Na arte clássica grega existem duas diferentes apresentações de Athena. A imagem mais familiar é a da deusa severa, paramentada com armadura, elmo e escudo, a virgem invicta e guardiã de Atenas, que protege as batalhas e os heróis. Já a mais antiga mostra-a como uma deusa majestosa, com o manto e os cabelos decorados com serpentes e um fuso na mão esquerda. No entanto, mesmo a figura guerreira guarda as memórias arcaicas da sua verdadeira origem, que aparecem na cabeça da Górgone com cabelos de serpentes, existente no seu escudo chamado Gorgoneion. Esta é a revelação da ascendência de Athena, herdeira da deusa minóica das serpentes, cultuada um milénio antes do mito patriarcal a ter transformado na filha nascida da cabeça do seu pai Zeus, surgindo totalmente armada e pronta para a batalha
Os mitos mais recentes descrevem a Górgone como um monstro atemorizador, vencido e morto pelo herói Perseu, que depois de a ter decapitado, entregou à deusa Athena a sua cabeça como gratidão pela ajuda recebida.
Analisando os detalhes do seu nascimento, descobrimos que a mãe de Athena era a deusa Métis, uma das esposas de Zeus, que a engoliu, temendo que o filho que ela carregava no ventre pudesse destroná-lo, assim como ele tinha feito com o seu progenitor Chronos. Sofrendo de atrozes dores de cabeça, Zeus pediu ajuda ao deus ferreiro Hefesto, que lhe abriu a cabeça com seu machado e dela emergiu Athena, defensora da ordem patriarcal e não sua opositora. É evidente a metáfora que descreve o predomínio do direito paterno e patriarcal sobre a antiga ordem da sociedade matrilinear e matrifocal. Vemos nisso uma semelhança com o nascimento de Eva da costela de Adão, o primogénito; tanto Eva quanto Athena sendo associadas a serpentes.
Em grego, Athena pode ser compreendida como A Thea, a Deusa, que também deu origem ao nome da cidade por Ela patrocinada. Seu segundo nome, Pallas, significa “virgem”, pois em nenhum mito é feita qualquer referência à sua condição de mãe, sendo sempre conselheira, protetora e amiga de heróis e reis.
Uma antiga imagem minóica do período neolítico retrata-a como uma deusa alada e com cabeça de pássaro. A transformação de Athena, de uma deusa pássaro e serpente numa deusa guerreira que negou a sua filiação materna, ocorreu ao longo dos dois milénios de influências indo-europeias e orientais na Grécia. O nome da sua mãe – Métis – permaneceu no seu atributo “sabedoria” ou “aconselhamento prático”. A origem serpentínea de Athena aparece ocultada na lenda da Medusa que foi transformada pelo patriarcado na terrível Górgona cujo olhar petrificava os homens.
Na realidade, Medusa era neta de Gaia, o seu nome significava Senhora ou Rainha, sendo a deusa serpente das Amazonas da Líbia, uma das três irmãs Górgonas cujo cabelo encaracolado era semelhante a uma coroa de serpentes. Elas protegiam os mistérios matrifocais antigos e os limites dos lugares sagrados. Numa inscrição antiga, Medusa era chamada “Mãe dos Deuses, passado, presente, futuro, tudo o que foi, é e será” (frase posteriormente copiada pelos cristãos para definir Deus). A sua sabedoria era resumida nesta frase: “nenhum mortal foi capaz de levantar o véu que Me oculta”, por Ela ser a própria morte, sendo o aspecto destruidor da deusa tríplice. Outro significado da sua face oculta e perigosa era o tabu menstrual, pois os povos antigos temiam o poder mágico do sangue menstrual, que podia criar e destruir a vida. A serpente é um antigo símbolo da sabedoria feminina e também representa o poder da energia Kundalini, a capacidade de transmutação e regeneração.
A Górgona – sabedoria, força e protecção
Originariamente a cabeça da Górgona era encontrada na entrada dos templos como um escudo de proteção, a Górgona arcaica representando uma trindade lunar formada por sabedoria, força e proteção. A lenda conta que o sangue de Medusa - que tanto servia para curar como para matar - foi colhido dos seus dois lados (esquerdo e direito) colocado em duas ânforas e dado a Asclépio e à sua filha Hygeia, deuses da cura. A imagem das duas serpentes entrelaçadas existente no caduceu (o bastão das divindades de cura) simboliza o conceito de vida e morte, a polaridade masculino/ feminino, esquerda/ direita, a representação da hélice dupla do DNA. Os antigos símbolos da deusa serpente minóica sobreviveram na ordem patriarcal apenas no seu aspecto escuro e ameaçador (principalmente para os homens, que ficavam paralisados pelo poder do olhar da Medusa).
Um mito antigo atribui à Medusa o nascimento de Pégaso, o cavalo alado, como fruto da sua união com Poseidon, ambos metamorfoseados em equinos (cavalo e égua). Outro mito mais recente descreve a sua criação do sangue jorrando do pescoço de Medusa quando a sua cabeça foi cortada pela espada brilhante de Perseu. A vitória de Perseu é vista como uma ode à vitória da luz sobre os terrores da escuridão e das serpentes, reforçando assim a dicotomia entre luz e sombra, masculino e feminino, Sol e Lua.
Compete às atuais sacerdotisas e seguidoras da Deusa compreender a complexa polaridade deste mito não como um conflito entre o arquétipo patriarcal de Athena e a sua antiga origem lunar e gorgónica, mas uma complementação de opostos personificados por Athena - o aspecto solar, guerreiro, criativo, heróico - e Medusa, sua contraparte lunar, passiva, obscura e misteriosa, mas igualmente poderosa.
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