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domingo, 15 de setembro de 2019

A INSPIRAÇÃO DE CRETA PARA UM JARDIM DAS HESPÉRIDES


Este texto já foi escrito há alguns anos, numa altura em que apenas sonhava com Creta, não sabendo bem como e quando conseguiria concretizar o meu sonho... Ele entretanto concretizou-se em junho de 2015 e estas são as fotos tiradas na altura. Na última, estou deitada sobre a areia da praia de Malia e quando olho sobre a minha esquerda lá está a Deusa recostada na paisagem... pura epifania...

Foi este livro, O Cálice e a Espada, e a sua autora, Riana Eisler, que me ajudaram a perceber por que é que no Movimento da Deusa toda a gente, ou já foi a Creta e a Çatal Hüyük, ou se prepara para ir, ou quer repetir a experiência.
Estas sociedades aparecem como o grande momento de glória das sociedades ginocêntricas - muito mais correcto, na perspectiva da autora, do que dizer “matriarcais”. Na verdade não havia domínio das mulheres sobre os homens, mas sim parceria, cooperação, entre os dois géneros, embora os valores que regiam a sociedade tivessem a ver com o feminino e as mulheres detivessem grande autonomia, liberdade e poder.
A sociedade cretense é na realidade o tal Eldorado, porque aí se encontraram vestígios dum modelo de organização social que funcionou muito bem, e tudo leva a crer que isso se deveu ao exercício do poder no feminino.
Aqui a religião estava altamente ligada à arte a à recreação e ocupava uma parte muito considerável da vida. A alegria de viver é reconhecível em cada objecto de arte, o desenvolvimento económico é grande, a distribuição da riqueza é muito equitativa e o nível de conforto muito elevado.
Não se nota que haja ambição pessoal nem o culto da personalidade: nenhum-a autor-a assina as suas obras, nenhum rei regista em crónicas, ou através de estátuas imponentes, os seus feitos heróicos. Daí pensar-se que não seriam reis, mas sim… rainhas!
Não se verifica qualquer sinal de idealização da violência masculina nem da força destruidora. Nestas sociedades o poder era interpretado como responsabilidade, como cuidado com o bem comum, que era o mais importante.
Estou fascinada com Creta! A nossa Meca! Também quero lá ir logo que possa, ainda por cima, as praias são lindíssimas…

O NOSSO JARDIM DOURADO

Será que também nós aqui poderíamos estar agora a desbravar e a mostrar ao mundo a luz vibrante e inspiradora duma sociedade ginocêntrica florescente do tipo da de Creta ou de Çatal Hüyük? A nossa querida Dalila Lello Pereira da Costa acha que sim. Para ela, nunca nós conhecemos verdadeiro progresso nem desenvolvimento como no Neolítico, em que a sociedade era… ia dizer “matriarcal”, mas não digo, era ginocêntrica.
Ginocêntrica, diz a Riane Eisler, é muito mais correcto.

UMA HISTÓRIA QUE NÃO É NOSSA

Qual séc. XVI, qual quê! Como é que nós mulheres podemos enaltecer um tempo em que os homens (não confundir, foram eles!) saíram daqui para impor a outros povos que estavam sossegadinhos no seu canto, a sua Lei da Espada, a escravatura, a conquista, a dominação?!
Essa não é a nossa história, queridas irmãs, e precisamos de nos distanciar dela se queremos chegar a algum lado. Não esquecer que primeiro, antes de agirem dessa maneira reprovável em todos os sentidos, tiveram eles de nos dominar e escravizar a nós!
Essa história que nos contam na escola é aquilo que inglês se designa por “history” (a história dele), diferente de “herstory” (a história dela).
Enquanto mulheres, precisamos de nos dissociar dessa história oficial, da qual mais legítimo seria sentirmos vergonha do que orgulho e voltarmo-nos para a nossa história, aquela de quando éramos nós a dizer como se devia fazer.
E é aqui que a Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo”, não tem razão quando afirma que o domínio do homem sobre a mulher sempre foi uma constante na história humana. Não foi. Graças a arqueólogas feministas, como a Marija Gimbutas, e às descobertas de sociedades do passado altamente desenvolvidas e prósperas que cultuavam a Deusa  e em que as mulheres detiveram papéis muito importante, não dominando ninguém nem sendo dominadas, sabemos que nem sempre os homens dominaram as mulheres.

