Nos últimos
dias temos assistido àquilo que parece ser a encenação, ou a atualização, dum
antigo mito grego, que se repetiu em Roma com outros nomes, e que diz respeito ao nascimento da Deusa Athena, saída da cabeça do seu pai, o grande patriarca do Olimpo (basicamente um violador em série), prontinha e armada para o combate.
Diz-nos Jean Shinoda, na sua análise dos arquétipos femininos, que esta “filha do seu pai” é a mais acérrima defensora dos valores do patriarcado, arquétipo forte nas mulheres que apostam tudo numa carreira de sucesso, usando como modelo o pai, desvalorizando por completo a mãe, percebida como desempoderada e insignificante, comparada com o pai, a cuja missão dão energia e continuidade.
Diz-nos Jean Shinoda, na sua análise dos arquétipos femininos, que esta “filha do seu pai” é a mais acérrima defensora dos valores do patriarcado, arquétipo forte nas mulheres que apostam tudo numa carreira de sucesso, usando como modelo o pai, desvalorizando por completo a mãe, percebida como desempoderada e insignificante, comparada com o pai, a cuja missão dão energia e continuidade.
Na pesquisa
de imagens surgiram-me os exemplos acabados que podemos ver aqui, mas foi ao encontrar a imagem de Le Pen com a sua neta, que fez todo o sentido para mim que esta realidade pode ter ainda outra leitura, porventura mais justa, e que é aquela que faz o autor bretão Jean Markale em A Mulher Celta. Aí ele refere uma instituição celta muitíssimo antiga, que aparece no Mabinogion(1), que implicava que o rei impotente
devesse, durante a maior parte do tempo, manter os seus pés no regaço duma donzela. Na perspetiva do autor, trata-se no
fundo da memória duma sociedade matrifocal, dum tempo em que era a
mulher que detinha o verdadeiro poder, que encarnava a verdadeira Soberania:
“(…) a instituição do “troediawc” é
no mínimo curiosa e como todas as instituições curiosas, a sua origem parece
ser muito antiga e provavelmente é mal compreendida pelos legisladores do séc.
X. Se então a função é confiada a um homem, é normal, trata-se duma sociedade
patriarcal. Mas a narrativa de Math ab Mathonwy representa uma tradição mais
antiga. Não é um homem que ocupa a função de “troediawc” mas sim uma mulher, o
que faz mudar o caso de figura, pois indica, não uma situação anterior, mas a
memória duma situação anterior, que, combinada com o regime matrilinear que
aparece ainda no Mabinogion, coloca Math na charneira de dois tipos de
civilização.
A imagem do rei impotente com os pés
no regaço duma donzela, ou seja, duma “morwyn”, um ser
primordial e feérico saído do mar, uma “morgan”, se preferirmos, é simplesmente a imagem do rei saindo do Ventre da
Mulher. Se por via de consequência o poder real, aquele que Math encarna de
resto muito mal, provém em linha direta duma filiação uterina, provém da mulher
que é a verdadeira Soberana, a detentora da Vida. (…) A Soberania, que nas
lendas celtas é normalmente encarnada por uma mulher, é esta donzela no colo da
qual o rei Math deve manter os pés, sob pena de não mais poder reinar. Logo que
soube que o seu sobrinho Gilwaethwy, com a ajuda de Gwyddyon, ultrajou aquela
que ocupava esta nobre função, ele foi obrigado a substituí-la, uma vez que a
Soberania não pode ser ultrajada impunemente.”
Esta é uma
análise que faz todo o sentido para mim, basta ver a aura mística que rodeia
estas mulheres.
(1) O Mabinogion é uma coletânea de manuscritos em prosa escritos em
galês medieval. São parcialmente baseados em eventos históricos do início da
Idade Média, mas que podem remontar a tradições da Idade do Ferro.