Por Carol P. Christ
O Deus do Céu e a Ninfa do Mar Tétis |
Os junguianos afirmam que o Casamento Sagrado é um arquétipo
do casamento entre o “masculino” e o “feminino”. Muitas mulheres também se
sentiram atraídas por esta ideia. Ela “suaviza” a crítica feminista radical ao
patriarcado e à dominação masculina. Em vez de “castrar” a “falocracia” como
insistia Mary Daly, podemos pensar em termos de “casamento” de qualidades
tradicionalmente associadas aos papéis masculino e feminino. As mulheres,
dizem, podem usar uma boa dose de ego e assertividade, tradicionalmente
associadas ao masculino, enquanto os homens precisam de ter seus egos racionais
dominantes temperados por qualidades femininas como cuidado e compaixão.
Aqueles que apoiam a ideia do Casamento Sagrado do masculino
e do feminino podem não perceber que Jung identificou o masculino com o ego
consciente racional e o feminino com o inconsciente, o corpo e a natureza.
Embora Jung e os seus seguidores entendessem corretamente que o masculino
precisava ser complementado pelo feminino, eles eram menos claros sobre o
quanto o feminino precisava do masculino. Eles desconfiavam do poder feminino
não mantido sob controle nos casamentos patriarcais, e nos círculos junguianos
as mulheres que desafiavam as ideias dos homens eram julgadas como “dominadas
pelo animus” – por outras palavras, masculinas demais. Os seguidores de Jung
costumam usar a expressão “dominadas pelo animus” para colocar as feministas
radicais no seu lugar.
Zeus e Hera parlamento autríaco |
O “Zeus de Creta” e o “Zeus do Machado Duplo” são títulos
tão familiares que é com surpresa que descobrimos que a arqueologia minoica
oferece muito pouca evidência para a existência de um deus. … A verdade parece
ser que os aqueus impingiram Zeus a Creta no final da Idade do Bronze.
Eles continuam:
Há boas razões para acreditar que no casamento
compulsório de Hera com Zeus se reflete a subjugação de uma raça nativa aos
invasores aqueus, daí a importância do casamento ritual, ιερος γαμος (ieros
gamos), como comemorativo da reconciliação de dois sistemas religiosos, um
tendo um deus, o outro uma deusa como divindade principal.
Se assim é, não deveríamos suspeitar do Casamento Sagrado? E
se a ideia da união de duas culturas num Casamento Sagrado for um encobrimento
de algo muito mais sinistro?
Como disse Marija Gimbutas: “Não houve evolução. Foi um
choque de culturas.”
Apesar de uma noite de felicidade conjugal, Zeus continuou a
sua carreira enganando e violando ninfas, deusas e mulheres mortais, enquanto
Hera estava longe de ser uma esposa satisfeita.
A Ninfa Danae após violação por Zeus sob a forma de nuvem dourada |
Quanto ao casamento da Deusa com um Rei, por que deveríamos presumir que qualquer Deusa iria querer casar-se com um Rei? Nas culturas pré-patriarcais, não havia reis. O que é um Rei senão um guerreiro que conquista terras e culturas alheias e que reivindica o direito de matar homens e violar mulheres? Nenhuma deusa em sã consciência iria querer casar-se com um homem assim.
Os intérpretes dos mitos do Casamento Sagrado falam do Rei
casando-se com a terra através da sua união com a Deusa da terra. Mas antes que
os reis entrassem em cena, as deusas, a terra e as mulheres não estavam
sujeitas a ninguém.
O símbolo do Casamento Sagrado, tal como chegou até nós no
mito e na psicologia arquetípica, é sagrado? Eu acho que não. E se o Casamento
Sagrado da Deusa com o Rei for parte de um grande encobrimento de uma história
de conquista, dominação e violação? Um casamento muito profano, de facto.*
Então, qual era o papel do sexo nas culturas da Deusa?
Na cultura matriarcal de Mosuo, o sexo é vivenciado como uma
parte valiosa da vida. O prazer sexual pode ser dado e recebido livremente,
pois não está vinculado ao casamento nem ao sustento e cuidado dos filhos. No
entanto, a relação sexual não é entendida como criando os laços essenciais. Em
vez disso, os laços entre mãe e filha/o e os laços entre as mães e a terra são
os laços essenciais. As mães e a terra são celebradas como sagradas no ritual e
na religião.
Então e a sexualidade? É sagrada? E se a resposta for sim e
não? E se a sexualidade não for nem mais nem menos sagrada do que muitas outras
coisas boas da vida? Não santa, não profana? Não é uma maneira muito mais
saudável e realista de entender o lugar da sexualidade nas nossas vidas?
***
*O símbolo do Casamento Sagrado também pode ser criticado
por privilegiar a heterossexualidade e o casal.