Gosto, dizia, de percorrer esses caminhos, sinto que preciso
deles e que eles precisam de mim. Dizem-nos @s mestr@s que o mundo precisa da
nossa atenção para existir e eu acredito e é quase com um sentimento de dever
ou de missão que sempre que posso percorro os campos, para garantir que
perduram, que continuam a mudar de aparência em cada estação, que ainda rescendem
a ervas mágicas no Verão, que se enchem de flores quando vem a Primavera e de
pássaros nos ninhos e de regatos e poças de água no Inverno e que amarelecem no
Outono quando a Deusa Abundância estende para nós os seus frutos e bagas todas
ao mesmo tempo.
Entretanto perguntam-me as pessoas da aldeia que, imagine-se,
já não andam pelos campos no meio dos quais construíram as habitações onde
vivem, se não tenho medo de andar sozinha pelo campo. A pergunta, mais do que
incomodar-me, fere a minha alma como o bulldozer fere a paisagem. Ao indagar dos
hipotéticos perigos, dizem-me que vêm basicamente das cobras e dos assaltantes.
Devo dizer entretanto que considero as cobras dos animais
mais sagrados de toda a criação. Quanto aos assaltantes, eles estão por todo o
lado, toda a paisagem foi tomada de assalto, a cultura foi tomada de assalto,
toda a terra foi tomada de assalto. Eu visito apenas o que resta do saque, por
enquanto, o que vai sobrevivendo no meio de toda a desolação, e dou-lhe toda a atenção
e carinho que posso e perecer nesse acto não vou dizer que seria heróico, mas alguma
coisa do género.
Mas não sou assim tão destemida, também tenho os meus medos.
Tenho medo duma cultura em que as pessoas se trancam em casa com medo das
cobras, dos assaltantes, dos fiscais das finanças, dos banqueiros, dos polícias,
daqueles que se dizem seus governantes, e aí ficam embasbacadas à frente da
televisão, vendo incessantes novelas e arraiais populares, gouchas, casas de
segredos e jogos de futebol, enquanto engolem as pastilhas prescritas pelo
médico de família, alternando tudo isso com os vinte crimes seguidos do
telejornal das oito, mais as ameaças dos ministros, no meio da euforia de
plástico da publicidade. E não é apenas medo, é pavor por ver a forma vil e abjecta
como se destrói a alma e se drena a força vital dum país e duma cultura.
Luiza Frazão