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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Livro a DEUSA DO JARDIM DAS HESPÉRIDES - O resgate da Deusa em contexto nacional

Sobre o meu livro, uma leitora escreveu:


"O livro "A Deusa do Jardim das Hespérides, de Luiza Frazão, é um esforço imenso e bem sucedido, porque também de investimento pessoal e auto-descoberta, da aplicação de uma "metodologia" - desenvolvida por Kathy Jones no Templo da Deusa de Avalon, em Glastonbury - ao território português, lugar da Deusa Cale, Gaia, a Anciã...

Entre a torrente de informação fascinante que a autora vai desvelando em pistas, que depois poderão por nós ser aprofundadas consoante o sentido - emocional, geográfico, de saber, de memórias - que elas nos façam. Destaco aqui algumas.

O sentido que me fez saber que a Praia das Maçãs, com vista para o Monte da Lua (de Cynthia), lugar da minha infância e juventude e que muito me atrai, é lugar da Cale da Água, Senhora do Mar, festa de Litha, Solistício de Verão...  Também pude enquadrar o meu fascínio pelos cultos paleo-hispânicos, que havia estudado outrora na faculdade numa cadeira, algo obscura, leccionada pelo professor Cardim Ribeiro, e que, não por acaso, está à frente do Museu de Odrinhas, um museu maravilhoso, entre Sintra e a Ericeira, com muita informação a explorar a quem se quiser dedicar a estes temas, e que publicou alguns artigos sobre os cultos paleo-hispânicos, nomeadamente sobre o Templo à Lua, Sol e Mar, justamente no promontório que liga a Praia das Maçãs à Praia Grande. 

Depois outras informações me assolaparam, como o culto a Sra. do Monte, que remete para um lugar onde vivi durante três anos (no bairro da Graça, em Lisboa). É um lugar antiquíssimo, num dos pontos mais altos da cidade (há quem diga que é a melhor vista de Lisboa com o Tejo - Tétis ! - lá ao fundo) e onde já existiria algum tipo de culto que D. Afonso Henriques logo aquando da conquista da cidade fez questão de suplantar, mandando erguer uma capelinha e consagrando-a como lugar de culto cristão. Nessa capela consagrada à Sra. do Monte existe a famosa cadeira de S. Gens, na qual as grávidas se vão sentar para obter a promessa de um bom parto.

Também a referência à Sra. do Leite me soou muito. As imagens não abundam em território nacional tal como as da Sra. do Ó. Motivo entre nós reprimido pela Inquisição, a representação da Sra. do Leite encontra-se em alguma pintura italiana do final da Idade Média e do Renascimento, em cujo território sobreviveu melhor, apesar da Contra-Reforma. No entanto, há um quadro muito delicado do século XVI do Mestre da Lourinhã que representa a Sra. do Leite, mas cuja proveniência, provavelmente uma igreja ou convento, se perdeu no tempo (é possível vê-la agora na Fundação Medeiros e Almeida, em Lisboa).

Igualmente a informação de o Caminho de Santiago, que já fiz algumas vezes enquanto peregrina, ser afinal uma reminiscência do Caminho da Deusa... E pensar que ele, o caminho iniciático, só está verdadeiramente completo se a peregrina, depois de chegar a Santiago, fizer mais 80km até ao cabo Finisterra, onde se deve desfazer do "velho", daquilo que já se não necessita, qual Ophiusa trocando de pele!...

É, então, um livro realmente importante, sobretudo também por uma certa dimensão política, como o seu engajamento numa corrente feminista ecologista, a mais progressista actualmente e de maior alcance, que advoga o regresso à Grande Mãe, respeitando todos os seres. Frazão faz referência à importância dessas "pequenas grandes coisas" que são as sementes, mencionando o activismo de Vandana Shiva (Declaração da Liberdade das Sementes) ou referindo a Teoria da Resposta da Terra ou Teoria de Gaia, de James Lovelock.
 
Mas o mais fundamental do gesto de Luiza Frazão, na senda do gesto inicial de Rosa Leonor Pedro, é efectivamente o resgate da Deusa em contexto nacional, desvendando mitos, história(s) e lendas, recorrendo também à etimologia dos lugares, às Canções de Amigo e até à obra seminal de Luís de Camões. É que se são importantes as cosmologias e tradições indígenas das Américas que nos têm visitado, é fundamental resgatar e respeitar as cosmologias e tradições do nosso território e que (quase) se perderam no tempo, bem como a (intrínseca) ligação da mulher à Deusa, que não é ninguém senão ela própria, e à Mãe Terra. Isso mesmo - a procura das tradições da Deusa em território nacional - já havia aconselhado a Xamã e Mulher Medicina, de origem chilena e equatoriana, Mamma Andrea Atekokolli. 

Por isso, "A Deusa do Jardim das Hespérides" de Luiza Frazão é de leitura obrigatória a todas as mulheres que estão na senda da Deusa e de si próprias, em Tendas Vermelhas (e Azuis) por esse Portugal a fora, segura que estou que é uma "semente" que muito em breve dará os seus frutos."

Inês Beleza Barreiros


Monte Alentejano, uma Criação Feminina?


A respeito do Monte Alentejano, ou melhor, deste trabalho do Público sobre o tema, uma irmã escreveu:

“Quem seriam estas pessoas a fugir de um poder urbano? Penso que sejam mulheres... Até porque a economia do monte alentejano, da transformação dos produtos, é muito feminina, apesar dos homens dominarem toda a parte de produção de matéria-prima."

Eis o que eu penso do assunto:

Não sei se podemos dizer que tivessem sido as mulheres a criar o conceito do Monte alentejano, para isso ter-se-ia de fazer uma investigação com olhos de mulher (feminista, por outras palavras). Duvido muito, porque nessa altura já o patriarcado era dominante e a mulher não tinha autonomia, pertencia ao espólio do agricultor que procurava liberdade porque Estado implica não se poder fazer tudo o que se quer, obediência a leis e normas e sobretudo pagar impostos aos grandes e poderosos que fazem as leis e trinta por uma linha... haveria muitas razões para se querer ser mais livre...

Mas comunidades de mulheres subsistiram na Ibéria até para aí ao séc. XVII, ou até a Inquisição as ter deixado existir com autonomia. Cacilda Rodrigañez Bustos tem um trabalho sobre "las Serranas", de que o próprio Gil Vicente falou na sua poesia, bem como o poeta espanhol Luis de Góngora.

Para investigar e resgatar o verdadeiro papel das mulheres na história, o seu modo de vida autónomo, a diferença que fazia na sociedade a predominância do ponto de vista feminino e como tudo isso foi destruído, precisamos de ser mais ativas na investigação e mais ousadas, porque a cultura, a investigação, a academia estão dominadas pelo ponto de vista masculino...

É que sabemos que as mulheres são muito pró-ativas e determinantes, mas desde há uns 5 000 anos elas estão maioritariamente sob a alçada do poder masculino, trabalham para uma economia doméstica que é determinada pelo homem e pela sua perspetiva separatista, competitiva, dominadora. Aliás, ir instalar-se sozinho numa propriedade no meio do nada (acho que o monte é isso, não conheço bem) tem só por si, na minha perspetiva, a marca do masculino... As mulheres livres criam comunidades, círculos, são gregárias por natureza, como as lobas...
Mas o caso vale a pena ser investigado.

 Imagens: Google