Virgem negra, Nazaré, Portugal |
(tradução Luiza Frazão)
Quando me mudei para o Minnesota, toda a gente lá em casa
expressou preocupação com as baixas temperaturas do Inverno. Ninguém me avisou,
todavia, sobre o quão escuros eles seriam, nem quanto tempo duraria essa
escuridão. Durante anos, reclamei, mas gradualmente passei a aceitar a
escuridão. A escuridão convida-nos a desacelerar, a descansar, a dormir, a sonhar.
É um momento de abertura para as nossas profundezas e para as de outras pessoas.
Existe uma espécie de magia na escuridão. Sem a dura luz do julgamento, no
escuro, é mais provável que partilhemos os nossos segredos e histórias, as nossas
feridas e as nossas dúvidas, os nossos corações e esperanças uns e umas com as
outras. À medida que as árvores caducas perdem as suas folhas, o firmamento
também se abre, dando origem ao céu noturno. A escuridão do inverno dá-nos de presente
as estrelas e uma sensação de sabermos o nosso lugar no universo. Elas chegam
como velhas amigas. As Sete Irmãs das Plêiades aparecem à noite, e Orion
cumprimenta-me todas as manhãs. Quando o cometa Hale-Bopp era visível da Terra,
procurei-o nas minhas viagens noturnas para
casa, e lá estava ele, o meu companheiro constante nas noites frias do inverno.
As estrelas lembram-nos de que não estamos sós, que todas e todos somos parentes,
pois somos matéria das estrelas.
Ultimamente, tenho sentido falta da escuridão. Quando me
mudei para a minha casa na floresta, a noite era escura. À medida que a cidade
cresceu, mais casas foram construídas e postes de luz acrescentados. A escuridão
foi eclipsada por um crepúsculo sem fim. Nos nossos esforços humanos para
resistirmos à escuridão, esquecemos o mandamento terreno para descansar e todas
e todos estamos a sofrer as consequências. A poluição luminosa afeta a nossa
saúde, diminuindo a liberação de melatonina - abrindo caminho para a perda de
sono, aumento da ansiedade e uma série de outras doenças. A saúde de outros
animais também é afetada, assim como a migração das tartarugas marinhas e das
aves que navegam pelas estrelas e pelo luar. Iluminamos a noite para não nos
perdermos na escuridão, mas talvez nos tenhamos perdido por estarmos demasiado
iluminadas/os. Como o bolbo da primavera que precisa do frio e da escuridão
para florescer, também nós precisamos da nutrição da escuridão profunda para
restaurarmos a nossa criatividade e poder.
Gruta de Alcobertas, Portugal |
No nosso anseio pela escuridão, não é apenas pela escuridão física que ansiamos, mas também pela metafísica - o poço profundo da antiga escuridão divina, a matriz original. Como China Galland meditou: "O anseio pela escuridão [é] também um anseio pelo ventre de Deus." [I] No seu Anseio pelas Trevas, Galland lembra-nos da persistência desse anseio e da sua emergência como Ishtar, Ísis, Astarte, Asherah, Tara, Kali, Parvati, Durga, bem como Maria e os místicos cristãos que escreveram sobre a maternidade do divino. As suas representações iconográficas abundam em todo o mundo, desde os templos de Tara em toda a Ásia aos muitos santuários para a Madona Negra em toda a Europa. Não é de admirar que é neste tempo de escuridão profunda que Maria é celebrada dentro do Cristianismo - Maria não como passiva, mas como a força divina materna forte, corajosa, ferozmente protetora e terrena.
Lucia Birnbaum lembra-nos que a primeira mãe africana é a nossa
herança genética, homenageada por milênios como Erishkegal, Ísis, Lilith, Kali,
Oxum, Hagar. Foi somente com o surgimento do patriarcado que o divino feminino negro
foi rebaixado, deslocado, apagado e relegado para o espaço subterrâneo. No
entanto, ela continua a crescer na nossa psique e nos nossos anseios mais
profundos. A cada ano, milhares caminham centenas de quilómetros em
peregrinação para visitar esses santuários, todas e todos buscando conexão com
as energias femininas sombrias, divinas e pré-patriarcais das quais tanto precisamos.
Galland escreve: “Dizer que alguém está 'ansiando pela
escuridão' é dizer que anseia pela transformação, por uma escuridão que traz
equilíbrio, plenitude, integração, sabedoria, discernimento.” [Ii] Certamente,
se existe um tempo em que precisamos de restaurar o equilíbrio e obter
discernimento e sabedoria, é agora, pois vivemos num mundo profundamente
desequilibrado. Diz-nos a Física teórica que a matéria escura é aquilo que
mantém as estrelas e as galáxias juntas - matéria, da mesma raiz que mãe - mater.
Termos banido a matéria escura desequilibrou-nos. Eu imagino um mundo que saiu
fora do seu eixo, vacilando através do universo. As energias preponderantes do ódio,
violência, opressão, dominação e patriarcado desequilibraram-nos. Precisamos
das qualidades do divino feminino escuro - compaixão, justiça, igualdade e a
transformação do patriarcado hierárquico violento numa democracia pacífica e
radicalmente igualitária. Já estivemos lá antes; podemos voltar.
Gruta Rio Maior |
Neste tempo de escuridão, que os nossos espíritos possam
elevar-se a esses lugares de possibilidade – as dádivas da matéria escura.
Notas (não traduzidas)
[i] Longing for Darkness, 54.
[ii] Ibid., 152.
[iii] I was writing this section when I learned of bell
hooks’ death. I dedicate this piece to the
legacy of wisdom and love she gave us all.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Bell_hooks
[iv] “Lorde,” 243.
[v] Sister Outsider, 69
[vi] Ibid., 36.
Notes
Birnbaum, Lucia Chiavola. Dark Mother: African Origins and
Godmothers. San Jose: Authors Choice Press, 2001.
Eisler, Riane. The Chalice and the Blade: Our History, Our
Future. NY: Harper One, 1988.
Galaxies Protected by Dark Matter | Space
Galland, China. Longing for Darkness: Tara and the Black
Madonna. NY: Penguin, 1990.
hooks, bell. “Lorde: The Imagination of Justice.” in Byrd,
Rudolph et. al. eds. I Am Your Sister:
Collected and Unpublished Writings of Audre Lorde. New York:
Oxford U. Press, 2009.
______. Yearning: Race, Gender and Cultural Politics.
Boston: South End Press, 1990.
Lerner, Gerda. The Creation of Patriarchy. New York: Oxford
University Press, 1987.
Light Pollution | National Geographic Society
Lorde, Audre. Sister Outsider: Essays and Speeches by Audre
Lorde. Trumansburg, NY: The
Crossing Press, 1984.
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