“É precisamente na mulher que tem
uma relação pobre com a mãe que o arquétipo do si mesmo primeiro se
constela, naquela que tende a buscar a sua plenitude através do pai ou do homem
amado. […]
Uma mulher expressou isso quase como um manifesto no começo da análise:
“Eu insisto em ter o carinho dum
homem. Qualquer fonte feminina me enfurece. O homem é responsável pelo
universo. As mulheres não passam dum
segundo lugar. Odeio túneis, Kali, minha mãe e este corpo de mulher. O que eu
quero é um homem.”
O problema é que nós, mulheres
muito feridas na relação com o feminino, quase sempre temos uma persona muito eficiente, uma boa imagem
pública. Crescemos como filhas dóceis do patriarcado, frequentemente
intelectuais e dotadas daquilo que denominarei “egos-animus”. Lutamos por
defender as virtudes e ideais estéticos a nós apresentados pelo superego patriarcal. Mas enchemo-nos de autorrejeição
e de uma sensação de profunda feiura e fracasso quando não conseguimos
satisfazer nem aliviar as exigências de perfeição do superego.
Uma mulher com mais de dez anos
de análise junguiana disse-me: “Passei anos tentando relativizar uma coisa que
nunca tive: um ego verdadeiro”. Realmente, ela tem apenas um ego-animus, e não um que seja
verdadeiramente seu para se
relacionar com o inconsciente e com o mundo exterior. A sua identidade
baseia-se em adaptações da persona
àquilo que o animus lhe diz que deve
ser feito; assim, ela a um só tempo, adapta-se às projeções que lhe impingem e revolta-se
contra elas.
Consequentemente, essa mulher quase não tem o sentido do seu
núcleo pessoal de identidade, do valor e do ponto de vista femininos. Isto acontece
por se terem valorizado, em relação às mulheres ocidentais, virtudes que
frequentemente apenas se definem pela sua relação com o masculino: a mãe e
esposa fecunda e bondosa; a filha agradável, dócil e delicada; a companheira
diligente, discretamente encorajadora ou brilhante.
Como tantas escritoras
feministas declararam pelos tempos afora, esse modelo coletivo e o
comportamento daí resultante é inadequado para a vida; nós mutilamo-nos, enfraquecemo-nos,
silenciamo-nos e enfurecemo-nos, tentando comprimir os nossos espíritos dentro
dele, na certa exatamente como as nossas avós deformaram os seus corpos
sensíveis dentro de espartilhos, por causa dum ideal.”
Sylvia Brinton Perera, Caminho
para a Iniciação Feminina, Edições Paulinas, São Paulo, 1985 (adaptado)
Imagem: Liv Tyler em "O Senhor dos Anéis" (clique sobre a imagem para uma definição de consceitos junguianos como "anima" e "animus")
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