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segunda-feira, 30 de maio de 2016

CONTAR A SUA HISTÓRIA: ABENÇOAR A SUA VIDA

 De uma das irmãs que participaram no meu evento no Brasil, em maio de 2016, recebi este relato, que reflete a vida de tantas e tantas de nós:

A Menarca, a Irmandade e a Sintonia com a Deusa


"Para contextualizar minha experiência e proporcionar um entendimento maior a respeito de quem eu sou, falo um pouco sobre a criança e adolescente sofrida que fui e que se tornou esta mulher em busca de sabedoria, equilibrada e amorosa que sou hoje.
Tive pais simples, mãe dona de casa, pai motorista. Mãe que se viu sozinha ao ficar grávida para eu nascer, já sendo mãe de três filhos, uma menina e dois meninos. Tornou-se costureira para sustentar esses seus quatro filhos e nunca pôde contar com nenhuma contribuição de meu pai, nem emocional e nem financeira. Ele simplesmente não estava lá.
Então eu, ao nascer, tinha um pai totalmente ausente e uma mãe abandonada, sofrida, amargurada, que teve poucas chances de aprender sobre ela mesma e sobre o amor em qualquer de suas faces. Ela sofreu muito com a família, minha avó e meus tios dificultaram bastante a vida dela.

Como as dificuldades eram enormes, tanto as culturais, quanto as financeiras e psicológicas, ela tomou algumas decisões, às vezes pressionada pela família, principalmente minha vó, às vezes inconscientemente movida pelas próprias dores e sentimentos. 
Nesse contexto confuso e sofrido estava eu, a filha caçula, nascida num momento de abandono, de uma mãe destroçada pelo sofrimento, que aos cinco anos foi levada para viver com minha avó. Vivi com ela dos cinco aos sete anos, quando aprendi a ler e aí descobri um dos meus passatempos favoritos. Mas na casa de minha avó não havia nada para uma criança de sete anos ler, então eu lia revista de fotonovelas, de minha tia, às escondidas.
Para resumir um pouco, passei a infância e a adolescência, depois que saí da casa de minha avó, alternando entre estar na casa de minha mãe e indo morar um tempo com cada uma de minhas tias e também num internato católico. Foram muitas experiências traumáticas, entre elas as de ter que me mudar de escola quase todo ano e refazer as relações com colegas e professores. Fui maltratada por parentes, avó, algumas tias e professoras. Minha avó detestava negros e toda minha família materna ainda guarda resquícios com falas tipo: só podia ser preta mesmo! Preto não dá carreira certa. Brincadeiras sem graça que já me entristeceram muito e que hoje, não mais. Fui humilhada por não ter pai, por ser filha de negro – não tendo pai e sendo filha de negro não iria dar nada que prestasse – era uma fala recorrente. Hoje, sei que sofri muito bulling – naquela época nem sabia o que era isto – sem ter a quem recorrer, eu era muito sozinha, me sentia totalmente desamparada. Esta sensação de desamparo me acompanhou pela vida. Eu só me curei muito recentemente, ou melhor, ainda estou em processo de cura. Volta e meia me deparo com mais uma situação, que não lembrava mais e percebo que ainda há feridas a serem curadas.
Mas também tive amigas e algumas pessoas que me acolheram e sei que me amaram.
Todas estas experiências fizeram com que eu me tornasse uma pessoa ousada, flexível e capaz de se enturmar facilmente. Aprendi, a duras penas, a me comunicar e a perceber o ambiente e as pessoas com facilidade.

