Se não tivermos uma interpretação da fertilização que
nos permita olhar para o óvulo como ativo, nunca iremos procurar as moléculas
que podem provar isso. Nós simplesmente não podemos encontrar atividades que
não conseguimos visualizar
Entendendo o milagre da
concepção
Para nós, seres humanos,
não há nada tão excitante como o milagre da concepção, juntamente com os
complexos processos biológicos e práticas culturais que levam à criação de uma
nova vida. A relação entre cultura e biologia produz insights infinitos para
quem aproveita o tempo para explorar e reflectir. Num mundo governado pela
força e pelo poder, com uma longa história de guerra, não é de admirar que a nossa
noção de concepção refletisse a noção de que o espermatozoide penetra o óvulo
como se estivesse invadindo uma terra estrangeira. É por isso que as
descobertas recentes sobre o momento da concepção que nos dizem mais sobre
receptividade, cooperação e escolha feminina, em oposição à conquista, podem
fornecer uma bela perspectiva sobre como podemos remodelar a nossa cultura de
forma a que espelhe melhor a nossa biologia interior.
Como seres sociais, a
maioria de nós passa uma boa parte do nosso tempo animad@s pelo amor, a paixão
e a atração. Os bardos cantavam, escreviam poemas, oferecia-se flores, fazia-se
duelos e muito mais para ganhar o favor duma bela donzela. Existem mecanismos
biológicos que moldam esse comportamento, que é central em grande parte de
nossos tesouros artísticos e culturais. Na verdade, trata-se dum coquetel
sagrado, misterioso, cultural e biológico, de infinitas possibilidades
criativas.
O nosso nariz e a nossa boca
são cobertas por uma substância oleosa chamada sebo. Pesquisas mostram que essa
substância contém feromonas, que são os produtos químicos que transmitem
informações sobre a composição biológica duma pessoa. A troca de feromonas
durante um beijo faz com que as pessoas envolvidas fiquem mais ou menos
sexualmente atraídas uma pela outra, dependendo do que os seus sistemas
biológicos detetam. Aparentemente, as pessoas preferem as feromonas de
indivíduos que têm um tipo de sistema imunológico diferente do delas. Os biólogos
e as biólogas evolucionistas acreditam que essa diferença genética é boa para o
sistema imunológico da futura prole.
Hoje em
dia, a teoria mais aceite do beijo é que os seres humanos o praticam porque ele os
ajuda a detetar um parceiro ou uma parceira de qualidade. Quando os nossos
rostos estão próximos, as nossas feromonas “falam”, trocando informações
biológicas sobre se duas pessoas serão ou não fortes criadoras. –
Livescience
Seres conscientes continuam a ser governados pela
biologia
A neurobiologia do amor e
dos relacionamentos mostra-nos que é possível viciarmo-nos nos nossos próprios
neurotransmissores, mas o nosso neocórtex permite-nos direcionar a nossa
intenção consciente. É esse belo equilíbrio entre o impulso inconsciente e a intenção
consciente que nos torna seres humanos tão interessantes (pelo menos para nós
mesmos). É aqui que práticas culturais como a sexualidade sagrada e o tantra se
tornam a expressão refinada da humanidade que vive em harmonia com a sua
natureza biológica.
Se um ovo é quebrado por uma força externa, a vida
termina. Se for quebrado pela força interior, a vida começa. Grandes coisas
sempre começam de dentro. -Jim
Kwik
Conhecemos o estafado mito
do exército de esperma guerreiro invadindo o útero para salvar a donzela em
perigo (o ovo moribundo), lutando entre si pelo caminho para dominar, com o
vencedor penetrando no óvulo e criando vida. A metáfora deu origem a grandes
contos de fadas e filmes dos Monty Python, mas na verdade não é muito precisa,
biologicamente falando. Os espermatozoides são na verdade nadadores frágeis, e
os mais fortes ajudam os mais fracos através da mucosa uterina, semelhante à
maneira como as aves migratórias ou uma equipe de ciclistas se revezam na
liderança. Quando o espermatozoide chega ao destino, é o óvulo que escolhe o
esperma e o atrai para si.
