“(…) a Artemis grega, divindade solar na origem dos tempos, que perdeu este aspeto e esta função a favor dum deus masculino. Podemos de
resto ver como é que esse processo se desenrolou no mundo helénico e
relacioná-lo com a tradição celta. Com efeito, primitivamente, Artemis
identificava-se com sua mãe, Leto (ou Latona), tal como Core-Perséfone era a
dupla da mãe Deméter: ela representava o Sol jovem, o Sol levante, por
oposição a Leto que personificava o velho Sol, o Sol poente (tal como Core era
a jovem filha, ou seja, a Terra jovem, face a Deméter, a velha Terra, o
conhecido mito da renovação).
A partir do momento em que as divindades femininas foram
masculinizadas, e também porque era impossível esquecer completamente o seu aspeto
feminino, conservou-se a personagem de Artemis, apondo-se-lhe no entanto um paredro macho, o seu irmão Apolo, o qual monopolizou o aspeto solar, ao
mesmo tempo que Artemis era remetida para a noite transformando-se em Deusa-Lua.
O mesmo aconteceu no Egipto onde Osiris tomou o lugar de
Isis como Sol poente enquanto Hórus se tornava o Sol levante.
Sabemos que primitivamente a Lua era masculina e o Sol
feminino, ainda assim é nas línguas semitas, germânicas e celtas e também nas
tradições populares (onde se diz que “a Lua engravida as mulheres”).
Houve por conseguinte uma grande reviravolta no simbolismo
mítico e religioso: a deusa-mãe Sol, Leto, foi substituída pelo seu filho e
pela sua filha, macho e fêmea, e sabemos que Juno-Hera tudo fez para que essas
crianças, fruto do adultério de Zeus (e portanto das prerrogativas
paternalistas) não nascessem, o que significa que Hera, mulher divina, recusou
admitir a mudança de orientação da sociedade, da ginecocracia para o
paternalismo”.
Jean Markale, La Femme Celte, Payot (tradução Luiza
Frazão)
Imagem: Sun Goddess Mitra, Persian painting by Hojjat Shakiba