Então chegamos aos dias de hoje. Dia de evento em Florianópolis.
Estamos numa Tenda Vermelha, como parte das atividades da Magia das Ilhas Sagradas tradição Celta – Formação de sacerdotisas, onde, mais uma vez, me proponho a trabalhar e curar o feminino. Como em tudo que faço mergulhei fundo e inteiramente na experiência.
Luisa Frazão Guardiã e Sacerdotisa Celta propõe que cada mulher fale como foi a sua primeira menstruação.
Estabelece-se um momento de partilha de uma beleza emocionante. Ouvi muitos relatos, e o que mais me impressionou foi que a maioria tinha histórias lindas de acolhimento e celebração, bem diferentes da minha. Até aquele momento eu não tinha ideia do quanto estive machucada por este episódio, durante muitos anos de minha vida.
Aos 13 anos eu estava num dos intervalos que passava na casa de minha mãe. Era um dia como outro qualquer. Não me lembro do momento exato que fiquei menstruada, mas me lembro bem, ainda tenho nítida, a sensação de inadequação e de que, como sempre, eu estava fazendo alguma coisa errada. Lembro-me de minha mãe dizendo asperamente que a vida continuava e que tudo estava normal. Então, eu deveria ir à aula. Lembro-me de me sentir muito envergonhada, de tudo, de estar suja, de que havia algo errado e eu não sabia o que era. Para mim era impossível sair de casa e enfrentar o olhar das pessoas, parecia que todos sabiam que eu estava suja de sangue.

Naquele dia, foi muito difícil vestir o lindo uniforme que eu adorava. Era uma blusa branca de botões e uma saia azul cobalto, com dois machos na frente e dois atrás, que davam movimento à saia quando eu andava. Eu sempre me sentia linda dentro dele, eu adorava usar uniformes de modo geral. Mas naquele dia eu queria que ele fosse feio pra ninguém me notar. Queria estar invisível, queria não existir para não ter que sair à rua. Lembro-me de implorar à mamãe para ficar em casa, mas ela se manteve irredutível como normalmente ela fazia quando emitia qualquer opinião ou ordem a ser cumprida. Vá pra aula e não me amole! Eu fui.
Andei pelas ruas chorando e tentando disfarçar, peguei o ônibus e não me sentei. Assistir aula foi uma tortura. Sentei tirando a saia de debaixo de mim, para que não se sujasse. E o recreio que não acabava mais? Enfim, não me lembro se isso aconteceu só no primeiro dia ou nos demais e nos meses seguintes até eu me acostumar, mas a sensação de solidão e de estar fazendo algo errado ficou.
Não relatei esta parte, mas lembro-me, também, da raiva que eu tinha de ter que lavar os panos sujos de sangue. Aquilo me incomodava muito. Lembro-me, também, de sentir muita raiva e inveja da minha irmã que é seis anos mais velha que eu e já trabalhava e comprava absorvente higiênico – o Modess – só pra ela. Eu tinha que continuar lavando os panos e muitos deles eu joguei fora, escondido de minha mãe.

Falar disso na Tenda Vermelha não foi difícil, mas foi doloroso. Eu falava e sentia de novo aquela frustração, aquele desamparo, aquela humilhação de ter que sair à rua. Foi uma dor profunda, que eu nem sabia que ainda existia em mim. Estava guardada e de repente veio à tona.
E aí, fui acolhida pelas outras mulheres, que me abraçaram, me perfumaram e me fizeram sentir que eu não estava sozinha, que eu tinha braços a me enlaçarem, mãos que me acariciavam, doces vozes que me diziam de seu amor por mim. Tudo que eu gostaria de ter vivido lá atrás e que não foi possível. Então o milagre da cura é possível e acontece! Ele não foi imediato, foi um processo que se iniciou ali e continuou com uma dor terrível na coluna. Terminou à noite, comigo sozinha no quarto do hotel, com um choro convulsivo que lavou minha alma. Adormeci de tanto chorar e dormi toda a noite. Acordei, no outro dia, me sentindo bem. As lágrimas ainda apareceram de manhã, mas já não eram de dor, eram de emoção por relembrar toda aquela experiência maravilhosa.

Eu já vivi muitos processos de cura, porque venho buscando isso em minha vida de várias formas, este foi um dos mais marcantes e especiais.
Agradeço a todas as mulheres que estiveram comigo naquele momento, as que eu conheço e as que eu não conheço; as que me abraçaram e as que choraram comigo. Foi um momento de irmandade total, onde me senti amparada e em total sintonia com a Deusa que habita em mim."

