A GRANDE MÃE PRIMORDIAL
O continente e o conteúdo
À força de rejeitar tudo o que a feminilidade representava como solução para a angústia do homem, criou-se uma humanidade perfeitamente neurótica, pois se o rapazinho é obrigado a praticar este acto é porque não lhe vestiram na mais tenra idade uma veste feminina, como se fazia antigamente. Uma concepção estúpida e formal da virilidade impediu a continuação desta prática que, com origem em motivos inconscientes, era muito mais válida que a destruição do amor que educadores desprovidos de educação tentam levar a cabo, criando uma putativa educação sexual.
É, uma vez mais, toda a nossa sociedade que está em causa. A masculinização da sociedade conduziu a ignorar aquilo que constitui o próprio fundamento de toda a relação psicossocial, a saber, os laços afectivos que unem os membros duma mesma família, dum mesmo clã. E estes repousam muito particularmente na relação mãe-filho (rapaz ou rapariga). Suprimindo a noção de Mãe-Divina, ou submetendo-a à autoridade dum deus-pai, desarticulou-se o mecanismo instintual que estabelecia o primitivo equilíbrio. Daí provêm as neuroses e outros dramas que transtornam as sociedades paternalistas, incluindo aquelas que se consideram mais evoluídas, aquelas que pretendem, com belas palavras, atribuir à mulher um lugar de honra, um lugar escolhido pelo homem.
O continente e o conteúdo
À força de rejeitar tudo o que a feminilidade representava como solução para a angústia do homem, criou-se uma humanidade perfeitamente neurótica, pois se o rapazinho é obrigado a praticar este acto é porque não lhe vestiram na mais tenra idade uma veste feminina, como se fazia antigamente. Uma concepção estúpida e formal da virilidade impediu a continuação desta prática que, com origem em motivos inconscientes, era muito mais válida que a destruição do amor que educadores desprovidos de educação tentam levar a cabo, criando uma putativa educação sexual.
É, uma vez mais, toda a nossa sociedade que está em causa. A masculinização da sociedade conduziu a ignorar aquilo que constitui o próprio fundamento de toda a relação psicossocial, a saber, os laços afectivos que unem os membros duma mesma família, dum mesmo clã. E estes repousam muito particularmente na relação mãe-filho (rapaz ou rapariga). Suprimindo a noção de Mãe-Divina, ou submetendo-a à autoridade dum deus-pai, desarticulou-se o mecanismo instintual que estabelecia o primitivo equilíbrio. Daí provêm as neuroses e outros dramas que transtornam as sociedades paternalistas, incluindo aquelas que se consideram mais evoluídas, aquelas que pretendem, com belas palavras, atribuir à mulher um lugar de honra, um lugar escolhido pelo homem.
Na verdade, o homem não pode escolher o lugar da mulher nem o seu próprio lugar face à mulher. Ele deve obedecer a uma lei inelutável, que é, para retomar a definição de Montesquieu, uma lei de natura, contra a qual a lei da razão nada pode. Esta lei de natura concretiza-se no instinto, que não é algo que possamos negar. Negá-lo, como fizeram tantos moralistas e psicólogos, antes de Freud, é abrir a via dos desregulamentos psíquicos, porque todo o comportamento se ressente do facto de não estar apoiado na lei natural.
Esta querela entre natureza e razão, que de resto sempre foi uma falsa questão, é responsável pela cegueira desta sociedade que, ao querer corrigir o instinto, cortou o ser humano daquilo que era a sua natureza.
A verdade é que o instinto não se corrige. Sublima-se, transcende-se, e isso graças a uma razão que o dirige, mas que em caso algum o deve encerrar em limites estreitos e negá-lo. E o instinto assusta, porque é forte e porque é inelutável. Este estudo sistemático do princípio feminino na cultura celta tem pelo menos o mérito de trazer à luz da consciência a ideia de que o instinto é primordial, no sentido etimológico do termo, que ele é necessário, que é um factor de progresso e de evolução.
Mas o instinto tem algo de selvagem, de “bárbaro”, mesmo. E é por aí que ele atinge a “grandiosidade”. Ele é o único motor dos nossos sentimentos, da nossa acção. E, tendo em conta os nossos hábitos morais, é por vezes difícil formulá-lo e olhá-lo de frente: a verdade choca-nos. Quando ousamos afirmar que todas as relações entre homens e mulheres, quaisquer que elas sejam (conjugais, filiais ou outras) são necessariamente relações incestuosas entre mãe e filho, atraímos as mais ásperas críticas e somos tidos por obcecados. E no entanto…
Esta querela entre natureza e razão, que de resto sempre foi uma falsa questão, é responsável pela cegueira desta sociedade que, ao querer corrigir o instinto, cortou o ser humano daquilo que era a sua natureza.
A verdade é que o instinto não se corrige. Sublima-se, transcende-se, e isso graças a uma razão que o dirige, mas que em caso algum o deve encerrar em limites estreitos e negá-lo. E o instinto assusta, porque é forte e porque é inelutável. Este estudo sistemático do princípio feminino na cultura celta tem pelo menos o mérito de trazer à luz da consciência a ideia de que o instinto é primordial, no sentido etimológico do termo, que ele é necessário, que é um factor de progresso e de evolução.
