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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Romance BRUMAS DA ILHA, Bianca Furtado



Romance histórico

"No início era Ela, a Mãe de todas as coisas
e Ela se elevou nua no espaço infinito
dançou cada vez mais selvagem
e ao dançar gerou o cosmos."
(Mito grego sobre a criação do universo)

Bianca Furtado é de Florianópolis, da Ilha de Santa Catarina, no estado com o mesmo nome no Sul do Brasil, onde, entre a população colonial portuguesa, a comunidade açoriana imprimiu marcas importantes e indeléveis na cultura. Marcas bem visíveis a olho nu na arquitetura, extremamente bem conservada e valorizada, nas festas de Espírito Santo, ou nas belas e coloridas rendas de bilros tão características do artesanato brasileiro. Também na tradição oral, nos mitos e lendas locais, as Bruxas oriundas do Corvo deixaram vestígios na memória da Ilha de Santa Catarina - esotericamente considerada como a décima ilha dos Açores – o que levou a autora a investigar sobre a sua existência histórica e a seguir-lhes o rasto até ao arquipélago de onde no séc. XVIII tiveram de fugir ameaçadas pelos perigos das investidas da Inquisição contra a vida de mulheres fortes e autónomas.

Bianca Furtado é uma talentosa e deliciosa contadora de histórias e imediatamente entrei no ritmo da vida de Lunae, de sua avó e irmã, no ritmo da sua mágica e frugal existência, em profunda conexão com a natureza da Ilha das Flores e dos seus mistérios, os mistérios da Deusa. Depois a narrativa adensa-se, o pequeno núcleo familiar junta-se à Irmandade da Ilha do Corvo, onde algo de sinistro vem perturbar este mundo feminino, imbuído de grandeza e de harmonia, sem deixar de nos apresentar a sua complexidade e humanos desafios. A certa altura revi-me no cenário e encetei o que senti como um processo cármico que me levou a abrandar o ritmo da leitura, que ainda por cima acontecia pelo Samain…



Sem dúvida que histórias destas, de mulheres independentes, íntegras e dedicadas, com interesses e vida própria, autoinspiradas, vivendo em comunidades respeitadas (não fosse a arrogância religiosa de quem se sente no direito de defender os interesses dum deus “maior” ao qual se atribuem as intenções e os meios de “arrasar a concorrência”), inseridas em outras mais alargadas que usufruirão dos serviços destas mulheres que sabem viver em harmonia e cooperação com os seus irmãos e companheiros, com consciência de que “um homem só é nosso aliado quando não estamos sob o seu poder”, estas história, dizia, precisam tanto de ser contadas! 

Todas e todos precisamos destas personagens, de saber do nosso direito de existir no mundo enquanto mulher, sendo apenas isso, uma mulher, um ser humano; não porque se é a irmã, a namorada, a esposa, a filha ou a mãe de alguém, mas porque se é um ser humano completo em si mesmo, com vida e interesses próprios, com a sua forma exclusiva de ver e de estar no mundo. Por outro lado, valorizar personagens que foram profundamente desvalorizadas e anuladas pela versão dos vencedores, “bruxas peçonhentas que só mereciam mesmo a fogueira” (um sentimento que ainda anda muito por aí) é repor a justiça e o equilíbrio neste mundo.

Por tudo isto, pela grandeza desta narrativa, pela sua relação com a nosso própria história e cultura, pelo seu jeito especial de contar histórias, pelo encanto com que se penetra nos cenários por onde nos conduz, Bianca Furtado merece ser lida. O seu livro tem aliás todos os ingredientes para agradar imensamente ao público português, como está a acontecer no Brasil, de onde aliás já rumaram a Portugal e às ilhas dos Açores as primeiras leitoras mais impressionadas e inspiradas (e com os meios suficientes para o fazerem, claro); a duas delas já as encontrei no coração de Lisboa, na véspera de rumarem até essas ilhas encantadas do Atlântico, preciosas entre todas as que povoam os nossos sonhos e a nossa imaginação.
Bravo, Bianca, espero que continues a relembrar-nos com a tua profunda sabedoria e a tua delicada perspicácia e acutilância as histórias que até há bem pouco tempo nem sequer sabíamos que já tínhamos vivido! 

Luiza Frazão 
 





quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Livro a DEUSA DO JARDIM DAS HESPÉRIDES - O resgate da Deusa em contexto nacional

Sobre o meu livro, uma leitora escreveu:


"O livro "A Deusa do Jardim das Hespérides, de Luiza Frazão, é um esforço imenso e bem sucedido, porque também de investimento pessoal e auto-descoberta, da aplicação de uma "metodologia" - desenvolvida por Kathy Jones no Templo da Deusa de Avalon, em Glastonbury - ao território português, lugar da Deusa Cale, Gaia, a Anciã...