Inanna

Imagem n.1 - Cerimónias da Menarca no Templo da Deusa, Óbidos (contacto: jardimdashesperidestemplo@gmail.com)
Imagem n.2 - Trabalho com Mulheres em Florianópolis, Brasil, 2016

segunda-feira, 16 de maio de 2016

SACERDOTISA EM VIAGEM - A MAGIA DAS ILHAS SAGRADAS



Fui ao Brasil, como sacerdotisa de Avalon, mais propriamente a Florianópolis, Estado e Ilha de Santa Catarina, entre 28 de abril e 5 deste ano de 2016, a convite de quatro fantásticas mulheres maduras e bem resolvidas, que conciliam academia com espiritualidade, dentro da área da Psicologia Transpessoal, uma mistura que muito me agrada e me faz sentir em terreno seguro. As quatro uniram-se no Consorcium Celeritas para juntas terem mais força, poder, impacto e também para ser muito mais divertido (o que não é divertido não é sustentável), claro.
Esta é a lista completa das pessoas e instituições que organizaram este evento que levou Avalon e o Jardim das Hespérides à Ilha da Magia (Santa Catarina), criando pontes entre paraísos, Terras sem Mal, onde é soberana a visão MãeMundo (MotherWorld): 


Dulce Magalhães 
                                                                                                                                                                  Dra em Filosofia, coach, palestrante internacional e facilitadora de cursos com abordagem transdisciplinar holística. Mentora do Festival Mundial da Paz, presidente da Unipaz Santa Catarina em dois períodos e membro do Conselho Gestor. Terapeuta do CIT.
Eneida Lima de Oliveira
Psicóloga. Especialista em Psicologia Transpessoal
Mentora e Coordenadora da Pós-Graduação Izen/Itecne de Psicologia Transpessoal

Lorena Machado e Silva / Lorena Carvalho 
                                                                                                                                   
Enfermeira obstetra e Psicóloga. Conselheira da UNIPAZ e terapeuta do CIT. Palestrante e facilitadora de cursos com abordagem transdisciplinar holística.

 Mônica Giraldez 
                                                                                                                                  
Jornalista. Criadora do curso Gineterapia- Cuidado da Mulher.  Conselheira da UNIPAZ e terapeuta do CIT. Palestrante e facilitadora de cursos com abordagem transdisciplinar holística.

INSTITUIÇÕES PARCEIRAS
UNIPAZ –Universidade Internacional da Paz
Cursos presentes: Formação Transdisciplinar Holística (1 turma) –                                                               Intensivo de Gineterapia Cuidado da Mulher (1 turma)
FACULDADES ITECNE
Pós-graduação em Psicologia Transpessoal ( 2 turmas)                                                                                Pós-graduação em Gineterapia-Cuidado da Mulher (1 turma)
Faculdade de Tecnologia em Saúde CIEPH – (Centro Integrado de Estudos e Pesquisas do Homem)
Pós-graduação em Psicologia Transpessoal ( 1 turmas)  
CIT- Colégio Internacional dos Terapeutas  
Casa I de Florianópolis esteve presente

O evento de 5 dias, que compreendeu palestras (a primeira foi sobre Avalon e o Movimento da Deusa), cursos/workshops e cerimónias (algumas na terra), teve lugar maioritariamente no hotel Praia Mole, muito agradável e confortável. A assistência durante o fim-de-semana foi de mais de 250 pessoas, essencialmente mulheres, vindas de vários pontos do Brasil, com grande recetividade, abertura de coração, alegria, carinho e entusiasmo, que acabaram por muito me nutrir também a mim. Celebrámos Beltane, apesar de estarmos no Hemisfério Sul, porque, seguindo a Astrologia, estamos na amorosa energia de Touro, signo regido por Vénus, Deusa do Amor, e porque, segundo a perspetiva de várias pessoas, como Mirella Faur, a Roda do Ano é algo que pertence ao Hemisfério Norte e se a seguimos não faz sentido invertermos as datas, a própria Páscoa cristã se celebra no outono quando mudamos de Hemisfério. Mas, claro, a religião da Deusa é a religião da Terra e uma Roda do Ano está neste momento a ser concebida para Santa Catarina por um grupo de mulheres/sacerdotisas muito conscientes e preparadas, com Mónica Giraldez, que já celebra a Deusa há cerca de 24 anos, mantendo o centro nesta pesquisa, na qual me sinto muito honrada por ter sido convidada a participar, embora de longe. Trabalho importante nesta área já foi igualmente feito no Brasil, nomeadamente pela própria Mónica Giraldez, pela investigadora Mirella Faur e por Maria Lalla Cy, autora de Juremar Yacy Uaruá.