Mas o instinto tem algo de selvagem, de “bárbaro”, mesmo. E é por aí que ele atinge a “grandiosidade”. Ele é o único motor dos nossos sentimentos, da nossa acção. E, tendo em conta os nossos hábitos morais, é por vezes difícil formulá-lo e olhá-lo de frente: a verdade choca-nos. Quando ousamos afirmar que todas as relações entre homens e mulheres, quaisquer que elas sejam (conjugais, filiais ou outras) são necessariamente relações incestuosas entre mãe e filho, atraímos as mais ásperas críticas e somos tidos por obcecados. E no entanto…
O homem é, com efeito, um ser incompleto e tem consciência disso. O seu medo e a sua atracção pelo abismo negro (o nada de onde provém), o seu medo e a sua vertigem diante da morte (o nada que o espera) tornam-no um ser frágil que procura a segurança a todo o custo. Essa segurança é a mãe, tanto para o homem como para a mulher. Mas o homem, física e afectivamente, possui um meio de reentrar, pelo menos provisoriamente, na mãe. Não é preciso insistir: qualquer tendência da psicanálise já esclareceu suficientemente bem que o pénis, pequena parte do homem, mas uma parte exterior e susceptível de aumentar, constitui o substituto do próprio homem. Ele pode, portanto, em certas ocasiões, reactualizar de modo fantasmagórico o regresso ao paraíso que a mãe representa.
E toda a mulher é uma mãe, real ou potencial. O homem está portanto biologicamente sujeito à mulher, quer ele queira, quer não. Ele é o conteúdo, enquanto a mulher é o continente: isso constitui um estado de inferioridade muito óbvio para o homem e ele passará depois todo o seu tempo a negar tal realidade para provar a si próprio que é superior. É assim que se explica a acção masculina, o facto dos homens serem dotados para a acção, para a violência e o combate. Esta acção é o único meio que lhes resta para tentarem afirmar-se.
E se o homem é o conteúdo, portanto um ser inferior, ele arroga-se o direito dum ser superior, mostrando que a sua força activa é a única capaz de proteger a espécie. Até conseguiu persuadir a própria mulher dessa superioridade, simbolizada pelo reconhecimento do pénis do rapazinho no momento do nascimento, feito pela mãe ou por qualquer outra mulher que ajude no parto. O famoso grito: “É um rapaz!”, repetido geração após geração, é bastante eloquente a esse respeito. Quando nasce uma rapariga, aceita-se; mas quando nasce um rapaz, rejubila-se.
No entanto, o continente, a mãe, que é o mesmo que dizer a mulher , é a própria realização do Paraíso. Ela realiza-o sob dois aspectos duma mesma realidade: ela contém o filho e o amante. De resto, como alguns psicanalistas já referiram, a vagina da rapariga não é reconhecida pela mãe, nem pelo pai, no momento do nascimento. Tal reconhecimento far-se-á, no entanto, um dia, e será o homem a efectuá-lo. Assim, para se afirmar, para tomar consciência de quem é e sobretudo do seu poder, a mulher precisa do homem. Traduzido em linguagem mitológica dá: o homem precisa duma deusa, mas a deusa precisa do homem. É esta a razão pela qual se perpetuaram, sob formas diversas, os antigos cultos da divindade feminina.
Na cultura celta, vimo-la sob os seus diferentes aspectos, ou melhor, sob as diferentes máscaras que os homens lhe atribuíram. Todos os nomes que lhe foram dados, entretanto, não nos devem fazer esquecer que se trata dum ser único, da mãe primordial, da primitiva deusa, da grande rainha dos começos.
Jean Markale, “La Femme Celte”, Petite Bibliothèque Payot
E toda a mulher é uma mãe, real ou potencial. O homem está portanto biologicamente sujeito à mulher, quer ele queira, quer não. Ele é o conteúdo, enquanto a mulher é o continente: isso constitui um estado de inferioridade muito óbvio para o homem e ele passará depois todo o seu tempo a negar tal realidade para provar a si próprio que é superior. É assim que se explica a acção masculina, o facto dos homens serem dotados para a acção, para a violência e o combate. Esta acção é o único meio que lhes resta para tentarem afirmar-se.
E se o homem é o conteúdo, portanto um ser inferior, ele arroga-se o direito dum ser superior, mostrando que a sua força activa é a única capaz de proteger a espécie. Até conseguiu persuadir a própria mulher dessa superioridade, simbolizada pelo reconhecimento do pénis do rapazinho no momento do nascimento, feito pela mãe ou por qualquer outra mulher que ajude no parto. O famoso grito: “É um rapaz!”, repetido geração após geração, é bastante eloquente a esse respeito. Quando nasce uma rapariga, aceita-se; mas quando nasce um rapaz, rejubila-se.
No entanto, o continente, a mãe, que é o mesmo que dizer a mulher , é a própria realização do Paraíso. Ela realiza-o sob dois aspectos duma mesma realidade: ela contém o filho e o amante. De resto, como alguns psicanalistas já referiram, a vagina da rapariga não é reconhecida pela mãe, nem pelo pai, no momento do nascimento. Tal reconhecimento far-se-á, no entanto, um dia, e será o homem a efectuá-lo. Assim, para se afirmar, para tomar consciência de quem é e sobretudo do seu poder, a mulher precisa do homem. Traduzido em linguagem mitológica dá: o homem precisa duma deusa, mas a deusa precisa do homem. É esta a razão pela qual se perpetuaram, sob formas diversas, os antigos cultos da divindade feminina.
Na cultura celta, vimo-la sob os seus diferentes aspectos, ou melhor, sob as diferentes máscaras que os homens lhe atribuíram. Todos os nomes que lhe foram dados, entretanto, não nos devem fazer esquecer que se trata dum ser único, da mãe primordial, da primitiva deusa, da grande rainha dos começos.
Jean Markale, “La Femme Celte”, Petite Bibliothèque Payot
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