosas.
• Apelamos ao fim da fome, da pobreza, da falta de habitação e da apropriação dos recursos da terra por poucas pessoas à custa do esforço de muitas.
• Apelamos ao fim de todo o sacrifício humano e animal para fins religiosos, políticos ou sociais.
• Apelamos ao fim de todas as formas de crueldade humana e animal.
• Apelamos ao fim de todas as desigualdades baseadas em género, raça, orientação sexual, deficiência e idade.
Chegou a hora destas mudanças ocorrerem.

A Visão MãeMundo foi recebida pela primeira vez em 2012 pela Sacerdotisa de Avalon, Kathy Jones, e foi desenvolvida, ampliada e refinada pela comunidade da Deusa do Templo da Deusa de Glastonbury. Esta Visão é continuamente inspirada pela Senhora de Avalon, Grande Deusa do Amor, Compaixão, Cura e Transformação da Ilha Sagrada de Avalon, Lugar de Maçãs. Esta visão também está sendo recebida por outras pessoas em diferentes comunidades e lugares do mundo e de diferentes formas.

A Visão MãeMundo é inclusiva e sem fronteiras. Ela suporta todas as pessoas - mulheres, crianças, homens e todos os géneros, em todos os lugares, que estão se esforçando para trazer de volta os valores da Deusa e do Feminino para as nossas vidas e sociedades, mudando o nosso mundo para melhor. A MãeMundo favorece a diversidade de expressões, pois a Mãe ama todas Suas filhas e filhos com os seus diferentes caracteres e modos de expressão.

Em agosto de 2019, foi criado o Partido Político MotherWorld, no Reino Unido, e Sue Quatermass foi a primeira candidata do MotherWorld a participar das Eleições Gerais no nosso país. Esperamos que haja mais candidaturas pelo partido MotherWorld nas eleições do Reino Unido e mais partidos MotherWorld/MãeMundo em outros países.

Desde 2012, esta Visão é apoiada por centenas de pessoas que assinaram o seu compromisso com a MotherWorld/MãeMundo on-line e por correio. Todas as pessoas que concordam com esta visão são convidadas a assumir o seu compromisso pessoal na página do Facebook MotherWorld e a começar a criar a Motherworld/MãeMundo nas suas próprias comunidades.

As comunidades e redes da MotherWorld/MãeMundo podem ser formadas por qualquer grupo de pessoas que concorda com os seus valores e princípios. Pedimos que todas as pessoas que assumem o compromisso com a MotherWorld/MãeMundo se conectem e permaneçam conectadas, criando uma rede mundial de amor e apoio aos nossos valores e acções criativas.

Compromisso com a visão MotherWorld/MãeMundo

A seguir, são sugeridos compromissos a serem assumidos por todas as pessoas que desejam co-criar a MãeMundo:
Comprometo-me a amar e apoiar a visão, as pessoas e os valores da MotherWorld, conforme descrito. A minha intenção é ajudar a trazer a MãeMundo à existência nos meus pensamentos, palavras e acções no mundo. Apoio a visão MãeMundo. Comprometo-me a assumir a responsabilidade pelos meus próprios ferimentos emocionais e mentais e pela sua cura.

Poderá registar o seu próprio compromisso com a MotherWorld/MãeMundo enviando esta declaração para o Templo da Deusa de Glastonbury, 2-4 High Street, Glastonbury BA6 9DU, Reino Unido, ou assinando on-line em www.goddesstemple.co.uk ou na página do Facebook da MotherWorld.