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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FILHAS DO PATRIARCADO


“É precisamente na mulher que tem uma relação pobre com a mãe que o arquétipo do si mesmo primeiro se constela, naquela que tende a buscar a sua plenitude através do pai ou do homem amado. […] Uma mulher expressou isso quase como um manifesto no começo da análise:
“Eu insisto em ter o carinho dum homem. Qualquer fonte feminina me enfurece. O homem é responsável pelo universo. As mulheres  não passam dum segundo lugar. Odeio túneis, Kali, minha mãe e este corpo de mulher. O que eu quero é um homem.”

O problema é que nós, mulheres muito feridas na relação com o feminino, quase sempre temos uma persona muito eficiente, uma boa imagem pública. Crescemos como filhas dóceis do patriarcado, frequentemente intelectuais e dotadas daquilo que denominarei “egos-animus”. Lutamos por defender as virtudes e ideais estéticos a nós apresentados pelo superego patriarcal. Mas enchemo-nos de autorrejeição e de uma sensação de profunda feiura e fracasso quando não conseguimos satisfazer nem aliviar as exigências de perfeição do superego.

Uma mulher com mais de dez anos de análise junguiana disse-me: “Passei anos tentando relativizar uma coisa que nunca tive: um ego verdadeiro”. Realmente, ela tem apenas um ego-animus, e não um que seja verdadeiramente seu para se relacionar com o inconsciente e com o mundo exterior. A sua identidade baseia-se em adaptações da persona àquilo que o animus lhe diz que deve ser feito; assim, ela a um só tempo, adapta-se às projeções que lhe impingem e revolta-se contra elas. 

Consequentemente, essa mulher quase não tem o sentido do seu núcleo pessoal de identidade, do valor e do ponto de vista femininos. Isto acontece por se terem valorizado, em relação às mulheres ocidentais, virtudes que frequentemente apenas se definem pela sua relação com o masculino: a mãe e esposa fecunda e bondosa; a filha agradável, dócil e delicada; a companheira diligente, discretamente encorajadora ou brilhante.

Como tantas escritoras feministas declararam pelos tempos afora, esse modelo coletivo e o comportamento daí resultante é inadequado para a vida; nós mutilamo-nos, enfraquecemo-nos, silenciamo-nos e enfurecemo-nos, tentando comprimir os nossos espíritos dentro dele, na certa exatamente como as nossas avós deformaram os seus corpos sensíveis dentro de espartilhos, por causa dum ideal.”

Sylvia Brinton Perera, Caminho para a Iniciação Feminina, Edições Paulinas, São Paulo, 1985 (adaptado)

Imagem: Liv Tyler em "O Senhor dos Anéis" (clique sobre a imagem para uma definição de consceitos junguianos como "anima" e "animus")


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