“De particular relevância é o trabalho muito mais recente do
psicólogo David Winter. Tal como outr@s académic@s modern@s de nomeada, Winter
tem vindo a estudar aquilo que no livro do mesmo nome designa de “motivação de
poder”. Como psicólogo social, dedicou-se à descoberta de padrões históricos
através de medições objectivas. E embora uma vez mais convenha olhar para além
daquilo que Winter sublinhou, a partir da perspectiva psicológica convencional
centrada no masculino, as suas descobertas documentam decisivamente que
atitudes mais repressivas para com as mulheres prenunciam períodos de belicismo
agressivo.
Centrando-se numa das figuras românticas mais famosas da
literatura e da ópera, o impetuoso sedutor Don Juan, a análise sociopsicológica
de Winter baseia-se largamente no estudo da frequência de certos temas em documentos
literários. Winter observa que, apesar da obrigatória condenação das acções de
Don Juan como “perversas” e “malditas”, ele é de facto idealizado como “o maior
sedutor de Espanha”. Assinala também que os motivos subjacentes de Don Juan são
a agressão, o ódio e o desejo de humilhar e punir as mulheres – não os impulsos
sexuais. Nota ainda algo de profunda importância psicológica e histórica: as
atitudes extremamente hostis para com as mulheres são características de épocas
em que as mulheres sofrem a máxima repressão por parte dos homens.
O caso
clássico relevante que cita é o da Espanha onde emergiu a lenda de Don Juan,
quando os espanhóis das classes superiores haviam adoptado o “costume mourisco
de manter as mulheres em isolamento”. A razão psicológica por detrás desta
hostilidade acrescida, explica Winter, é o relacionamento mãe-filho tornar-se
particularmente tenso em períodos assim – a par da generalidade das relações
feminino-masculino.
Contextualmente, torna-se evidente que a “motivação de poder”
de Winter é, na nossa terminologia, a pulsão androcrática para conquistar e
dominar outros seres humanos. Tendo estabelecido ser o rebaixamento das mulheres
por parte de Don Juan uma manifestação desta “motivação de poder”, Winter
tabula então a frequência das histórias sobre Don Juan na literatura de uma
nação relativamente aos períodos de expansão imperial e de guerra. O que
documentam as suas descobertas é aquilo que nós prediríamos socorrendo-nos do
modelo de alternância gilânico-androcrático: historicamente, as estórias do
mais famoso arquétipo de dominação masculina sobre as mulheres aumentam de
frequência antes e durante os períodos de militarismo e imperialismo
exacerbados.”
in O Cálice e a Espada, Riane Eisler, Via Óptima