Entre a torrente de informação fascinante que a autora vai desvelando em pistas, que depois poderão por nós ser aprofundadas consoante o sentido - emocional, geográfico, de saber, de memórias - que elas nos façam. Destaco aqui algumas.

O sentido que me fez saber que a Praia das Maçãs, com vista para o Monte da Lua (de Cynthia), lugar da minha infância e juventude e que muito me atrai, é lugar da Cale da Água, Senhora do Mar, festa de Litha, Solistício de Verão...  Também pude enquadrar o meu fascínio pelos cultos paleo-hispânicos, que havia estudado outrora na faculdade numa cadeira, algo obscura, leccionada pelo professor Cardim Ribeiro, e que, não por acaso, está à frente do Museu de Odrinhas, um museu maravilhoso, entre Sintra e a Ericeira, com muita informação a explorar a quem se quiser dedicar a estes temas, e que publicou alguns artigos sobre os cultos paleo-hispânicos, nomeadamente sobre o Templo à Lua, Sol e Mar, justamente no promontório que liga a Praia das Maçãs à Praia Grande. 

Depois outras informações me assolaparam, como o culto a Sra. do Monte, que remete para um lugar onde vivi durante três anos (no bairro da Graça, em Lisboa). É um lugar antiquíssimo, num dos pontos mais altos da cidade (há quem diga que é a melhor vista de Lisboa com o Tejo - Tétis ! - lá ao fundo) e onde já existiria algum tipo de culto que D. Afonso Henriques logo aquando da conquista da cidade fez questão de suplantar, mandando erguer uma capelinha e consagrando-a como lugar de culto cristão. Nessa capela consagrada à Sra. do Monte existe a famosa cadeira de S. Gens, na qual as grávidas se vão sentar para obter a promessa de um bom parto.

Também a referência à Sra. do Leite me soou muito. As imagens não abundam em território nacional tal como as da Sra. do Ó. Motivo entre nós reprimido pela Inquisição, a representação da Sra. do Leite encontra-se em alguma pintura italiana do final da Idade Média e do Renascimento, em cujo território sobreviveu melhor, apesar da Contra-Reforma. No entanto, há um quadro muito delicado do século XVI do Mestre da Lourinhã que representa a Sra. do Leite, mas cuja proveniência, provavelmente uma igreja ou convento, se perdeu no tempo (é possível vê-la agora na Fundação Medeiros e Almeida, em Lisboa).

Igualmente a informação de o Caminho de Santiago, que já fiz algumas vezes enquanto peregrina, ser afinal uma reminiscência do Caminho da Deusa... E pensar que ele, o caminho iniciático, só está verdadeiramente completo se a peregrina, depois de chegar a Santiago, fizer mais 80km até ao cabo Finisterra, onde se deve desfazer do "velho", daquilo que já se não necessita, qual Ophiusa trocando de pele!...

É, então, um livro realmente importante, sobretudo também por uma certa dimensão política, como o seu engajamento numa corrente feminista ecologista, a mais progressista actualmente e de maior alcance, que advoga o regresso à Grande Mãe, respeitando todos os seres. Frazão faz referência à importância dessas "pequenas grandes coisas" que são as sementes, mencionando o activismo de Vandana Shiva (Declaração da Liberdade das Sementes) ou referindo a Teoria da Resposta da Terra ou Teoria de Gaia, de James Lovelock.
 
Mas o mais fundamental do gesto de Luiza Frazão, na senda do gesto inicial de Rosa Leonor Pedro, é efectivamente o resgate da Deusa em contexto nacional, desvendando mitos, história(s) e lendas, recorrendo também à etimologia dos lugares, às Canções de Amigo e até à obra seminal de Luís de Camões. É que se são importantes as cosmologias e tradições indígenas das Américas que nos têm visitado, é fundamental resgatar e respeitar as cosmologias e tradições do nosso território e que (quase) se perderam no tempo, bem como a (intrínseca) ligação da mulher à Deusa, que não é ninguém senão ela própria, e à Mãe Terra. Isso mesmo - a procura das tradições da Deusa em território nacional - já havia aconselhado a Xamã e Mulher Medicina, de origem chilena e equatoriana, Mamma Andrea Atekokolli. 

Por isso, "A Deusa do Jardim das Hespérides" de Luiza Frazão é de leitura obrigatória a todas as mulheres que estão na senda da Deusa e de si próprias, em Tendas Vermelhas (e Azuis) por esse Portugal a fora, segura que estou que é uma "semente" que muito em breve dará os seus frutos."

Inês Beleza Barreiros