A árvore de Natal, pinheiro, ou abeto, é um símbolo de permanência no confronto com a realidade da finitude da vida, proposto pelo Inverno. Por isso a decoramos com luzes, brilhos e cores, com bolas que evocam a luz do sol eterno, que renasce pelo Solstício.
Quando o frufru natalício se anuncia e me atinge também a mim, dou asas à imaginação do meu self-criança, e à minha, e juntas montamos a árvore, sempre inspirada no tema da infância, e nos últimos tempos honrando também a Deusa que venero. Mas sem dúvida que ela é dedicada em especial ao meu tempo de criança, quando esta celebração era motivo de tanta excitação, pura alegria (havia férias!) e deleite. No coração do Inverno, inóspito, húmido, enregelado, a festa do Natal reconfortava e aquecia a alma. Nunca vou esquecer o encantamento provocado pela visão súbita do cortejo de pequenos anjos que irrompia capela adentro a meio da missa desse dia na aldeia. Era como se um portal se abrisse directamente no céu trazendo até nós a visão de criaturas do altíssimo. Tão pouco esquecerei a dor da revolta pelo cancelamento sem mais desse prodigioso evento. Profunda agonia por sentir que qualquer pedaço de paraíso podia ser tão fugaz, tão facilmente destruído, como se não houvesse vontade humana suficiente para dele cuidar, nem suficiente compreensão da importância primordial da beleza, o próprio amor solidificado, materializado ali naqueles anjinhos vestidos de branco delicado como os seus passinhos de criança e as suas solenes asas de penas. Era inquietante saber que não havia nesta dimensão guardiãs e guardiães do paraíso à altura, suficiente protecção contra cultivadores de distopias. Foi muito cruel.
Pode ter sido aí que o meu compromisso com a utopia e a magia foi assinado, embora também seja possível que ele venha da noite dos tempos, dos alvores da história da minha alma, uma suspeita levantada pelo encontro com François Vatel, do filme estreado no ano de 2000. Claro que o genial mordomo do Príncipe de Condé tinha meios com que não tenho sequer competência para sonhar. Restam-me os requintes dos musgos, das bagas negras das heras e do alfeneiro, das pinhas, da verdura da época e dos enfeites vários coleccionados ao longo dos anos e actualizados de acordo com as alterações do gosto. Nos últimos tempos, além de satisfazerem os caprichos da minha criança interior, eles procuram também honrar a minha devoção à Deusa. Foi assim que as aves do paraíso vieram em bando, ou que fui atraída por um enfeite com a forma da mão de Tanit, por outro que replica a Babuska, pela miniatura do gato chinês, que tem como origem uma antiga Deusa, por outro ainda com a forma dum balão de hidrogénio, honrando a Mãe do Ar deste festival.
Por debaixo da árvore, sapatinhos, como é lógico, já que não tenho lareira: umas botas que foram usadas pelo meu pai em criança, uns sapatos de menina dourados com fivela de brilhantes trazidos duma charity shop inglesa, e ainda uma cadeira de fada, uma caixa rosa fúchsia brilhante para as rifas de Natal, uma lanterna e, no lugar de honra, a minha colecção dos quatro The Lady Bird Nature Books, que com a compostura, a graça e a candura dos anos 50 do século XX, ensinavam a nossa criança a ver a paisagem, a reconhecer as alterações, as marcas e os sinais que cada estação imprime na natureza e nas actividades humanas. Por vezes também lá ficam a destilar o seu sortilégio a colecção de Contos de Andersen ou o livro das Princesas Esquecidas e Desconhecidas, de Rebecca Dautremer e Philippe Lechermeir…
Com o tempo, criei tradições de Natal muito próprias e pessoais, e repito-as,
ou recrio-as, a cada ano. Sozinha ou acompanhada, pouco importa neste capítulo.
Depois do sumiço que levou o cortejo encantado dos anjinhos de Natal, e do encontro
com outros e outras desmancha-prazeres, cuidei de aprender a criar magia para
consumo próprio. Sem dúvida uma das melhores aprendizagens que levarei desta
vida.
Luiza Frazão
Sem comentários:
Enviar um comentário