As formas de tratamento em Portugal são um tanto fluidas, como sabemos, e a formação das pessoas que lidam com o público, não inclui por vezes, todas as disciplinas que deveria incluir. Uma delas chama-se Comunicação não Violenta, uma matéria de que não ouço falar muito, mas do mais importante. Se se dissesse às funcionárias e aos funcionários, só para simplificar, algo de básico como “trate as mulheres como trata os homens” já se avançaria um bocadinho. Nunca ouvi nenhum/a atendente tratar um homem por Menino, seja qual for a sua idade, mas agora parece que se tornou moda tratar assim as mulheres. Não todas, claro, não as que estão na faixa etária correspondente, mas as mulheres de mais de 65 anos! Como eu. Hoje foi a terceira vez que reclamei com alguém sobre o assunto e não passou disso. A partir de agora passarei a usar o Livro de Reclamações.
A funcionária repetiu várias vezes o epíteto alto e bom som, completamente a despropósito, enquanto me atendia. Acabou por ouvir o que não queria. Já reparou que está a usar um tom de ironia com uma pessoa que não conhece de lado nenhum? Por que tem de enfatizar a minha idade enquanto me atende? Qual é a necessidade? Se tivesse estudado Comunicação não Violenta teria percebido que a pessoa que é assim tratada, que anda ali descontraidamente apenas a fazer as suas compras, é de repente lembrada que está numa categoria aparte, numa categoria em que o desempoderamento avança de forma progressiva, tendo de aceitar a desconsideração de qualquer pessoa, disfarçada de simpatia.
Como na descida de Innana até aos domínios de sua irmã, rainha dos infernos, no mito sumério. No primeiro
degrau a Deusa é despojada do seu colar, símbolo do seu poder… Aqui, no primeiro
degrau, recebes um título irónico: Menina… todos os outros títulos que já ostentaste esquecidos
e obliterados, caducados… Podes ter sido Professora, Doutora, Senhora, Dona… Agora
és simplesmente Menina… E deves achar piada como toda a gente parece achar à
tua volta porque é com carinho, dizem-te… Na verdade com um tremendo desrespeito, desprezo e violência disfarçados…
Houve uma época em que eu achava que no Porto esse tratamento se tolerava e até teria a sua graça, mas a experiência diz-me para desconfiar de tudo o que não tem equivalente masculino.
Sugiro que faça o teste e pense duas vezes antes de tratar uma pessoa de mais de 65 anos por
Menina. Mesmo que ela esteja num lar de idosas/os, onde o tratamento está lamentavelmente
oficializado, ela sabe muito bem que há ali um vampírico, insidioso,
provinciano jogo de poder que por caridade merece ser denunciado.
©Luiza Frazão