 AS NOSSAS ANTEPASSADAS DO NEOLÍTICO

Então, a Dalila Pereira da Costa, que é muito discreta em relação às reivindicações feministas, diga-se, mas supereficaz na defesa dos valores femininos, dá-nos esta ideia de irmos atrás da nossa glória de mulheres, descobrindo a força e o valor das nossas antepassadas, as mulheres do Neolítico. E onde estão elas? Pois, muito perto… é lerem a Dalila (parece difícil mas ultrapassado o medo de não percebermos nada, torna-se do mais fascinante que já li nesta vida…) é lerem a Dalila, repito, com este objectivo concreto: perceber aonde andam as nossas mulheres poderosas do Neolítico, aquelas que não foram trucidadas, difamadas ou tornadas invisíveis pelos patriarcas (romanos e cristãos e outros igualmente pouco recomendáveis), as nossas Irmãs das Hespérides, que bailam felizes, livres e formosas como na gruta de Cogul, nos vasos de Creta, nos templos de Çatal Hüyük… Aqui, segundo reza a lenda, elas eram tão fortes que, ao mesmo tempo que fiavam, podiam transportar à cabeça as tais “pedras formosas”...

UMA VISÃO QUE VALE A PENA

Algumas pessoas podem dizer que tudo isto é mentira, que nunca existiu, que é pura invenção… Mas seja como for, acho que a uma invenção desta natureza vale a pena darmos toda a nossa atenção e foco!


terça-feira, 3 de setembro de 2019

A GILANIA DE JESUS



Comentário sobre a gilania de Jesus defendida pela autora Riane Eisler em O CÁLICE E A ESPADA

“Jesus pregava o amor universal, a igualdade entre todos. Ele denunciava as classes dominantes, não apenas os ricos e poderosos, mas também as autoridades religiosas. A autora fala que a partir da nova perspectiva da Teoria da Transformação Cultural é possível discernir um tema espantoso e unificador: a visão da liberação de toda a humanidade através da substituição dos valores androcráticos por valores gilânicos. Em toda a trajectória de Jesus, fica evidente a presença de mulheres como discípulas e líderes cristãs. Não parece que ele tenha feito diferenciação entre homens e mulheres, pelo contrário, para os padrões androcráticos da época em que viveu, ele defendia valores de igualdade entre todos.
Como em outras ocasiões de ressurgimento gilânico, a resistência do sistema da época de Jesus foi muito forte. E os patriarcas da Igreja nos deixaram um Novo Testamento, onde essa ideologia pregada por Jesus ficou sufocada pela superposição de dogmas contraditórios, que foram necessários para justificar a posterior estrutura e objectivos androcráticos da igreja.
Para conhecermos a verdadeira natureza do cristianismo primitivo é necessário sair das escrituras oficiais e recorrer a outros antigos documentos cristãos. Entre eles, o mais importante e revelador é o conjunto de 52 evangelhos gnósticos desenterrados em 1945. Esses ficaram enterrados por quase 1600 anos e são anteriores aos evangelhos do Novo Testamento. O que de mais importante encontrado nesses evangelhos, é o que fez com que Jesus fosse morto, ou seja, o acesso à divindade não depende de uma hierarquia religiosa encabeçada por um alto rabino, bispo ou papa. Esse contacto divino é possível directamente através do conhecimento divino.
Nesses documentos fica claro também que Maria Madalena foi uma das figuras mais importantes para o movimento cristão primitivo. Isso talvez seja o que mais incomodou a igreja ortodoxa hierárquica, o fato de Jesus colocar em posição de igualdade as mulheres.
Esses primeiros cristãos e cristãs ameaçavam o poder crescente dos patriarcas da igreja e constituíam um grande desafio à forma como as famílias patriarcais estavam estruturadas: dominadas pelos homens. O que defendiam ameaçava a autoridade do homem sobre a mulher como fruto de ordenamento divino. O cristianismo primitivo era visto como uma ameaça pelas autoridades hebraicas e romanas e não apenas porque esses cristãos se recusavam a adorar o imperador e prestar lealdade ao Estado, mas principalmente porque eles questionavam s tradições das famílias vigentes, considerando as mulheres como pessoas com seus próprios direitos.
Como antes e a maioria das que vieram depois, o cristianismo tornou-se uma religião androcrática. E o evangelho do amor do cristianismo original desandou terrivelmente. O Império Romano foi substituído pelo Sagrado Império Romano.”
Já no ano 200 d. C o cristianismo estava se tornando exactamente o tipo de sistema hierárquico e calcado na violência que Jesus tanto se rebelou contra. E depois da conversão do Imperador Constantino, o cristianismo se tornou um braço oficial, ou servo, do Estado.
Os líderes da igreja passaram a comandar pessoalmente a tortura e execução de todos que não aceitassem a “nova ordem”. Em vez de ser um espírito absoluto, como mãe e pai, Deus tornou-se explicitamente masculino.” JSF

Imagem: Josefa d'Óbidos, Santa Catarina, igreja de Santa Maria, Óbidos