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domingo, 26 de maio de 2024

Senhora dos Verdes / Helena dos Caminhos

 

Yueri Leitch

HELENA DOS CAMINHOS

 

“Se Helena apartar

do campo seus olhos

nascerão abrolhos”

Luís de Camões

 

“O azar da Península Ibérica foi a Inquisição e a caça às bruxas que destruíram todos os rastos da mitologia arcaica…”

“Sabemos que as estradas romanas seguiam caminhos antigos e sabemos que estes eram caminhos de transumância pastoril e que antes do pastoreio dirigido existiu o mero ato de seguir os trilhos das manadas.”                          

Artur Felisberto

Helena dos Caminhos, conhecida entre nós como a Senhora dos Caminhos, é uma das Deusas de Beltane mais antigas e mais fascinantes e cuja história é mais rica e complexa e difícil de deslindar. Na verdade a história de Helena dos Caminhos parte em várias direções, fazendo jus ao Seu atributo de Deusa dos caminhos, de Guardião dos caminhos. Por Helena, e honrando o seu espírito indomado de Deusa Hasteada, de Deusa Rena, ouso entrar por caminhos que não sei ainda aonde me conduzirão, nem isso me importa, porque precisamente o que a Deusa me é inspira é a abrir ou a mostrar caminhos…

 

Entre as divindades relacionadas com Beltane que fiquei a conhecer no meu primeiro ano do treino de sacerdotisa de Avalon, surgiu uma que imediatamente captou a minha atenção duma forma muito premente: Elen of the Trackways. Fiquei sob o Seu encanto e andei uma eternidade às voltas com esta energia poderosa até ter percebido que Elen, ou Helena, queria ser encontrada e resgatada no nosso território. Ao ler a investigadora britânica Caroline Wise, compreendi melhor aquilo que eu mesma senti no meu primeiro contacto com esta Deusa: “Quando comecei a leitura dessa pequena brochura (onde se falava de várias Helenas mitológicas e da possibilidade da sua origem comum) senti as correntes da kundalini atravessarem o meu corpo”.

Durante o meu treino, com o meu inglês tão insipiente, lia e escrevia em frente do computador e do tradutor do Google. Na verdade estudar, fazer investigação, hoje em dia é absolutamente fascinante, porque podemos satisfazer a nossa sede de informação e a nossa curiosidade da forma mais simples, pressionando apenas algumas teclas do computador. Ora, como muito cedo me apercebi das ligações que existem entre o material britânico e o ibérico, a certa altura resolvi escrever no motor de busca: “Senhora dos Caminhos”. Será que tal epíteto fora alguma vez aqui atribuído à Deusa? Para meu espanto absoluto a resposta foi positiva. Sim, são inúmeras as capelas, santuários, nichos, por todo o país, mais para o Norte, mas na verdade um pouco por todo o país. Existem até duas capelas bem perto da aldeia onde nasci, no distrito de Leiria, uma na Batalha e outra em Porto de Mós. Incrível, capelas da Senhora dos Caminhos mesmo ao pé de casa e eu nunca tinha ouvido falar desta Deusa! Uma investigação sumária desses locais de culto, trouxe-me uma informação preciosa: em Rãs, freguesia de Sátão, Aguiar da Beira, uma nova capela da Senhora dos Caminhos foi construída sobre outra mais antiga dedicada à… Senhora dos Verdes.

Senhora dos Verdes? Não podia acreditar no que estava a ler… Senhora dos Verdes é nem mais nem menos que a tradução literal de Lady of the Green, uma das primeiras designações por que Elen of the Trackways é conhecida, como uma espécie de versão feminina do Green Man, o Homem Verde, ou seja, uma personificação do espírito da natureza, relacionada com a Fertilidade e a Soberania da terra. Ou com a própria Terra, como postula Caroline Wise no seu brilhante trabalho de investigação sobre esta divindade, segundo ela uma das mais primitivas e importantes do panteão britânico. O nome da capital inglesa, Londres, poderá estar relacionado com ela, acredita.

Pela etimologia, “Elen” é um termo relacionado com cervídeos como a Rena, o Alce, o Veado, a Corça, mas também com o Cisne. Em francês, por exemplo, existe o termo Élentier significando Alce. Entre a figura referida no Mabinogion, Elen of the Trackways, Helena de Troia e Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, entretanto, existem ligações que levam a investigadora a suspeitar tratar-se da mesma entidade. Helena de Troia nasceu, segundo a lenda, dum ovo de Cisne, forma tomada por Zeus para seduzir sua mãe, Leda. Quanto a Santa Helena, foi ela quem, supostamente, descobriu na Terra Santa a verdadeira cruz de Cristo. Ora, Cruz do Norte é precisamente um outro nome dado à constelação de Cygnus. Elen surge assim como uma energia por demais poderosa e fundadora para não irmos no seu encalce.

