(…) Simone de Beauvoir refere categoricamente que as mulheres “(…) não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história”. E que “(…) a divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico e não um momento da história humana”.
Ora, à luz do que atualmente sabemos, e do estudo da obra de
Riane Eisler, consideramos agora que estes factos não são exatamente rigorosos.
E que houve, efetivamente, civilizações evoluídas e avançadas, em que a
“eterna” dependência feminina, que Simone de Beauvoir considera ter sido a sua
única condição, pura e simplesmente não existia.
Sociedades “perdidas no tempo”, porque, tal como realça
Riane Eisler, “(…) quando havia evidência de um período de tempo anterior em
que homem e mulher viviam como iguais, esse período simplesmente era ignorado.”
Sociedades, sendo a Cretense um dos exemplos mais
esplendorosos, em que se cultuava a Deusa-Mãe, onde a ordem social surge
centrada na mulher e na mãe, que assumiam papéis sociais e religiosos
importantes, como sacerdotisas, por exemplo. Onde detinham um elevado status, e
uma elevada participação social. Sociedades com uma organização matrifocal e
matrilinear, mas não matriarcal. Sociedades cuja base eram os princípios da
igualdade, cooperação e de “parceria” entre os sexos, tanto na esfera privada
da vida social, como na pública. A obra de Riane Eisler veio detalhar e lançar
uma nova luz sobre estas culturas “diferentes”, provavelmente bastante mais
igualitárias do que aquela em que De Beauvoir viveu…
Porém, e apesar dos postulados com que inicia a sua teoria,
ainda assim de Beauvoir coloca uma questão, mais pertinente que as duas referidas
inicialmente, e que nos fazem associá-la inevitavelmente à tese de Riane
Eisler:
“Resta explicar por que o homem venceu desde o início.
Parece que as mulheres deveriam ter sido vitoriosas.”
Questão que Riane Eisler nos respondeu, décadas mais tarde,
contrariando o que se havia assumido como uma verdade absoluta: a dependência
das mulheres em relação aos homens.
Não só, como já verificámos, isto nem sempre foi verdade,
como a própria evolução humana deveria, precisamente, ter apontado para uma
“saída vitoriosa das mulheres” – ou, pelo menos, para o que Eisler designa de
uma “cultura de parceria”, em vez de uma “cultura de dominação”, de acordo com
a sua Teoria da Transformação Social.
É muito interessante constatar como as duas teses, sendo
contraditórias em alguns aspetos, encontram pontos de encontro surpreendentes.
Porque as antigas sociedades onde a Deusa era cultuada,
baseada em valores “ditos femininos” de compaixão, paz, estabilidade, partilha,
dádiva e parceria, foram sendo suplantadas, num dado momento da história da
Humanidade, progressivamente, pelo poder bélico e destruidor de outros grupos
sociais, para quem a conquista, a força física e a subjugação eram os valores
dominantes.
A frase de Simone de Beauvoir, na página 13 da sua obra, é
paradigmática: “Se a mulher se enxerga como o inessencial que nunca retorna ao
essencial é porque não opera, ela própria, esse retorno.” E acaba por ser
“visionária”, talvez sem o suspeitar. Porque se trata, de facto de um
“retorno”, de um “regresso”, no âmbito da evolução humana, ao status quo das
sociedades da Deusa, que engloba a mulher numa posição em pé de igualdade em
relação ao homem, independente, em todas as vertentes da vida social, e em
comunidades onde vigoram os valores “de parceria”.
Andreia Mendes
Imagem 1: https://educacao.uol.com.br/
Imagem 2: https://www.aneconomyofourown.org/riane-eisler
Imagem 3 : Creta
Sem comentários:
Enviar um comentário