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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

UNIR AS DUAS MULHERES - MANUAL PRÁTICO

Em meu entender a espiritualidade da Deusa é fundamental para a união das duas mulheres, a santa e a pecadora, em nós. Se queremos que essa união aconteça, para sermos inteiras, precisamos de actuar no cerne da questão e ele reside nos símbolos e nos mitos que a cultura fornece à mulher para a construção da sua identidade.

Nós não unimos as partes cindidas apenas com conversa, tal como da boca dos padres de coração empedernido que na igreja nos mandam amar à e ao proxim@ nunca sairá sentimento algum que se aproxime ao amor, apenas ao temor....

Essa união tem de ser uma construção, uma tessitura que fazemos com vários fios. Os restos esfarrapados das nossas histórias, das nossas lendas e mitos perdidos, indo à procura deles. Pedacinho a pedacinho. Precisamos de escavar, camada a camada para irmos encontrando os tais fiozinhos. Às vezes parece até que encontrámos uma bela porção mas quando olhamos mais de perto verificamos que estão todos emaranhados e cheios da rançosa gordura patriarcal. Precisam de ser limpos e desembaraçados.
Ainda ontem me pareceu ter encontrado mais um fiozinho para tecer a parte de Lilith na nossa tapeçaria.

Depois disso torna-se necessário abençoar o nosso trabalho e colocá-lo no lugar de maior honra e reverência, o altar. Aproximar-me desse altar enquanto sacerdotisa, invocar a Deusa, que está dentro e fora de mim, que é imanente e transcendente, é para mim a nossa cura, a nossa possibilidade de renascermos inteiras depois do golpe mortal do patriarcado quando nos considerou indignas de o fazer. Ser sacerdotisa é na prática quebrar esse interdito, desfazer essa maldição, curar essa ferida, essa cisão.

Quando eu ergo a minha tecitura ao nível do sagrado, ela fica imbuída desse poder supremo. Do poder de gerar mitos que nos favorecem e fortalecem, que nos ajudam a perceber quem somos fora da esfera do utilitarismo patriarcal que nos anulou, obliterando, deturpando os nossos mitos para nos pôr ao seu serviço.

Não esquecer que para isso ele criou outros mitos, como a história de Adão e Eva, que foram contra nós e que isso aconteceu aí na esfera do religioso, do poder supremo…

“A religião é a política ao mais alto nível”, o verdadeiro centro de poder das nossas vidas. Como muitas feministas entenderam, “a religião é um assunto demasiado importante para ser deixado nas mãos dos patriarcas”. Um lugar com essa importância na nossa alma nunca ficará vazio. A sede de sagrado, acredito, é inerente à nossa natureza, e por isso iremos saciá-la com o que houver disponível: Deus, Deusa, Ciência, Consumo, Homem Ideal, alguma coisa para lá mandamos…


©Luiza Frazão

Imagens - fachada do Goddess Hall, Benedict Street, Glastonbury, Inglaterra; a Deusa Anciã no Templo da Deusa de Glastonbury (foto de Anna-Saqqara Price)