Voltando aos poderes de Helena, Ela é a Senhora da Soberania da Terra, Senhora dos Verdes, a Vénus Britânica, Deusa dos Jardins, a Noiva das Flores, Guardiã dos cursos de água subterrâneos, Guardiã dos antigos trilhos das migrações da Rena e do Alce, Guardiã das Linhas Ley, Ativadora e Mediadora da Kundalini da Terra. A Sua ligação à Rena parece ser a mais primordial, e Renas existiram também na Ibéria. Nos períodos glaciais, os animais característicos foram o mamute, o rinoceronte peludo e a rena, espécies vindas do centro e do norte da Europa, que buscavam o clima relativamente ameno da Península. Portanto, em épocas glaciares havia renas e a última dessas épocas acabou há 9 mil anos, ou seja, no início do Neolítico. Esta mudança climática terá originado a substituição da rena pelo cavalo

 “Esta Deusa, com ligação a animais como os cervídeos, cujos caminhos guarda e guia, tornou-se a Deusa das linhas de energia, implicada na soberania da terra, nas suas medições, mapeamento e na geomancia. Por intermédio dos animais e dos seus antigos trilhos, ela está relacionada com o equilíbrio das energias da terra, com a fertilidade e com os ciclos da natureza”, resume Caroline Wise. E também por cá temos, entre outros, o Monte de Santa Helena, em Lage, freguesia de Vila Verde, onde são visíveis os vestígios duma via romana, que a atravessava e que era parte do caminho de Santiago.

 

O CISNE DE HELENA

 

“Como Deusa Hasteada, Ela guia-nos pelos primeiros trilhos da migração das renas. Ela apontou para a antiga cidade de Londres e para as estrelas e revelou-me mistérios do conceito abstrato de soberania, que liga a fertilidade da terra a quem a governa.” Caroline Wise (http://mirrorofisis.freeyellow.com/id152.html)

Andrew Collins, entretanto, em The Cygnus Mistery, defende que a veneração do Cisne, como ave associada à vida cósmica, remonta a 17 000 anos atrás quando a constelação de Cygnus ocupava posição de destaque nos céus noturnos do Hemisfério Norte, sendo então Deneb, a estrela mais brilhante desta constelação, a Estrela Polar. Segundo crê, a constelação de Cygnus estaria na origem de todas as religiões do mundo, bem como da Astronomia, da Literatura, das cosmologias antigas e das viagens transoceânicas. Raios cósmicos duma estrela binar desta constelação, a Cygnus X-3, defende o autor, terão contribuído para a evolução humana durante a última Idade do Gelo, sendo vários os indícios, diz-nos, que provam que as/os nossas/os antepassadas/os tinham consciência de que a vida na Terra tinha uma origem estelar.

Os animais totémicos de Helena são a Rena e o Veado (os cervídeos) e o Cisne, cuja simbologia é riquíssima e sobre o qual se pode ler na Infopedia: O cisne é em muitas tradições o símbolo da mulher e da virgem dos céus que em contacto com a terra e com a água dá origem aos seres humanos”.  Helena relaciona-se assim com a constelação do Cisne, também conhecida como Cruz do Norte, e estou convencida de que um fóssil da antiga veneração dessa constelação no nosso território se encontra precisamente no culto prestado à Santa Cruz, na religião católica, curiosamente um dos antigos oragos da freguesia onde nasci. Na versão oficial, trata-se da cruz onde Cristo terá sido crucificado, descoberta na Terra Santa, por Helena (santa Helena), mãe do imperador Constantino, aquele que impôs o Cristianismo como religião oficial do Império Romano.

Podemos avistar Helena dos Caminhos nos trilhos dos bosques, entre as árvores, se A invocarmos e estivermos atentas/os à Sua epifania. Aí, é possível vislumbrarmos a Sua silhueta ou recebermos da Deusa um qualquer sinal da Sua presença. Como Deusa de Beltane, se nos rendermos à Sua presença em nós, Helena guia-nos pelas correntes da Kundalini do corpo, pelas indomadas correntes do desejo, quando vibrando em uníssono com o divino masculino, atingimos o portal estelar que conduz o ato de fazer amor à sua cósmica dimensão e apoteose.

©Luiza Frazão, Maio 2015