A verdade é que talvez não seja assim tão estranha a vinda desta relíquia
(a cabeça de santa Brígida) para Portugal e a pedido de D. Dinis, pois afinal este nosso território
terá pertencido ao mesmo universo mítico de que fazia parte esta deusa
tornada santa, cuja figura e o destacado valor atribuído a cabeça – fenómeno
integrado no culto das cabeças – representam apenas a ponta de
um icebergue chamado celtismo.
Celtismo esse que reivindicamos como
uma possível realidade histórica, assente sobretudo em dados arqueológicos,
genéticos, linguísticos, antropológicos ou etnológicos, os mesmos
de que nos temos servido ao longo de trabalhos anteriores e que, neste
caso, continuam a ser válidos. Desses dados faz parte também a tradição mítica, tanto irlandesa, como escocesa, que diz dever a sua própria fundação
a descendentes de príncipes ibéricos, designadamente Gatelo ou
Mil, os chamados Milesianos, provenientes da Península Ibérica, onde
também tinham fundado Portugal, em 1553 a. C.107.
E a força desta tradição
é tanta nos países britânicos que a pedra (dita fadada) onde Gatelo
aqui se sentava para fazer justica e receber a vassalagem dos seus súbditos
terá sido levada, segundo a lenda, primeiro para a Irlanda, depois
para a Escócia e, por fim, para Inglaterra. Tomou o nome de Lia Fail ou
Pedra da Coroação e sobre ela se coroavam (e coroam) os reis legítimos:
ainda hoje existe, guardada na Escócia, e continua a desempenhar a mesma
função, pois será trazida para Inglaterra para coroar o rei sucessor de
Isabel II.
Mas recuando, ainda mais, ao “refugio ibérico”, um dos locais mais
importantes da Europa onde o Homo sapiens sapiens se reuniu para sobreviver
à glaciação, até há 16 ou 17 mil anos, quase nos atrevemos a dizer
que a afirmação da vinda da cabeça de Santa Brígida para ser entregue a
D. Dinis, rei de Portugal, é o vestígio simbólico de um “regresso às origens” do mito.
Nessa época longínqua e de difícil sobrevivência estávamos
“num tempo em que o mito e o rito eram o sistema fundamental de
representação e organização do universo mental da humanidade e a
consciência assumia de facto a forma e o conteúdo do património tradicional
dos contos e dos rituais colectiva e individualmente próprios de
uma dada população. [...] o corpo mítico-ritual assegurava, assim, a sobrevivência do grupo[...]”.
E acerca do fenómeno do mito e da sua transmissão, de forma ritmada e rimada para mais fácil memorização, também
as ciências cognitivas afirmam que um povo sem mitos nunca teria
sobrevivido às ásperas condições de então.
Assim, mito e celtismo serão as duas faces da mesma moeda que
estão na base da Historia e da tradição deste vasto território ocidental
europeu de que fazemos parte. E que estarão na base deste fenómeno
de uma deusa/santa em Lisboa.
O eco que encontrou, aqui em Lisboa,
a cabeça da padroeira irlandesa com toda a panóplia dos rituais seus
derivados – que a seguir desenvolveremos – enquadra-se, assim, de
um modo mais compreensivo, na nossa cultura medieva, herdeira dessa
história e tradição.
Gabriela Morais, Lisboa Guarda Segredos Milenares, Santa Brígida, uma Deusa Celta em Lisboa
http://www.continuitas.org/texts/morais_lisboa.pdf
Imagem: Bridget, de Caroline Gully-Lir
http://www.spinningthewheel.com/
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