O evento teve também a participação da sacerdotisa, investigadora e autora Bianca Furtado (última à direita na imagem), que escreveu o delicioso livro Brumas da Ilha, resultado da sua investigação sobre um grupo de bruxas açorianas que no séc. XVIII aportou a Santa Catarina fugindo da Inquisição. A lenda destas mulheres permanece muito viva, trazendo a esta terra, igualmente guardada por um Dragão, como o nosso Jardim das Hespérides, laivos da cultura céltica que tanto apelam às gentes locais. Podemos considerar, de resto, que essa camada cultural céltica é uma das que se mesclam na espiritualidade brasileira, uma vez que é nossa e nós, portugues@s, hélas, fomos o seu principal povo colonizador. Assim, não só levámos o Cristianismo como também a nossa celticidade mais antiga, que se mesclou com a espiritualidade autóctone e depois com a africana levada pel@s escrav@s. A Ilha de Santa Catarina (Santa que se considera que foi nem mais nem menos que a própria Hipátia de Alexandria, filósofa assassinada, num ato bárbaro de pura misoginia, pelos primeiros cristãos) é conhecida pela designação de “Ilha da Magia” e @s Guarani chamavam-lhe “Terra sem Mal”. Existem inúmeros monumentos megalíticos no lugar, relacionados com antigos (e atuais) lugares sagrados de poder, e a espiritualidade das suas gentes, a alegria, candura, autenticidade, abertura de coração levam-nos a sentir que chegámos mesmo ao Paraíso… Catarina, ou Hipátia, levou-lhe o gosto pelo saber académico, pelo conhecimento e a investigação e por isso mesmo o convite para ir até lá partiu do meio académico…

Para mim foi uma experiência inimaginável e que sempre lembrarei com muito amor e muita gratidão à Deusa, à Vida e às pessoas que organizaram o evento e que tão bem me acolheram. Foram 5 dias completamente fora da dimensão ordinária, em que o meu trabalho como sacerdotisa de Avalon fluiu e foi aceite e acolhido da maneira mais harmoniosa e reverente que é possível conceber-se. Abençoad@s!
  
Assistindo ao nascer do sol na Praia Mole, dia 1.º de maio, 2016 

Primeira imagem: da esquerda para a direita, Eneida Lima de Oliveira, Dulce Magalhães, Lorena Carvalho e Mónica Giraldez                                                                                 

terça-feira, 10 de maio de 2016

MAQUILHAGEM E BRUXARIA


No final do século XVIII, o Parlamento Inglês atribuiu às mulheres a mesma pena que era atribuída a quem praticava a bruxaria.
O termo desobrigava os maridos de permanecerem casados, caso constatassem que suas mulheres usavam de adornos como maquilhagem e perfumes para seduzir e induzí-los ao casamento.

“Todas as mulheres que a partir deste ato tirarem vantagem, seduzirem ou atraírem ao matrimónio qualquer súbdito de Sua Majestade por meio de perfumes, pinturas, cosméticos, loções, dentes artificiais, cabelo falso, lã de Espanha, espartilhos de ferro, armação para saias, sapatos altos ou anquilhas, ficam sujeitas à penalidade da lei que agora entra em vigor contra a bruxaria e contravenções semelhantes e que o casamento, se condenadas, seja anulado…”
(Fonte desconhecida)

"O material pictórico com sua plasticidade mancha gruda desliza brilha surpreende prende dança em sensação som tom cor cheiro invade aliso acaricio vejo arranho
retoco não dá já foi sinto a pintura foge esconde se não revela e desvela maquia 
o rito de caça borra esbarra no impulso interno encontra único material externo disponível momento presente “in tenso” explode urgente pulsão pede expressão
necessita se fazer “ex pressão”.
Transgressão na intenção ação e função
entre real e imaginário entre olho e olhar.

Pintei mulher com o que a mulher se pinta.
Efêmera talvez?
Batom, lápis, rímel, sombra, esmalte e o uso deste recurso constitui a própria questão e cerne da obra aqui apresentada."
Andrea Honaiser 

De Andrea Honaiser são ainda as obras que seguem, inspiradas nas lendas e mitos do divino feminino da Ilha de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.