Às vezes a mente quer o
que o corpo não quer e vice-versa. Às vezes, a mente muda com o fluxo e refluxo
de hormonas. Não é de admirar que nós seres humanos tenhamos desenvolvido tradições
e mitos culturais tão elaborados para nos ajudar a navegar neste drama tão
primitivo. Pode ser uma luta, uma conquista ou mesmo uma dança harmoniosa,
dependendo de como gostamos de nos relacionar com ela, mas se for vista com respeito mútuo, ela sempre produzirá resultados positivos.
Os seus esforços (de Emily Martin) para destacar
as imagens masculinas distorcidas que permeiam a nossa visão da reprodução
colocaram-na no centro de um crescente debate sobre como os mitos culturais
podem transformar-se em mitos científicos e vice-versa. Discovery Magazine
Para destruir ainda mais
o mito comum, o espermatozoide selecionado realmente tenta nadar para longe do
óvulo, mas é amarrado ao óvulo pelas hormonas femininas. A membrana ao redor do
ovo literalmente abre-se e engole o espermatozoide. Embora a feroz metáfora da
batalha sempre tenha um vencedor dominando, parece que esse processo é mais
sobre cooperação por um desejo compartilhado de criar vida. Agora é amplamente
conhecido e aceite que a experiência da vida uterina e do nascimento deixam
impressões emocionais para a vida inteira, na verdade cada pessoa tem a sua
própria história de criação!
Antes da fertilização, uma nuvem de células ao
redor do óvulo liberta a progesterona, a hormona sexual feminina, provocando
um influxo de cálcio no espermatozoide. Essa enxurrada de cálcio faz com que o
espermatozoide bata rapidamente seus flagelos (membranas microscópicas que lhe
permitem nadar), uma ação necessária para penetrar através do revestimento de
proteína gelatinosa protetora do ovo. A progesterona também foi implicada no fornecimento
de um elemento químico pelo qual os espermatozoides podem navegar em direção ao
óvulo. – The Scientist
Conquistar ou cooperar?
Manipular e controlar os
resultados é algo que os seres humanos fazem muito bem. Cada género tem o seu
próprio estilo, pontos fortes e fracos quando se trata de atração no romance
que leva à procriação. Como o mito versus a realidade biológica molda a maneira
como nos envolvemos nessa dança? O cavaleiro de armadura brilhante e o mito da
donzela em perigo foi adotado em dinâmicas sociais bem além dos filmes ou
contos de fadas. O mundo é governado por histórias ... Como é que o mundo muda quando
mudam as nossas histórias para descrevê-lo?
Emily Martin, Ph.D em
Antropologia Cultural, passou muito tempo explorando esse conceito e a maneira
como ele influencia a investigação científica, bem como crenças sociais sobre a
biologia humana, os nossos corpos e o mundo ao nosso redor. No seu livro, A mulher no corpo: uma análise cultural da
reprodução, ela estudou a dialética entre metáforas médicas para os
processos reprodutivos das mulheres e as próprias opiniões das mulheres sobre
esses processos. Scott Gilbert, um biólogo do desenvolvimento do Swarthmore
College "prefere pensar no óvulo em diálogo com o espermatozoide em vez de engolindo-o".
Se não temos uma interpretação da fertilização que
nos permita olhar para o óvulo como ativo, nunca iremos procurar as moléculas
que podem provar isso. Nós simplesmente não podemos encontrar atividades que
não conseguimos visualizar. -Scott
Gilbert
Nós prestamos atenção à
ciência, mas os e as cientistas também são influenciadas pelos nossos mitos e
atitudes culturais. Os seres humanos são convidados a cooperar de maneiras sem
precedentes à medida que lidamos com questões climáticas globais. A noção de
conquista já não serve como forma de nos relacionarmos entre os géneros nem como nos envolvemos com o meio ambiente. A observação biológica,
assim como a atenção e a presença espirituais, podem mostrar-nos novas maneiras
de moldar as nossas vidas, a cultura e o mundo. É uma dança subtil e bela que
requer partes iguais de escuta, observação e ação. Todos e todas nós somos
recipientes deste presente chamado vida, como é que vamos devolver esse
presente ao mundo à nossa volta?