Resposta de Cacilda
Rodrigañez Bustos à editora argentina Madreselva, de Buenos Aires, pela
edição que fez da sua obra PARIREMOS COM PRAZER, substituindo a palavra “corro”
(roda) por “círculo”, em outubro de 2010.
Tradução do e-mail enviado pela autora à editora:
Pergunto-me a mim mesma se pode
haver pessoas que não tenham sentido nunca o desejo de acariciar com a sua mão a
mão de outrem, o impulso imperativo de vincular as mãos com outras mãos e
de mantê-las ligadas. É possível que a rigidez do corpo atinja o ponto de
não se ter na memória o registro do toque mais básico? Até que ponto podem os esquemas
mentais artificiais esmagar a pulsação orgânica? E a resposta que eu dei a mim
mesma é que sim, que existem pessoas domesticadas e desvitalizadas o
suficiente para não sentirem o mais elementar desejo, corpos embutidos de
misticismo e do fanatismo, que realizam a sua ginástica para manter se manterem
nos limites duma determinada capacidade muscular.
Sim, há pessoas que não sabem o
que é o desejo ou o que é, ou era, uma roda; que a roda era formado assiduamente
por mulheres e meninas que entrelaçavam as mãos umas com as outras movidas por
um desejo concreto e imediato, por um impulso de prazer e de comprazimento, com
as suas brancas mãos, como dizia Gôngora, com um branco desejo, como diria
Cernuda. O desejo leve e subtil que nem por o ser é menos intenso, menos
complacente, menos prazenteiro. Gente que não sabe o que é uma roda, e que a
confunde com um simples círculo, que é uma figura geométrica, a projeção do sol
ou de qualquer outro objeto que tenha forma circular. No entanto, a roda, por
definição, é formado por corpos vivos, movidos pelas suas pulsões. Por conseguinte,
se dizemos “círculo” em vez de roda, estamos a engolir os corpos que formam as
rodas. As rodas estão vivas, são compostas por seres vivos, movendo-se com o
impulso dos seres vivos que a formam, o que é todo o contrário duma abstração,
duma figura imaginária. Nunca melhor metáfora da substituição da vida pela
morte. Nunca em toda a história do patriarcado houve exemplo mais claro da
sublimação das pulsões sexuais. O movimento dos corpos vivos sobre a terra
fossilizado numa figura geométrica.
O fascismo de base são pessoas
que têm os corpos encarquilhados e disciplinados, e por isso não sabem o que é
uma roda. Em contrapartida, as forças que as controlam, essas sabem bem qual é
a diferença entre a roda feminina e o círculo, e por isso escrevem obras de
propaganda para que ninguém saiba o que é o desejo e os seus jogos. E como as
obras encomendadas não devem ser suficientes, têm de usurpar o trabalho genuíno
feito com base na vida e na verdade, para que continuemos a não entender a
diferença entre dizer “roda” e dizer “círculo”.
Os corpos amortalhados, convertidos em figuras geométricas, sobre mortas
ardósias.
Não se dão conta de que o meu
trabalho é apenas o trabalho de uma pessoa, que o podem perseguir e destruir,
como tantos outros trabalhos e tantas outras pessoas. Mas nós apenas falamos e
escrevemos sobre os factos da vida, e as coisas continuarão a ser como são sem
que nada as afete. Poderão matar e torturar, continuar a matar, mentindo e
torturando, aniquilando milhares de milhões de vidas humanas, que a vida,
enquanto vida houver, continuará a ser e a funcionar como ela é e sempre foi.
Editorial Madreselva: em vez de
se porem a fazer este tipo de “edições”, mais valia sentarem-se à espera de que
brote em vós o puro desejo de acariciar um ser humano.
Cacilda Rodrigañez Bustos
11 de
fevereiro de 2011
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